A tradicional imagem do advogado de terno e gravata está perdendo espaço nos escritórios brasileiros. A edição de 2025 do ANÁLISE ADVOCACIA DIVERSIDADE E INCLUSÃO 2025, realizada com 557 escritórios de advocacia, revela que apenas 31% mantêm o código de vestimenta formalizado em documentos oficiais como cartilhas ou manuais. Outros 23% afirmam ter diretrizes sobre vestimenta, mas sem formalização, enquanto 38% não possuem qualquer tipo de dress code instituído.
O levantamento mostra ainda que 8% dos escritórios já tiveram políticas formais de vestimenta, mas decidiram abandoná-las — um movimento que ganhou força especialmente após a pandemia, quando o trabalho remoto e híbrido redesenhou as relações corporativas.
A flexibilização já é regra
Os números revelam uma transformação profunda na cultura dos escritórios jurídicos. Somados os percentuais, 69% dos escritórios pesquisados trabalham sem uma cartilha formal de vestimenta, optando por abordagens mais flexíveis ou pela completa ausência de regras.
"Nosso escritório é pequeno, conduzido basicamente pelas duas sócias, e entendemos que a advocacia já carrega naturalmente um padrão de formalidade. Por isso, nunca sentimos a necessidade de instituir um dress code rígido e escrito", explica Renata Oliveira, sócia fundadora do Jereissati Oliveira Advogados, que nunca teve código de vestimenta formalizado.
A percepção é compartilhada por Gustavo Diniz, sócio do Seabra Diniz Advogados, ele explicou o motivo da ausência do dresscode: "De tudo um pouco, mas principalmente uma adaptação às mudanças do mercado e da própria cultura social. A pandemia trouxe esse efeito de tornar o ambiente jurídico um pouco mais casual e menos formal."
Casual Friday é unanimidade
Mesmo entre os escritórios que mantêm algum tipo de dress code, a flexibilização é notável. A pesquisa aponta que 75% dos escritórios adotam o Casual Friday, dia em que as regras de vestimenta são relaxadas. Apenas 25% não aderem à prática.
Wilson de Faria, sócio diretor do WFaria Advogados Associados, que possui dress code formalizado, conta que o Casual Friday foi uma conquista vinda dos próprios colaboradores. "Essa foi uma sugestão que veio das próprias discussões do Comitê com os colaboradores. Percebemos que uma sexta mais descontraída melhorava o clima organizacional", revela.
O fim das exigências tradicionais
Outro dado que chama atenção é a queda de itens tradicionalmente obrigatórios na advocacia. Apenas 3% dos escritórios exigem que advogados usem gravatas todos os dias, enquanto 17% mantêm a exigência apenas para reuniões ou atendimento de clientes.
Para as advogadas, o cenário é ainda mais flexível: somente 1% dos escritórios exigem saias ou vestidos preferencialmente, e apenas 3% pedem sapatos de salto, seja no dia a dia ou em compromissos externos. Impressionantes 80% dos escritórios não exigem nenhum item específico de vestimenta.
"Acredito que o mercado jurídico esteja caminhando para um dress code mais informal, e a ausência da gravata já é um bom exemplo dessa mudança. Ainda assim, no ambiente do Judiciário a formalidade segue predominando", analisa Gustavo Diniz.
O que ainda é permitido (e muito)
A pesquisa também investigou quais elementos são aceitos nos escritórios, revelando uma abertura significativa para diversidade e expressão individual:
- 86% permitem cabelo afro (black power, tranças, dreadlocks)
- 86% aceitam maquiagens e unhas coloridas
- 85% liberam adornos religiosos (crucifixos, escapulários, medalhas, guias afro-brasileiras)
- 81% não têm restrições para cabelos compridos
- 80% permitem tatuagens e piercings aparentes
- 71% aceitam tênis e sapatênis
- 69% liberam o uso de jeans
- 60% permitem cabelos coloridos
Apenas 6% dos escritórios não permitem nenhum desses itens, sinalizando uma postura mais formal que a maioria.
Quando formalizar faz sentido
Entre os escritórios que optaram por formalizar o código de vestimenta, a motivação principal não é a rigidez, mas a clareza. Juliana Valongo, General Office Manager do Santos e Santana Sociedade de Advogados, explica: "A motivação principal foi alinhar o estilo de vestir dos colaboradores aos princípios e cultura da empresa, promovendo cuidado com o pessoal e refletindo as mudanças no mundo corporativo pós-pandemia."
O escritório está na terceira versão de seu manual de vestimenta, incorporando ajustes como a inclusão do traje casual no cotidiano e orientações específicas para home office. "Essas atualizações refletem ajustes importantes que respondem diretamente às expectativas das gerações mais jovens, que valorizam autenticidade, conforto e flexibilidade", afirma Juliana.
Loyanna de Andrade Miranda, sócia CEO do Abi-Ackel Advogados Associados, reforça o caráter educativo da formalização: "A política foi percebida como um guia de convivência e identidade institucional, não como imposição. O estilo semiformal, que equilibra conforto e representação profissional, favoreceu a aceitação, inclusive entre gerações mais jovens."
A zona cinzenta: dress code sem documento
Um em cada quatro escritórios (23%) mantém expectativas sobre vestimenta, mas sem formalizar em documento. Essa abordagem busca equilibrar flexibilidade com padrões profissionais, mas pode gerar situações ambíguas.
Luciano Paolucci, sócio do Oliveira Paolucci Advogados, defende a escolha: "Optamos por manter o código de vestimenta como uma prática cultural informal por razões estratégicas ligadas à nossa visão de autonomia e bem-estar dos colaboradores. A flexibilidade reflete uma tendência mais ampla de humanização nas carreiras jurídicas."
