Dominar habilidades empresariais é fundamental para a gerência de um escritório, afirmam advogados | Análise
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Dominar habilidades empresariais é fundamental para a gerência de um escritório, afirmam advogados

Para David Rechulski, Joyce Roysen, Carlos Siqueira Castro e Nelson Wilians, as universidades não tratam adequadamente de empreendedorismo e métricas financeiras

13 de August de 2024 12h20

A necessidade de o advogado se tornar empresário o levou a trocar expressões como causa mortis, actus réus e, talvez, quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra por termos mais corporativos como benchmarkings, KPIs, equity, branding, turnover, entre outras.

Mas será que a formação clássica tem, por si só, resolvido os problemas modernos dos advogados? A resposta que o último levantamento da Análise oferece pode ser dividida em duas partes: a primeira mostra que os profissionais têm buscado especializações, tanto no Brasil quanto no exterior; a segunda sugere que a jornada para o sucesso pode valorizar mais a experiência prática do que a mera acumulação de diplomas.

A mudança no eixo de atuação dos advogados é evidente em sua trajetória acadêmica. Em 2014, a maioria dos eleitos como Mais Admirados havia se formado na USP (17,6%), com a PUC-SP em segundo lugar (15,6%). No entanto, a última edição do ANÁLISE ADVOCACIA revela uma inversão nesse cenário: a PUC-SP agora lidera com 16%, enquanto a USP ocupa o segundo lugar com 14%.

Os dados sobre especializações mostram que, entre quase 800 escritórios pesquisados, 43% dos advogados possuem algum título de especialização, 41% têm um mestrado, 16% possuem um LLM e 16% obtiveram um MBA.

MULTIDISCIPLINARIDADE

David Rechulski, com 34 anos de carreira, dá nome ao escritório que fundou em 2004. Desde antes de sua formação, ele reconhece que o prazer pelos números e métricas foi um diferencial em sua trajetória. "Eu sempre tive uma cabeça que conjugou humanas e exatas, pois desde os tempos de escola adorava matemática, química e física", diz. "Eu sempre procurei fazer e olhar para as coisas de forma diferente, tentar ser visionário em algo, ter um foco empresarial também, para não ser um advogado convencional, pensar o direito sob a perspectiva do business do cliente e não como um assunto para ser tratado apenas de forma acadêmica."

E quando os planos mudaram, levando Rechulski a abandonar a ideia de prestar um concurso e optar por empreender? Durante uma aula na pós-graduação em 1990, um professor e advogado criminalista afirmou que jamais prestaria concurso para o Ministério Público, Judiciário ou afins. No entanto, eram exatamente esses concursos que Rechulski estava prestando e aguardando ansiosamente.

"Na época, essa era minha perspectiva aos 23 anos de idade. Assim que a aula terminou, perguntei ao professor o motivo daquela afirmação, já que eu estava planejando seguir por esse caminho. Ele respondeu: 'Você nasceu para ser advogado; seu perfil não tem nada a ver com outra coisa", conta Rechulski. Um mês depois, o mesmo professor o convidou a fazer parte de seu escritório. "Foi depois dessa experiência que percebi que o que realmente me atraía era a advocacia."

Hoje, o David Rechulski Advogados e conta com uma equipe de mais de 20 advogados. Desde 2007, tanto o escritório quanto seu fundador foram eleitos como os Mais Admirados em todas as edições do ANÁLISE ADVOCACIA.

AUTOPROMOÇÃO

Outra característica do advogado empresário é a capacidade de autopromoção. Como mostrou a Análise, a adoção de comitês internos de marketing está crescendo, estando atualmente presente em 60% dos escritórios. Nos últimos cinco anos, esse crescimento foi de 16%.

Joyce Roysen é especializada em direito penal e, em um ramo onde a discrição é uma vantagem, encontrou uma maneira elegante de se aproximar dos clientes: os cartões de Natal. "Sempre gostei muito da ideia dos cartões de Natal; eles transmitem uma sensação de humanização na relação com o cliente", diz.

Adotados em 2001, os cartões são personalizados com palavras de conforto que remetem a situações marcantes do ano que se encerra. "Começou com a palavra ‘paz’, devido ao ano do 11 de setembro", diz. "Todos os anos escolho palavras que refletem a minha essência, e muitas delas tocaram as pessoas. No ano da pandemia, a palavra foi 'resiliência'. E qual será a palavra de 2025? Não revelo para ninguém, nem mesmo para os sócios do escritório."

Joyce costuma comparar o advogado criminalista ao médico oncologista: "Você vai porque precisa". Assim, ela acaba conhecendo as fragilidades e até certos segredos dos clientes. Com mais de 30 anos de experiência, o Joyce Roysen Advogados já testemunhou alterações legislativas que acompanham as mudanças globais.

