Mulheres não negociam: os mitos sobre as mulheres na mesa de negociação | Análise
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Mulheres não negociam: os mitos sobre as mulheres na mesa de negociação

Por Renata Simon, sócia do Candido Martins Advogados

1 de December de 2022 19h30

Há um mito, suportado por alguns estudos tendenciosos, de que mulheres não negociam, não deveriam ou não sabem negociar.  A sociedade por décadas rotulou a mulher como o "sexo frágil" e, historicamente, as mulheres entraram mais tarde no mercado de trabalho e, consequentemente, na mesa de negociação.

Como exemplo, podemos destacar a questão das diferenças salariais entre gêneros. Diversos estudos indicam que as mulheres estão menos inclinadas que os homens a negociarem aumentos salariais. Outros tantos indicam que as mulheres são menos assertivas do que os homens e, que, portanto, têm menos chance de se saírem bem-sucedidas na mesa de negociação.

A negociação do salário pode muitas vezes vir acompanhada de outras questões, talvez mais relevantes para a mulher. Por exemplo, quando eu tive o meu primeiro filho (há 11 anos, quando o conceito de trabalho híbrido ainda parecia um sonho distante), ao invés de negociar um aumento salarial, eu negociei com meu chefe a flexibilização da minha carga horária e a possibilidade de trabalhar de casa alguns dias, com a manutenção do meu salário. Naquele momento, o tempo disponível para o meu filho era mais valioso do que qualquer aumento de salário.

Mas suponhamos que a negociação seja exclusivamente sobre aumento salarial, sem qualquer outra questão envolvida. A mulher é capaz de negociar como um homem?

Para Andrea Kupfer Schneider, professora da Marquette University Law School, a resposta é sim! Em seu TED Talk sobre "Women Don’t Negotiate and Other Similar Nonsense" ("Mulheres não negociam e outros absurdos") ela refuta o mito de que mulher não negocia, não pode ou não consegue negociar. Ela traz à luz uma questão importante sobre a possível falta de assertividade de parte das mulheres na mesa de negociação: para ela assertividade é apenas um de cinco pilares que fazem uma pessoa ser um bom negociador, ao lado da empatia, flexibilidade, ética e intuição social. E, as mulheres têm vantagem na maioria desses pilares sobre os homens.  Ela também destaca que a mulher é, muitas vezes, estigmatizada por ser agressiva ou ser antipática quando, na verdade, está sendo assertiva na negociação.

Outro fator que prejudica a negociação salarial é a falta de informação e, portanto, a perpetuação da disparidade salarial. A negociação é muitas vezes prejudicada por falta de informação suficiente sobre a remuneração de seus pares. Por isso, a necessidade de políticas corporativas e leis que permitam tratamento igualitário entre gêneros e maior acesso à informação.

Sendo mulher e atuando por quase duas décadas representado clientes (homens e mulheres) na mesa de negociação, eu sempre defendi a opinião de que uma negociação não é sobre gênero e sim sobre pessoas. E não importa se seja homem ou mulher, mas, sim, se a pessoa possui as condições necessárias para ser um(a) bom(a) negociador(a).  Mas, eu confesso que, algumas vezes (cada vez mais raro), enfrento o machismo estrutural na mesa de negociação e a questão de gênero volta à tona.

Recentemente, participei de uma negociação muito dura. Do outro lado da mesa, um advogado homem, por volta dos 40 anos, de um renomado escritório de advocacia do país.  Apesar de termos chegado a um acordo, saí da reunião exausta, com a percepção de não ter sido ouvida, a sensação de ter "apanhado", de ter fracassado.

A princípio aquela reunião não era diferente de tantas outras que costumo fazer todos os dias. Na semana anterior, por exemplo, eu havia negociado com executivos de uma grande instituição financeira a venda de uma empresa para eles. Na mesa de negociação estavam 8 homens e só 2 mulheres, eu sendo uma delas. A negociação foi dura, mas saí da reunião com a sensação de dever cumprido.

Apesar das características similares dos negociadores (homens, 40 anos, sofisticados e experientes com esse tipo de negociação), por que as reuniões tinham sido tão diferentes para mim?

Depois de muito refletir sobre o tema, entendi o porquê da diferença entre as duas reuniões. Na reunião com o banco, o foco foi sempre nos problemas e não nas pessoas. Em nenhum momento o meu gênero (ou a diferença dele) tinha sido ingrediente na mesa de negociação. Consegui ser ouvida, expor meu ponto de vista de maneira assertiva sem ser interrompida, teve flexibilização dos dois lados  e empatia.

Já na reunião com o advogado, não teve nada disso, pelo contrário, a sensação de ter  "apanhado" na mesa de negociação, é o que a literatura sobre machismo estrutural chama de "micro agressões" de gênero e, muitas vezes, passam abaixo do nosso radar. São exemplos disso o "mansplaning", "mansterrupting e "gaslight", que confesso que até pouco tempo atrás nunca tinha sequer ouvido falar, mas que quando li seus significados, os identifiquei automaticamente com a experiência que tive naquela reunião e apresento a seguir:

  • Mansplaining: quanto tentam explicar um tema para a mulher como se ela tivesse uma capacidade intelectual inferior ou não tivesse entendido o conceito, ao invés de reconhecer que ela simplesmente não está concordando com o seu ponto de vista;
  • Manterrupting: quando uma mulher quer explicar algo, mas é interrompida por um homem para invalidar e desconsiderar a manifestação de opiniões feitas por ela. A palavra é um neologismo do inglês composto por "man", que significa "homem", e "interrupting", cuja tradução é "interrompendo".
  • Gaslight: faz parecer que o ponto colocado pela mulher não é lógico ou é incongruente, ao invés de tentar entender a sua perspectiva.

Não devemos tratar esses comportamentos como dano colateral resultante do simples fato de sermos mulheres negociando com homens. Precisamos criar autoconsciência que estamos diante de uma agressão de gênero para que possamos enfrentá-la da melhor forma possível. Não aceitem "não" como resposta, se você acredita no seu ponto de vista, seja assertiva e o defenda, ainda que isso possa parecer absurdo para a outra parte ou tentem te calar.

Renata Simon é sócia do Candido Martins Advogados e atua nas áreas de private equity, M&A e societário do escritório. Também é responsável pelas áreas de financiamento e mercado de capitais e compliance. Possui mais de 20 anos de experiência assessorando clientes em operações de M&A, private equity, financiamento e mercado de capitais. Tem mestrado pela Columbia University School of Law em Nova Iorque. Antes de ingressar no Candido Martins, trabalhou em um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil e também como advogada do escritório inglês Clifford Chance, na área de mercado de capitais. Renata também tem experiência como in-house counsel de grandes corporações.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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