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IA generativa: Brasil deixa EUA para trás no uso da tecnologia

Pesquisa revela que 58% dos brasileiros já adotaram as novas ferramentas no dia a dia, mas no setor jurídico, o avanço da tecnologia é marcado pela cautela com ética, confidencialidade e regulação

22 de August 16h46

O Valor Econômico, revelou uma pesquisa feita pela consultoria Bain & Company, que aponta que o Brasil ultrapassou os Estados Unidos no uso de ferramentas de inteligência artificial generativa. De acordo com a pesquisa 58% dos brasileiros já utilizam a tecnologia, superando significativamente os 35% registrados nos EUA. O levantamento mostra que, entre os brasileiros que usam a IA, 57% o fazem diariamente.

Pessoas de 26 a 35 anos impulsionam o avanço (66% dos usuários), concentrando-se principalmente na região Sudeste (44%), enquanto mulheres lideram o uso (63%). A principal finalidade citada é para fins pessoais (82%), como entretenimento e pesquisas, seguida por estudos (64%) e trabalho (58%).

A IA generativa no Direito

A incorporação da tecnologia vem acontecendo em diferentes setores e há algum tempo já reflete também no Direito, embora com particularidades ligadas a ética, confidencialidade e regulação.

De acordo com Renato Opice Blum, sócio do Opice Blum Advogados, a advocacia acompanha de perto essa tendência. "Talvez até um pouco mais, porque é uma das áreas que mais está testando. O CNJ começou a regulamentar o uso de IA em 2020 e, no final de 2024, a OAB também publicou uma recomendação sobre o tema", afirma. Para Renato, os advogados estão bem curiosos e já utilizam os modelos mais populares no país, como ChatGPT, que 32% dos brasileiros usam diariamente, além do Gemini, ferramenta do Google, que 20% dos entrevistados utilizam diariamente. O especialista também citou ferramentas mais desconhecidas como o Perplexity e o Claude como expoentes no mundo jurídico. Vale citar que o novo relatório Future of Professionals 2025, da Thomson Reuters aponta que organizações com um plano de IA bem definido têm o dobro de chances de impulsionar seu crescimento de receita e 3,5 vezes mais chances de obter benefícios críticos da tecnologia.

A sócia do Peck Advogados, Patricia Peck, observa, no entanto, que o uso no meio jurídico segue em ritmo mais cauteloso. "Na advocacia e no Judiciário há uma preocupação maior com sigilo e confidencialidade, diferentemente da população em geral, que experimenta ferramentas gratuitas sem essa preocupação. Por isso, estruturamos o uso da IA criando primeiro um comitê de ética, depois uma política de uso e, só então, passamos a homologar soluções", explica.

Escritórios e Judiciário

Nos escritórios de advocacia, a adoção ainda se concentra em tarefas automatizadas ou em projetos de incorporação gradual. "Muitas vezes há confusão entre automação e IA. Ferramentas de workflow já estão consolidadas, mas a IA generativa pura ainda tem pouca adoção. É fundamental implementar governança em projetos de IA, seja em escritórios ou em qualquer organização", diz Opice Blum.

Peck reforça essa visão ao citar o uso de recursos embarcados, como o Copilot do Microsoft Teams, e o desenvolvimento de agentes de IA customizados para tarefas específicas. "No Peck Advogados, temos utilizado a tecnologia em tradução de textos e na transcrição de atas de reuniões, sempre com aviso prévio e revisão humana. Conheço colegas que têm utilizado a IA de forma mais intensa. Principalmente em contencioso de massa, onde já existia o uso de bots e agora se incorporou a IA generativa. Também tenho visto experiências relevantes em departamentos jurídicos de empresas, com soluções como o NotebookLM, do Google, entre outras", acrescenta.

No Judiciário, o uso de IA não é novidade. Desde 2020, diferentes tribunais implementam robôs para classificar processos, sugerir despachos e buscar jurisprudência. "Hoje essas ferramentas já fazem parte do dia a dia do Judiciário, conforme regulamentação do CNJ", lembra Opice Blum. Peck, porém, destaca a importância de cautela: "A IA pode apoiar etapas repetitivas e procedimentais, mas o magistrado não pode se afastar da realidade factual do caso, do contato com as partes, com as provas e com as informações. Por mais que a IA apoie e adiante etapas do trabalho, a vivência direta do processo gera uma experiência indispensável. Por isso, encaro com cautela, para que não chegue a uma espécie de "pasteurização", em que a avaliação criteriosa do magistrado seja comprometida".

Ética e responsabilidade

Os dois especialistas convergem sobre os dilemas éticos. Para Opice Blum, o principal ponto é o uso responsável, com checagem constante dos resultados. "A IA deve complementar o trabalho humano, nunca o substituir. Ou seja, não se deve usar a IA como atividade-fim, nem para julgamentos no âmbito do Judiciário". Renato também aponta que essa diretriz já aparece regulamentada na resolução da OAB de 2024 e em normativas do CNJ.

O sócio do Opice Blum Advogados, e que também leciona regularmente na ESPM e na FAAP, em disciplinas de inteligência artificial, traz um relato que reforça a importância da participação e checagem humana no processo: "Converso com ferramentas de IA por voz e utilizo recursos de escuta ativa, com respostas em tempo real. Em minhas aulas, estimo que o grau de erro dessas ferramentas, no campo da jurisprudência e da legislação, fique em torno de 30% a 35%".

Desafios e caminho a trilhar

Peck destaca o conceito de ethics by design como fundamental e que deve estar embarcado própria solução de inteligência artificial. "Deve existir uma identificação obrigatória de que estamos lidando com uma inteligência artificial", para Patricia, esse é um dilema ético inicial.

A especialista ainda aponta que um dos problemas da IA generativa é o risco de alucinações: "A IA generativa, até o momento, foi desenvolvida para sempre tentar agradar o usuário, sempre buscar uma resposta para qualquer pergunta. Mas precisamos de uma IA que também saiba dizer: "não encontrei", "isso não é possível" ou "isso não existe". O risco atual de inventar, de "alucinar", de mentir para agradar é muito elevado... Esse risco, em uma profissão baseada em reputação e sigilo, é crítico", avalia.

Peck afirma que "apesar do boom da IA generativa, ela ainda precisa ser bastante aperfeiçoada para ter condições de atender adequadamente profissões mais regulamentadas, como a advocacia", conclui.

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