Representantes das maiores bancas do mercado jurídico empresarial discutem IA, saúde mental e desafios de gestão | Análise
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Representantes das maiores bancas do mercado jurídico empresarial discutem IA, saúde mental e desafios de gestão

Na última quinta-feira, 24, oito gestores de escritórios compartilharam dicas e experiências sobre gestão jurídica durante painel na Fenalaw

29 de October de 2024 16h16

Que existem dificuldades quando se está à frente de um grande escritório de direito empresarial todos sabem, mas como os líderes dessas bancas lidam com tais desafios? O segundo dia da Fenalaw, maior evento jurídico da América Latina, reuniu heads de alguns dos maiores escritórios do país para abrir detalhes sobre seu o cotidiano, a integração com a tecnologia, gestão pessoal, saúde mental e outros temas ligados à gestão jurídica.

A mediação do painel ficou a cargo de Carlos José Santos da Silva, o Cajé, presidente do Conselho Diretor Cesa e sócio do Machado Meyer. A banca também esteve representada pelo seu managing partner, Tito Andrade - figura reconhecida entre os Mais Admirados -, que enfatizou que uma das maiores dificuldades na gestão de um grande escritório é a motivação das novas gerações em uma profissão que exige investimento a longo prazo.

"Como manter os jovens motivados em uma carreira que é mais longeva? Não é uma prova de tiro curto, é uma maratona, como manter os jovens motivados dizendo que daqui a 15 anos ele alcançará um bom patamar?", disse Andrade. Outro ponto da sua fala foi a questão do uso da inteligência artificial no universo jurídico.

O managing partner do Machado Meyer também falou sobre o investimento em novas tecnologias ao escritório. Para ele, a chegada da inteligência artificial é algo progressivo e que chegou para mudar o meio jurídico. "Será absolutamente inevitável na nossa profissão todos nós, como advogados, utilizarmos ferramentas de inteligência artificial. Teremos uma transformação na nossa profissão, que já começou", disse Andrade.

Em seguida, ele complementou: "isso não significa que os nossos profissionais acabarão, pois a tecnologia também pode gerar oportunidades das quais nem temos o conhecimento ainda. Mas o advogado que for refratário a ela vai ter muita dificuldade em um curto espaço de tempo".

Saúde mental na advocacia

Outro escritório da mesa, o Pinheiro Neto Advogados, eleito como Mais Admirado desde 2006, esteve representado por Fernando Alves Meira, managing partner da banca. Para um dos Mais Admirados do anuário ANÁLISE ADVOCACIA, um dos pontos mais importantes da gestão jurídica de sucesso é o cuidado com a saúde mental dos colaboradores - tema que, segundo o advogado, deve buscar o equilíbrio apesar das dificuldades impostas pelas demandas.

"Nenhum de nós é máquina para trabalhar num regime de alta intensidade, sete dias por semana e 24 horas. Mas, quando há picos e você precisa entregar o trabalho com a qualidade que o cliente demanda, não sobra alternativa", disse Meira no painel desta quinta. "No fim das contas é sempre uma busca por equilíbrio, não é constante, haverá momentos de sacrifício, mas não é uma relação de opressão."

Outra questão levantada pelo sócio do Pinheiro Neto é a quantidade de profissionais que a banca tem com muito tempo de casa. Para ele, isso é fruto do bom ambiente de trabalho cultivado pelo escritório. "Nós temos mais de 200 pessoas com um tempo superior a 25 anos no escritório. Se fosse um ambiente totalmente insalubre, essas pessoas não ficariam lá. É preciso ter equilíbrio, tratar as pessoas como elas merecem", disse Meira.

O assunto da saúde mental também foi abordado pela managing partner o Veirano Advogados (também um dos Mais Admirados), Paula Surerus. Segundo ela, as novas gerações têm colocado importantes limites para a profissão, e o bem-estar psicológico se tornou um tema central dentro do escritório.

"As novas gerações trazem importantes limites para a nossa profissão. Um dos temas, que é muito caro dentro do escritório, é a saúde mental. Estamos em um mundo muito acelerado, com muita informação ao mesmo tempo. A dinâmica de reuniões e a intensidade aumentam", disse Surerus no painel. Ela também defendeu o trabalho presencial nos escritórios, mas com flexibilidade. "Você só consegue saber como uma pessoa está se estiver presencialmente com ela. Mas é preciso entender que nossos parceiros precisam trabalhar de um ponto ou de outro."

Passar o topo do Everest

Um dos membros do painel desta quinta foi a advogada Camilla Jimene, CEO do Opice Blum e uma das fundadores do SER.A.CEO, movimento de mulheres líderes de grandes escritórios - além de estar, ao lado da sua banca, no rol de Mais Admirados do anuário ANÁLISE ADVOCACIA. Ela destacou a profunda transformação que a IA tem imposto aos escritórios de advocacia, comparando com uma "nova subida" do Pico Everest.

