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Diversidade e inclusão nos escritórios de advocacia

Por Letícia Yumi Marques, head da área Ambiental e membro do Comitê de Responsabilidade Social no KLA Advogados

13 de December de 2022 17h

Nos anos de 2021 e 2022, uma pesquisa da Análise Editorial identificou um crescimento de cerca de 10% em relação a anos anteriores na implementação de iniciativas ou programas de diversidade e inclusão em escritórios de advocacia. Dentre essas medidas, estão a constituição de comitês específicos para elaborar, coordenar e executar políticas de diversidade e inclusão, grupos de afinidade, palestras de letramento e ações afirmativas em processos de contratação e gestão de talentos e de fornecedores.

Em geral, na faculdade, advogados e advogadas aprendem Direito. E só. Não somos ensinados(as) práticas de gestão, muito menos para diversidade e inclusão. Por isso, muitas das ações em curso em escritórios de advocacia são espelhadas em práticas de mercado, em empresas que têm, com sucesso, caminhado no sentido de uma sociedade mais equitativa, mais inclusiva, menos segregadora e que acolha e cultive diferenças. Porém, é importante que essas ações atendam as peculiaridades da carreira jurídica na advocacia.

A advocacia ainda é essencialmente conservadora, branca e masculina. Mesmo que as mulheres sejam notoriamente maioria nos cursos de Direito, em muitos escritórios, a maioria dos sócios costuma ser homem, branco, hétero e cisgênero. Também é frequente - talvez, hoje, um pouco menos escancarado- que processos seletivos para contratação de advogados(as) e estagiários(as) excluam candidatos(as) que não sejam das faculdades consideradas mais tradicionais. Sobrecarga de trabalho pode limitar ou retardar a ascensão de mulheres que são mães à sociedade. E não faz muito tempo, mulheres não podiam sequer entrar nos fóruns de calça - o uso de saia era obrigatório. Mansplaining e manterrupting são comuns em reuniões e videoconferências.

Pôr o dedo na ferida dói, mas é o primeiro e importante passo para uma política de diversidade e inclusão eficiente, e principalmente, eficaz. Na prática, isso se faz por meio de um censo, que mapeia as características socioculturais dos profissionais do escritório. A partir do resultado da pesquisa, que deve ser anônima, será possível constatar deficiências no âmbito da diversidade e inclusão e traçar planos de ação para um cenário paulatinamente melhor.

Por exemplo: em escritórios que possuem equidade de gênero, com equilíbrio entre sócios e sócias, mas ainda não alcançaram o ideal em termos de inclusão de pessoas negras e LGBTI+ no corpo jurídico, ações para estes públicos devem ter atenção especial na política de diversidade e inclusão.

Não se espera que o machismo, o racismo estrutural e a LGBTfobia, que por centenas de anos vêm formando o inconsciente coletivo dos(as) brasileiros(as) sejam descontruídos do dia para a noite, por mais desejado que isso seja. É importante, para fins de eficácia, que essa desconstrução seja encarada como é: um processo, cuja implementação requer planejamento, ações contínuas de educação e letramento e engajamento das altas lideranças. Também é importante que esse processo de desconstrução no ambiente corporativo busque educar, esclarecer, orientar e não "apontar dedos", para que todos e todas no escritório se sintam à vontade para ser parte das ações de diversidade e inclusão e se tornarem seus multiplicadores(as). É evidente que falas e práticas preconceituosas e discriminatórias não devem ser toleradas, mas é importante que o tom do discurso da diversidade e inclusão seja conciliador, justamente para aproximar e "pregar" para os colegas "não-convertidos" e incentivá-los a refletir sobre esses temas.

Isso significa também que a diversidade e inclusão em escritórios de advocacia não se satisfazem com a contratação em massa de profissionais de grupos minorizados, sem que esses profissionais tenham iguais condições de se desenvolver, aprimorar suas habilidades e crescer na carreira dentro do escritório. É importante que o ambiente seja respeitoso e acolhedor do ponto de vista da acessibilidade, do dress code que acomode modos de vestir de diferentes culturas e etnias e da comunicação atenta aos vieses inconscientes, escondidos em expressões de origem discriminatória que repetimos ainda hoje, inclusive no ambiente corporativo.

As políticas de diversidade e inclusão em escritórios de advocacia têm relevância não apenas para o ambiente de trabalho dos advogados e advogadas, mas para o Direito como um todo. Isso porque a interpretação das leis pelos olhos de operadores do Direito em um ambiente não inclusivo e não diverso tende a reproduzir estereótipos e os próprios racismo, machismo e LGBTfobia. O Direito, afinal, não é matemática e é informado e formado por alto grau de subjetividade. Os indivíduos interpretam textos, fatos e situações de acordo com a sua bagagem sociocultural e, se ela não for diversa e inclusiva, o resultado pode não levar em consideração pontos importantes para a justa aplicação do Direito.

Por exemplo: Adilson José Moreira¹ ressalta que a narrativa jurídica brasileira pode ser racista quando, na interpretação do Princípio da Igualdade, reproduz a falsa noção de igualdade como neutralidade racial, num contexto que ignora as disparidades sociais e econômicas dos grupos minorizados. No âmbito do Direito Contratual, autores4 demonstram que a interpretação heterodoxa dos contratos - ou seja, aquela que parte de uma visão progressista e transformadora de Justiça Social - é tendência nos tribunais de países em desenvolvimento, em contraposição à interpretação ortodoxa, que se limita à letra fria da lei. Exemplo prático: revisão de contratos de aluguel durante a pandemia, que favoreceu locatários em situação de vulnerabilidade.

Como função essencial à Justiça, a advocacia é parte importante na aplicação do Direito como instrumento para uma sociedade mais diversa e inclusiva. Por isso, todas as iniciativas de diversidade e inclusão em escritórios devem ser festejadas e encorajadas. Como ouvi uma vez, nesse assunto, não somos concorrentes. Somos coopetidores³.

¹MOREIRA, Adilson José. Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, vol. 8, n.º 2, 2017, p. 830-868. DOI: https://doi.org/10.12957/dep.201721460 

²DAVIS, Kevin E.; PARGENDLER, Mariana. Heterodoxia jurídica no sul global: desigualdade e direito contratual comparado. Suprema: Revista de Estudos Constitucionais. Brasília, vol. 1, n.º 1, 2021, p. 267-298. DOI: https://doi.org/10.53798/suprema.2021.v1.n1.a25 

³Coopetição é a colaboração e soma de esforços de empresas de um mesmo ramo ou setor, em princípio concorrentes, para atingimento de metas comuns e mutualmente benéficas.

Letícia Yumi Marques, head da área Ambiental e membro do Comitê de Responsabilidade Social no KLA Advogados. Pós-graduada em ESG: Diversidade e Inclusão na Prática pela FGV Law (2022).

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