A edição de 2025 do CLaw Experience, realizada nos dias 9 e 10 de junho, em São Paulo, consolidou um entendimento comum entre os participantes: a inteligência artificial já deixou de ser uma promessa futura e passou a ser uma realidade concreta na transformação do Direito. Com foco em soluções práticas e nos desafios éticos dessa nova era, o evento evidenciou como os departamentos jurídicos vêm se tornando mais estratégicos e digitalizados.
O CLaw Experience 2025 evidenciou um novo momento para o setor jurídico: a inteligência artificial não apenas automatiza tarefas repetitivas, mas avança para funções estratégicas, como análise preditiva, gestão de dados e apoio à tomada de decisão. O uso da tecnologia, porém, exige profissionais criativos, éticos e preparados para lidar com mudanças rápidas — consenso entre os palestrantes do evento.
A transformação digital nos departamentos jurídicos não é apenas técnica, mas cultural. Escritórios e empresas que conseguirem equilibrar inovação, governança e qualificação de suas equipes estarão não só adaptados, mas prontos para liderar o novo cenário do Direito.
IA torna jurídico gerador de receita
Um dos destaques da programação foi a palestra "Case Petrobras | Eficiência Jurídica e IA", conduzida por Marcio Nunes e Luigi Avalone, que apresentaram a transformação tecnológica e cultural vivida pela companhia. A criação da Gerência de Eficiência Jurídica reposicionou o departamento jurídico, antes visto apenas como centro de custos, para uma área capaz de gerar valor e retorno financeiro direto.
Durante a apresentação, Luigi Avalone, gerente de Estimativas, Estratégia e Medição de Serviços para o Jurídico da Petrobras, ressaltou o papel da inteligência artificial na mudança de percepção do setor: "Se consigo identificar, por meio de tecnologia e ferramentas, indícios de depósitos recursais e garantias não levantadas em processos judiciais, posso reverter bilhões de reais para o caixa da empresa", afirmou.
Segundo os executivos, a Petrobras vem utilizando soluções de IA para automatizar tarefas repetitivas, identificar processos com potencial de encerramento e mapear depósitos judiciais esquecidos, além de aprimorar o trabalho das assessorias jurídicas externas. Uma dessas inovações é o Chat Petrobras, ferramenta criada para apoiar advogados na elaboração de pareceres e peças jurídicas.
Marcio Nunes, gerente de Operações Legais da Petrobras, destacou ainda que mais de 3 mil pastas já foram encerradas por meio de processos automatizados. Para além da tecnologia, Avalone chamou atenção para a necessidade de capacitação dos profissionais da área em competências como gestão de dados e visão de negócio, fundamentais para um departamento jurídico cada vez mais ágil em 2025 e integralmente digital em 2026.
"Acreditamos muito que a IA é uma realidade. Não conseguimos mais enxergar o mundo sem inteligência artificial. Mas também seguimos confiando no ser humano, no advogado da companhia", completou Nunes. A meta do setor é clara: reduzir a burocracia e ampliar a atuação estratégica.
Metade dos jurídicos já usa IA
A CEO da Análise Editorial, Silvana Quaglio, trouxe uma análise sobre o papel da inteligência artificial no ambiente corporativo durante a palestra "IA nos Jurídicos Corporativos | Como a Utilização de Modelos já está Moldando a Prática nas mais Diferentes Empresas", realizada no CLaw Experience 2025.
Dados da recém-lançada publicação ANÁLISE EXECUTIVOS 2025 revelam que sete em cada dez empresas brasileiras aumentaram seus investimentos em tecnologia nos últimos dois anos, com destaque para os setores financeiro, de compliance e jurídico. A pesquisa obteve resposta de 1.365 empresas de diversos segmentos.
Quaglio ressaltou que, entre as 319 áreas jurídicas participantes, metade já incorporou o uso da inteligência artificial (IA) em suas operações. As aplicações mais comuns incluem análise documental, pesquisa jurídica e automação de tarefas rotineiras — práticas alinhadas ao case da Petrobras. No campo do compliance, a IA também se consolidou, especialmente em processos de due diligence.
Outro dado relevante indica que o uso de modelos generativos de IA, como ChatGPT e Gemini, ainda é minoritário. Entre os 114 departamentos jurídicos, financeiros e de compliance que responderam a essa questão, 70% preferem versões pré-treinadas, consideradas mais estáveis e seguras para processos internos. Esse cenário reforça a crescente importância dos investimentos em tecnologia como diferencial estratégico no ambiente corporativo.
Quaglio também ressaltou a urgência da regulamentação da IA, especialmente em atividades de compliance, nas quais os riscos legais e reputacionais são elevados. Para ilustrar os impactos sociais e emocionais da tecnologia nas relações humanas, recorreu à metáfora do filme "Her", reforçando a necessidade de reflexão ética e crítica diante da rápida evolução da inteligência artificial.
IA generativa e soluções no-code na prática
O painel "Transformação Digital no Jurídico", conduzido por Daniel Anjos e Maisa Fortes, especialistas em soluções da Thomson Reuters, destacou o papel estratégico da tecnologia na reestruturação dos departamentos jurídicos.
A multinacional apresentou a plataforma HiQ, um sistema de gestão jurídica no-code que integra automação de contratos, controle de prazos, elaboração de relatórios estratégicos e dashboards analíticos. A solução permite alto grau de personalização e integração com ferramentas já utilizadas pelas empresas.
"A tecnologia no-code permite que o jurídico solucione novas demandas, como as de compliance, sem depender do suporte da área de TI ou de consultorias especializadas", explicou Maisa Fortes.
O principal anúncio do painel foi o lançamento da plataforma de IA generativa CoCounsel no Brasil, tecnologia adquirida por US$ 4 bilhões e já utilizada por mais de 18 mil clientes em todo o mundo. Baseada em LLMs (Large Language Models), a ferramenta realiza revisões contratuais, gera resumos, constrói linhas do tempo e compara documentos em diversos idiomas, com alto nível de precisão. A promessa da Thomson Reuters é impulsionar a produtividade, o compliance e a inteligência operacional das áreas jurídicas.
"Diferente de plataformas abertas, como o ChatGPT, nossa solução utiliza bases de dados proprietárias, como Revista dos Tribunais e Westlaw, o que reduz o risco de erros ou ‘alucinações’", afirmou Daniel Anjos.
Além das novidades tecnológicas, os especialistas apresentaram dados de uma pesquisa global da Thomson Reuters com 4 mil CEOs, segundo a qual a falta de integração e a desorganização interna são os principais obstáculos à transformação digital nas empresas. "A ausência de processos estruturados gera ineficiências operacionais. Para 44% dos CEOs entrevistados, esse é o maior entrave à digitalização", completou Anjos.