O tempo também trouxe transformações estruturais nos negócios da advocacia. Atualmente, as salas de reuniões refletem uma maior presença feminina, com dados do ANÁLISE ADVOCACIA indicando que 57% do quadro de associados dos escritórios são mulheres. Além disso, os grupos de trabalho voltados para a diversidade têm mostrado o maior crescimento nos últimos seis anos.

"Eu venho de uma geração que a mulher tinha que se vestir como homem para se afirmar", conta Joyce. "Nós, mulheres, brincávamos que era necessário usar terno e gravata para ir ao fórum. Eu tive coragem para deixar o terno e a gravata de lado, porque a mulher não precisa se vestir como homem para mostrar que é tão competente quanto."

EXPANSÃO NACIONAL E VIVÊNCIA NO EXTERIOR

Os desafios de gestão afetam todos os escritórios, independentemente do tamanho. Mas como se organizar em uma estrutura com quase mil profissionais? O SiqueiraCastro foi a segunda banca do ranking da Análise por número de advogados, com 995. O escritório também acumulou 750 mil causas, mais de 14 vezes a média de 53 mil causas de escritórios de atuação full service.

Fundado em 1948, o SiqueiraCastro tem hoje 18 escritórios próprios pelo Brasil. A estratégia por trás dessa expansão é a filosofia de nacionalização, conforme explica o CEO do escritório Carlos Fernando Siqueira Castro.

Voltado para o desenvolvimento do negócio jurídico, o SiqueiraCastro adota um tripé de critérios: técnico, comercial e de gestão. "É muito claro que o advogado precisa estar preparado para ser jurista no sentido de conhecer a lei, e hoje também deve saber calcular juros", diz Castro. "O marketing é igualmente fundamental, e o sócio desempenha essa função, enquanto se espera que o associado desenvolva a habilidade de atrair clientes para o escritório."

As habilidades de gestão do CEO do SiqueiraCastro foram aprimoradas no exterior. "Após o MBA na Universidade de Chicago, trabalhei e estudei contabilidade, gestão e elaboração de business plans em várias áreas para entender como funcionam fluxogramas, divisão de tarefas e cobrança, por exemplo", diz. "Essas experiências ampliaram meus horizontes. Além disso, passei um ano trabalhando no Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, um dos cinco maiores escritórios do mundo, o que foi uma oportunidade que ultrapassou o âmbito jurídico."

A maioria dos advogados mapeados pela publicação da Análise optou pelos EUA para sua formação complementar: 53% das especializações foram realizadas lá, assim como metade dos mestrados e 71% dos LLMs. Além dos EUA, os países mais procurados para especialização foram Portugal (15%) e Espanha (6%). Para mestrado, os destinos preferidos foram França (13%) e Reino Unido (13%).

HABILIDADES INTERPESSOAIS E DE COMUNICAÇÃO

Um advogado empresário é aquele que está constantemente em busca de novas oportunidades de mercado. Nelson Wilians é um exemplo disso e se especializou em direito tributário, mesmo antes de ter um nome conhecido na advocacia. "Ao sair da faculdade, percebi que levaria anos para ser conhecido e construir reputação", diz. "Por isso, utilizei todas as ferramentas disponíveis, dentro dos limites estabelecidos pela OAB, para dar visibilidade e promover meus serviços de forma eficaz."

Como medir os fatores que influenciam na contratação de um escritório? O levantamento da Análise mostra que, para 67% dos executivos, o relacionamento pessoal com os sócios do escritório é crucial. Por isso, Nelson Wilians valoriza a comunicação entre seus profissionais.

"Em um mercado altamente competitivo, onde os escritórios frequentemente possuem qualificações técnicas semelhantes, são as habilidades interpessoais que realmente fazem a diferença", diz. "Isso significa que, além de serem proficientes em suas áreas de atuação, os advogados precisam ser excelentes comunicadores e possuir uma habilidade excepcional para construir e manter relacionamentos reais com os clientes".

O NW tem na sua imagem a personificação do escritório, o que exige liderança e gestão eficazes," afirma Nelson Wilians. "Em um escritório de âmbito nacional, é inevitável que, ocasionalmente, surjam conflitos. No entanto, o essencial é abordar esses conflitos prontamente para evitar que se agravem", afirma. Esse fator é ainda mais crítico considerando que 46% dos executivos concordam que há falhas na administração dos escritórios pesquisados pela Análise.

A percepção de valor é um fator crucial para o advogado se manter atualizado. O levantamento indica que 95% dos executivos romperiam contratos devido à queda na qualidade dos serviços prestados. Para evitar essa situação, o NW foca tanto na conquista de novos clientes quanto na retenção dos já existentes. "Nossa estratégia para expandir a prática jurídica não se limita a atrair novos clientes, mas também a manter os clientes atuais", diz. "Isso inclui o desenvolvimento de serviços personalizados que atendam às necessidades específicas de cada cliente."

Da esq. para dir: David Rechulski, Joyce Roysen, Carlos Siqueira Castro e Nelson Wilians (Imagem: Divulgação)
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