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Advogado criado por IA reacende debate sobre ética

Renato Opice Blum e Alexandre Zavaglia comentam até onde a Inteligência Artifical pode substituir a atuação do profissional do direito

15 de April 14h45

A Inteligência Artificial tem avançado a passos largos, tanto fora quanto dentro da advocacia convencional. Contudo, esse avanço no uso da IA no âmbito jurídico tem gerado situações inusitadas, reacendendo o debate sobre os limites do uso dessa ferramenta nos processos judiciais.

Esse debate novamente ganhou força após uma audiência na Divisão de Apelações do Estado de Nova York, realizada no dia 26 de março. Nela, Jerome Dewalt movia um processo trabalhista e iria apresentar seu caso ao tribunal. Contudo, no momento destinado à sua argumentação, ele exibiu um vídeo de um "advogado" gerado por Inteligência Artificial para falar em seu lugar.

A juíza Sallie Manzanet-Daniels percebeu que o vídeo era uma criação gerada por IA poucos segundos após o início da reprodução e interrompeu a exibição. Após um sermão, Dewalt teve cinco minutos para apresentar seus argumentos pessoalmente ao tribunal.

Mais tarde, Dewalt enviou uma carta ao tribunal pedindo desculpas e explicando que não teve a intenção de causar problemas. Ele argumentou que, por não contar com um advogado para representá-lo, optou por usar um avatar de IA, acreditando que o vídeo poderia expressar seus argumentos de forma mais clara do que ele próprio.

Até onde a IA pode ir dentro da advocacia?

Segundo Renato Opice Blum, sócio-fundador e chairman do Opice Blum Advogados, eleito Mais Admirado desde 2011 no anuário ANÁLISE ADVOCACIA, há uma tendência global no uso de ferramentas de Inteligência Artificial. Em 2024, a OAB publicou uma recomendação determinando que essas ferramentas não podem substituir atividades que são, por natureza, exclusivamente jurídicas.

"É possível usar esses recursos para incrementar a argumentação ou auxiliar no convencimento. Por exemplo: é permitido usar um vídeo em algum material jurídico? Sim, pode. Agora, o que não pode é substituir o conteúdo. Não pode deixar de redigir uma petição e simplesmente anexar um vídeo. Existe, inclusive, uma restrição no próprio Código de Processo Civil, que delega aos tribunais a regulamentação sobre o uso desses recursos", afirma Renato.

Quais são os limites éticos com o uso de IA?

Para Renato, o uso de ferramentas de IA sem autorização ou regulamentação pode configurar quebra da ética profissional na advocacia. Segundo ele, um advogado só descumprirá as regras processuais se essas não estiverem claramente definidas.

"Seria antiético, por exemplo, usar uma ferramenta como essa para apresentar um conteúdo previamente preparado, com argumentação técnica? Eu não vejo como uma conduta antiética; vejo como uma inovação. Desde que a mensagem e a argumentação estejam dentro dos limites éticos e respeitem a legislação, o uso de ilustrações ou recursos tecnológicos não compromete a ética jurídica", afirma Renato.

Esse limite ético-profissional no uso de tecnologia nos serviços jurídicos se conecta ao princípio do ato privativo, conceito cunhado por Alexandre Zavaglia, atual presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP e membro do Grupo de Trabalho do CNJ para a regulamentação do uso de IA no Judiciário.

De acordo com Zavaglia, quando se compreende quais são os atos privativos do magistrado — como a valoração das provas, a fundamentação e a própria sentença —, fica claro que é possível usar tecnologia, inclusive IA, em diversas atividades operacionais e acessórias, além de apoio à tomada de decisão.

As IAs tomarão o lugar dos advogados?

Esse tipo de caso pode alimentar a ideia de que a profissão de advogado estaria ameaçada. Contudo, Alexandre Zavaglia acredita que isso não ocorrerá. "Não acredito que isso seja possível. Certos atos são privativos de quem possui investidura na carreira jurídica. Pode-se utilizar IA generativa para elaborar minutas, que depois serão ajustadas e validadas pelo advogado; ampliar análises por meio da jurimetria; e sugerir caminhos mais assertivos para acordos ou previsões de condenações. Mas determinados atos só podem ser praticados por advogados, e isso exige, obrigatoriamente, inscrição na OAB", explica.

Renato Opice Blum complementa que a substituição de atividades só será viável, caso a regulamentação permita, em situações específicas: casos repetitivos, já definidos e idênticos. Ele lembra que o próprio Código de Processo Civil já prevê o tratamento de recursos repetitivos, que são processos decididos com base em precedentes fixados.

Qual é o espaço do advogado com a ascensão da IA?

As novas tecnologias têm promovido verdadeiras revoluções nos processos jurídicos. Renato afirma que a especialização contínua é essencial para que o profissional acompanhe as demandas do mercado.

"Estamos entrando em uma era em que inegavelmente teremos cada vez menos tempo para nos adaptarmos. Será necessário se atualizar constantemente. Não basta obter um diploma e achar que isso será suficiente para toda a vida. Aqueles que não acompanharem essa evolução correm o risco de se estagnar, e essa estagnação terá um preço alto, porque, muitas vezes, não será possível voltar", pondera o sócio-fundador do Opice Blum Advogados.

Zavaglia, por sua vez, diz que provavelmente estamos diante da maior transformação do século, que irá impactar todas as áreas — inclusive o Direito —, com diversas atividades sendo automatizadas, embora isso não altere a essência das profissões jurídicas.

Zavaglia também destaca que é fundamental entender como a tecnologia pode otimizar a produtividade, apoiar decisões mais informadas, contribuir para a profissionalização da gestão e melhorar a experiência do cliente, fatores que impactam diretamente a competitividade e a eficiência das bancas jurídicas.

"O ponto principal é entender que a tecnologia é um meio, não o serviço em si. O conteúdo é o Direito, e o uso da tecnologia precisa estar alinhado à técnica jurídica e aos limites ético profissionais", conclui o presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP.

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