Daniely Darmony Mendes, gerente de RH do Rolim Goulart Cardoso, explica como funciona na prática: "Em vez de formalizar um código de vestimenta rígido, preferimos confiar no bom senso, na maturidade e na diversidade dos nossos profissionais. A ideia é criar um ambiente que equilibre liberdade, respeito e inclusão."
Ambos os escritórios reconhecem que já enfrentaram situações pontuais de interpretação, mas resolvem através do diálogo. "Quando isso acontece, lidamos sempre de forma individual, respeitosa e acolhedora, com foco em alinhar expectativas sem constranger ou desvalorizar a identidade de ninguém", diz Daniely.
Quem abandonou o dress code não quer voltar atrás
Entre os escritórios que tinham políticas formais e decidiram eliminá-las, o movimento parece irreversível. Carlos Ferrari, sócio do NFA Advogados, conta que a mudança foi motivada pela valorização da "essência sobre a forma" e pela influência do modelo híbrido de trabalho.
"A gestão percebeu que a formalidade no vestuário não estaria mais tão ajustada à cultura de confiança, autonomia e foco em resultados que o escritório vinha promovendo", explica Ferrari. A transição foi imediata e bem recebida pela maioria, embora alguns advogados mais antigos tenham demonstrado cautela no início.
Os resultados foram positivos. "Foram notados ganhos perceptíveis no engajamento e bem-estar dos colaboradores. O ambiente tornou-se mais leve e inclusivo, refletindo positivamente na produtividade e colaboração", relata o sócio.
Quanto aos clientes, Ferrari revela que não houve impacto negativo: "Com o tempo, ficou claro que a confiança e a competência técnica pesam mais na imagem institucional do que o traje. Os clientes reagiram de forma neutra ou até positiva, interpretando a mudança como sinal de modernidade e autenticidade."
Em retrospectiva, Ferrari afirma que foi a decisão certa: "O NFA não cogita voltar atrás, já que a flexibilização se consolidou como parte da cultura interna. A tendência é que essa flexibilização seja permanente, acompanhando a evolução natural do ambiente jurídico para modelos mais humanos e adaptáveis."
O novo protocolo: adequação ao contexto
Mesmo nos escritórios sem dress code formal, existe um consenso sobre a importância de adequar a vestimenta ao contexto. Reuniões com clientes importantes, audiências e eventos corporativos ainda exigem uma apresentação mais formal.
"Temos consciência de que a forma de se vestir também comunica profissionalismo. Assim, em reuniões com clientes, eventos institucionais ou audiências, é natural que nos apresentemos de maneira mais formal", afirma Renata Oliveira, do Jereissati Oliveira.
No Seabra Diniz, segundo Gustavo Diniz, "quem fez a captação do cliente dá orientações sobre o perfil da reunião e, se necessário, recomendações quanto à apresentação."
Fiscalização: educação prevalece sobre punição
Nos escritórios que mantêm dress code formalizado, a abordagem punitiva praticamente não existe. A fiscalização, quando há, é educativa e discreta.
"Não há fiscalização punitiva, e sim orientação contínua das lideranças. Situações pontuais são tratadas de forma educativa e dialogada", explica Loyanna de Andrade Miranda, do Abi-Ackel.
No WFaria, o protocolo é claro: quando um gestor percebe algo fora do padrão, comunica ao RH, que então conversa individualmente com a pessoa. "O objetivo é sempre educar e esclarecer. Às vezes a pessoa simplesmente não sabia", diz Wilson de Faria. "Nossa experiência mostra que quando você explica o propósito e oferece orientação clara, as pessoas naturalmente se alinham."
No Santos e Santana, Juliana Valongo confirma a linha educativa: "No caso de abusos, o RH é orientado a conversar individualmente com cada uma das nossas pessoas, sem que haja qualquer tipo de imposição ou constrangimento."
O home office trouxe novos desafios
O trabalho remoto e híbrido adicionou uma camada extra de complexidade à questão da vestimenta. Os escritórios com políticas formalizadas incluíram orientações específicas para videochamadas.
"O Comitê estabeleceu que a flexibilidade não pode comprometer a representatividade. Criamos a regra: 'vista-se como se fosse encontrar um cliente' — mesmo que seja numa videochamada interna", conta Wilson de Faria. Ele admite que houve confusão inicial: "Algumas pessoas interpretaram como se fosse obrigatório usar terno em casa! O Comitê rapidamente esclareceu: 'Uma camisa social num tom que você goste já resolve perfeitamente'."
No Santos e Santana, o manual inclui "recomendações específicas para manter uma aparência profissional nas videochamadas, evitando roupas informais demais e reforçando a importância de ligar a câmera", diz Juliana Valongo.
O futuro da vestimenta nos escritórios
O mercado jurídico parece caminhar para uma informalidade crescente, mas sem abandonar completamente os padrões de sobriedade característicos da profissão.
"O mercado vem se abrindo para mais diversidade e autenticidade, e a rigidez absoluta do dress code já não é regra", afirma Renata Oliveira. "Acreditamos que a sobriedade sempre terá espaço na advocacia, pois ela transmite confiança e respeito. Mas é possível equilibrar isso com flexibilidade, sem engessar a individualidade."
A pesquisa indica que a tendência é de que cada vez menos escritórios formalizem códigos de vestimenta rígidos. A confiança no bom senso dos profissionais, aliada à adequação contextual e ao respeito à diversidade, parece ser os novos pilares que orientam a apresentação profissional na advocacia contemporânea.
Para os escritórios que ainda resistem à mudança, o recado do mercado é claro: a competência técnica e o profissionalismo não se medem mais pelo comprimento da saia ou pela presença da gravata, mas pela qualidade do serviço prestado e pela capacidade de construir relações de confiança com clientes — independentemente da roupa que se vista.