"É como se nós tivéssemos subido o Everest, alcançado o topo, e agora vamos precisar subir de novo. A IA fará isso conosco. Teremos que remodelar o negócio, as entregas, a precificação, a estrutura do time", disse Jimene, emendando na sequência: "a IA está remodelando o nosso negócio e precisamos estar conectados para não sermos engolidos pelo mercado. Esse é o momento em que a gente vai se tornar o Uber ou o taxista".

A CEO do Opice Blum ainda destacou que a demanda por entregas rápidas cresce em consonância com o uso de plataformas digitais. "Teremos mais pressão de entrega e de velocidade. Hoje, os nossos clientes consomem serviços de plataformas digitais. Eles querem consumir serviços jurídicos de um modo fácil e rápido. Não há dúvida de que é uma jornada de transformação do mercado jurídico", afirmou a CEO.

Novas gerações e nova concorrência

Outro Mais Admirado presente no painel foi Pedro Whitaker, sócio-diretor do Mattos Filho, banca também Mais Admirada. Para ele, diferente de outras épocas, agora os advogados possuem um aproveitamento maior do tempo. "As novas gerações não precisam passar 70% do tempo entre os ônibus e escadas do fórum para ver o andamento de um processo. Sem dúvida houve uma acomodação. Vejo essas novas gerações com um olhar de otimismo, com mais poder intelectual e uma capacidade de inovação e curiosidade muito maior, que é natural deles", disse Whitaker.

Carlos Fernando Siqueira Castro, eleito Mais Admirado no ANÁLISE ADVOCACIA e CEO do SiqueiraCastro, escritório também reconhecido pelo anuário da Análise, destacou que um dos desafios que os escritórios terão pela frente é a concorrência com empresas de tecnologia. "Nossos concorrentes do futuro não estão neste painel. Eles estão lá fora, são as empresas de tecnologia."

Em seguida, ele provocou a plateia: "Como nós utilizaremos isso? Vamos ser vítimas das circunstâncias ou, de alguma forma, conseguiremos influenciar e ser protagonistas nessas mudanças? É inegável que essas mudanças virão, com muita rapidez e de uma forma altamente disruptiva".

Castro também alertou sobre a necessidade da advocacia - a despeito da sua longevidade no mercado - precisar se reinventar. "A advocacia está presente no mundo desde o Antigo Testamento. Agora, a advocacia de hoje já está morta. Temos que descobrir qual será a advocacia que estará presente daqui a cinco ou dez anos."

Revolução inédita

O tema da inteligência artificial tomou conta da maioria das falas no painel. Paulo Rocha, reconhecido entre os Mais Admirados e managing partner do Demarest Advogados, escritório presente nas publicações da Análise desde 2006, também falou das transformações provocadas pela IA no mercado, reiterando que essa revolução será inédita. "Alguns falam que a IA será uma ferramenta como o fax foi, como o e-mail, e eu penso diferente. Isso é uma progressão geométrica diferente de tudo o que já foi visto, porque ela realmente muda a forma como as pessoas vão ser usadas para trabalhar".

Rocha criticou a preparação que as faculdades de direito fornecem para esse novo cenário. "Eu acredito que as faculdades não estão nem perto do que elas devem fazer para preparar as novas gerações que vão chegar e ser utilizadas de uma forma diferente da que conhecemos", disse no painel desta quinta.

Educar para gerir

Ainda dento desse tema da educação, Luiz Gustavo Bichara, managing partner do Bichara Advogados, ambos reconhecidos no ANÁLISE ADVOCACIA, alertou sobre a necessidade de que os profissionais jurídicos sejam formados tendo em vista que podem ter que trabalhar a gestão dos seus escritórios. "Para mim, gestão é igual ginástica. É trabalhoso, mas tem que fazer. Mas não fomos treinados para isso. Na faculdade ninguém me disse que eu teria que cuidar da vida de inúmeras pessoas, e os desafios de gestão são muito grandes. Temos que treinar as pessoas para fazer isso", disse o Admirado.

Outro ponto levantado por ele é a necessidade de que os profissionais entendam que eles - e não só a banca - também têm um vínculo com o cliente. Para Bichara, muitos jovens profissionais, "a relação é apenas com o escritório, e o cliente vira um elemento extrínseco". "Se o cliente liga, pede algo para a manhã seguinte e você acaba tendo que virar a noite trabalhando, não é porque ele é sádico, é porque existe uma oportunidade de trabalhar".

"A gente luta a vida toda para ser um prestador de serviço requisitado e indispensável, mas temos que ser coerentes. A profissão que escolhemos embute estar disponível para o cliente, não podemos vender o sonho de que você terá uma vida tranquila, porque não vai. Eu não conheço nenhum advogado bem-sucedido que tenha uma vida tranquila", concluiu Bichara.

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