A adoção de uma estratégia clara e bem definida de Inteligência Artificial pode ser o fator determinante para o crescimento dos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos nos próximos anos. É o que aponta o novo relatório Future of Professionals 2025, da Thomson Reuters. Segundo o estudo, que ouviu 2.275 profissionais globalmente entre fevereiro e março de 2025, organizações com um plano de IA bem definido têm o dobro de chances de impulsionar seu crescimento de receita e 3,5 vezes mais chances de obter benefícios críticos da tecnologia.
Apesar da vantagem competitiva evidente, o relatório revela um cenário de adoção ainda tímido: apenas 22% das organizações jurídicas, tributárias e contábeis possuem uma estratégia de IA consolidada. Este dado acende um alerta para o mercado, sugerindo que a tecnologia não é mais um diferencial, mas uma necessidade para a sobrevivência e expansão dos negócios.
O estudo também quantifica os ganhos de eficiência: a estimativa é de uma economia de cinco horas semanais por profissional em 2025, um aumento em relação às quatro horas economizadas em 2024. Esse tempo representa um valor médio anual de US$ 19 mil por pessoa. Apenas no setor jurídico dos Estados Unidos, o impacto combinado dessa economia pode chegar a US$ 20 bilhões.
A vanguarda da IA no Brasil
Enquanto a maioria do mercado ainda debate como começar, alguns dos principais escritórios do país já colhem os frutos de uma estratégia de IA bem estruturada. A decisão, segundo os líderes, foi um passo natural e estratégico.
"Estruturar uma estratégia de uso de inteligência artificial no Demarest veio como um desdobramento natural do nosso compromisso histórico com a inovação", afirma José Setti Diaz, managing partner do escritório. Diaz explica que o movimento foi motivado por uma combinação de fatores, como "a necessidade de aumentar a eficiência operacional, a busca contínua por qualidade técnica e a antecipação de demandas dos clientes".
No TozziniFreire Advogados, a jornada começou em 2018 com o programa ThinkFuture. "A decisão foi motivada pela visão de que inovação e tecnologia são essenciais para o crescimento e fortalecimento institucional", explica Patrícia Helena Marta Martins, sócia da área de tecnologia e inovação. A ausência de soluções de mercado que atendessem aos padrões de segurança do escritório impulsionou o desenvolvimento de plataformas próprias.
Para Ivan Alberto Hasse, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, o ponto de virada foi a evolução da IA Generativa no final de 2022. "Percebemos que as capacidades dessas novas tecnologias abriram um leque de possibilidades sem precedentes", diz ele. O escritório optou por desenvolver uma ferramenta própria, a GaIA-Tech, para garantir segurança e customização.
Ganhos concretos e mudança no modelo de negócio
Os benefícios da IA já são tangíveis. No Demarest, a adoção do Copilot, da Microsoft, otimizou desde pesquisas até a revisão de contratos. "Na leitura de contratos em uma transação de M&A, o tempo é significativamente reduzido", exemplifica José Setti Diaz.
No TozziniFreire, a automação de resumos de casos gera uma economia diária de até uma hora e 16 minutos por advogado. Patrícia Martins, sócia do escritório, ressalta que a IA já impulsionou novos negócios de forma mensurável. "O uso de IA também possibilitou a oferta de soluções inovadoras aos clientes, como análises preditivas e relatórios personalizados, o que fortaleceu a relação comercial", afirma.
No Gaia Silva Gaede, a ferramenta GaIA-Tech acelerou a pesquisa jurídica e a elaboração de documentos. "Observamos uma melhoria substancial na qualidade do desenvolvimento dos nossos trabalhos", relata Hasse, que complementa: "Houve uma redução do tempo dedicado às tarefas repetitivas, liberando nossos advogados para se concentrarem em atividades que exigem julgamento crítico".
Desafios: cultura, segurança e o fator humano
Se os benefícios são claros, por que a adoção ainda é baixa? Para os entrevistados, a resposta passa por uma combinação de fatores culturais, regulatórios e de segurança.
"No setor jurídico, há uma grande e legítima preocupação com a segurança da informação, a responsabilidade ética e a confiabilidade dos resultados", pontua José Setti Diaz. Ivan Hasse, sócio do Gaia Silva Gaede, concorda, e adiciona a "falta de conhecimento aprofundado sobre a real capacidade e aplicabilidade da Inteligência Artificial".
A resistência cultural também é um obstáculo. Patrícia Martins, do TozziniFreire, destaca que, para superar essa barreira, o escritório investiu em "treinamentos práticos, comunicação clara sobre os benefícios da IA e desenvolvimento de materiais de apoio". A principal preocupação, no entanto, é unânime: a segurança dos dados. Todos os escritórios optaram por soluções que operam em ambientes fechados e controlados.
Outro ponto de convergência é a visão sobre o futuro do profissional.
A IA não veio para substituir o advogado, mas para potencializá-lo. A mensagem é clara: a era da advocacia aumentada pela Inteligência Artificial já começou, e quem não se adaptar corre o risco de ficar para trás.