No dia 13 de outubro de 2020, em encontro de lideranças femininas do país, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, declarou que "a mulher virou uma retórica". A crítica reside no fato de que, apesar de muito se debater sobre a mulher, pouco é realmente feito para equalizar o débito social, econômico e estatal existente no país.
Difícil refutar a análise da Ministra Cármen Lúcia. Há 121 anos, Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Apenas um século depois, houve a indicação da primeira mulher à instância máxima do Judiciário brasileiro, com a nomeação da Ministra Ellen Gracie ao Supremo Tribunal Federal, no final do ano 2000. As mulheres ainda são franca minoria no topo das carreiras jurídicas.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstram que apenas 35,9% dos magistrados do país são mulheres. Nos Tribunais Superiores, essa participação se reduz a 18,4%. Nos escritórios de advocacia, apesar da inexistência de um censo oficial, levantamentos feitos pela Women in Law Mentoring Brazil revelam que essa proporção se mantém nos cargos mais elevados. O que se vê é que, mesmo havendo maior participação feminina na base (as mulheres representam, hoje, mais da metade dos jovens advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)), os cargos mais elevados na hierarquia ainda são ocupados primordialmente por homens.
É evidente a necessidade de medidas concretas e imediatas. Além das iniciativas já adotadas pelo CNJ e pela OAB, a criação de comitês internos nos escritórios de advocacia, com dedicação exclusiva ao tema, tem se demonstrado um importante passo nos ambientes corporativos que ainda não se voltavam a essa questão. