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Streaming e as propostas para a tributação de serviços digitais

Por Daniella Galvão, sócia, e Thaís Chanes de Moraes, advogada; ambas do escritório CQS/FV Advogados

6 de July de 2021 8h

Nos últimos dois anos, o Congresso Nacional apresentou cinco projetos de lei para a tributação de serviços digitais realizados por empresas de tecnologia e plataformas digitais. As propostas são variadas, desde o aumento da alíquota de COFINS (PLP 131/2020) até a criação de uma nova CIDE (PL 2358/2020 e PL 640/2021) ou uma nova contribuição social (PLP 218/2020 e PLP 241/2020). A justificativa para tais projetos é comum: prevenir a evasão fiscal, conforme recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O impacto dessas propostas no setor do streaming é evidente. Embora elas possuam escopos diversos, fato é que buscam tributar operações tais como "fornecimento de qualquer espécie de dado por meio digital", o que pode incluir as diversas atividades de streaming - vídeo sob demanda a partir de assinatura (SVOD), vídeo sob demanda com inserção publicitária (AVOD) e vídeo sob demanda com pagamento unitário (TVDO).

Aí vem a pergunta de um milhão de dólares: uma vez que o streaming já é tributado no Brasil como serviço desde 2016, ele deveria ser incluído no âmbito desses projetos? Se a justificativa for realmente prevenir a evasão fiscal, a resposta é não.

Por que a OCDE discute a tributação dos serviços digitais?

A origem do debate está no Velho Continente: os países da União Europeia (EU) identificaram que as grandes empresas de tecnologia norte-americanas (por exemplo, Facebook, Youtube e Google) geram riqueza em seu mercado interno (leia-se, coletam e comercializam dados de usuários europeus) sem que dessa riqueza decorra a arrecadação de tributos pelas jurisdições europeias.

O incômodo fez com que a OCDE passasse a discutir uma forma de redistribuir a carga fiscal de maneira "mais justa" entre os países, o que gerou clara controvérsia entre os países-membros da organização (EUA x UE).

O ideal seria uma alternativa resultante de um esforço conjunto. Porém, como era de se esperar, a solução internacional não foi alcançada, de modo que a União Europeia autorizou que seus países-membros adotassem medidas unilaterais para combater a erosão de sua base tributária.

É nesse contexto, portanto, que surgiu a proposta de criação de um tributo próprio para incidir sobre as operações praticadas pelas grandes empresas de tecnologia, que atuam de forma local sem ter qualquer estabelecimento fixo (ou permanente) no país do mercado consumidor. Trata-se do chamado "digital service tax" (DST) ou "digital equalization tax".

Em todos os projetos em tramitação no Brasil para a tributação dos serviços digitais, verifica-se esse fundamento comum, a saber: prever um tributo novo ou majorado que evite a evasão fiscal supostamente praticada pelas empresas de tecnologia, que gerariam riqueza em nosso mercado consumidor sem arrecadar tributos locais.

Inexistência de evasão fiscal na atividade de streaming no Brasil

Ocorre que a importação acrítica das orientações da OCDE ensejaria uma tributação excessiva no Brasil sobre a atividade streaming. Isso porque o sistema tributário brasileiro já contempla a tributação do streaming como serviço, de modo que não há necessidade de criação de um DST para essa atividade específica. É verdade que outras atividades escapam da tributação brasileira, mas esse não é o caso do streaming.

Aqui, o streaming já é qualificado como serviço para fins fiscais desde 2016 (cf. o item 1.09 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003), o que enseja a tributação pelo ISS. Além disso, o sistema brasileiro exige a cobrança de tributos sobre prestações de serviços, tanto com base no lucro (IRPJ e CSL) quanto com base na receita bruta (PIS e COFINS).

Logo, é incorreto afirmar que as operações de streaming - em suas diversas modalidades (SVOD, AVOD e afins) - escapam da tributação brasileira. A evasão fiscal pode ser verdadeira em relação a outras atividades, como as operações remuneradas de coleta de dados dos usuários praticadas por plataformas digitais (por exemplo, coleta de dados de usuário do Instagram para publicidade remunerada), mas certamente o mesmo raciocínio não se aplica ao streaming.

Como visto, o streaming já é qualificado no Brasil como um serviço e, assim, submetido a uma tributação relevante. Por exemplo, para uma empresa paulistana a carga tributária é cerca de 17,43% sobre a receita bruta no regime do lucro presumido (IRPJ, CSL, PIS, COFINS e ISS). Já no lucro real, a mesma empresa estaria sujeita à tributação de 34% sobre o lucro líquido (IRPJ e CSL) e 12,15% sobre a receita bruta (PIS, COFINS e ISS).

Portanto, a aplicação das propostas ao setor de streaming carece de fundamento. Afinal, se a evasão fiscal não se verifica nessa atividade específica, a imposição de novos tributos ao setor possui, na verdade, caráter puramente arrecadatório. O que - diga-se de passagem - não era e não é o objetivo proposto pela OCDE.

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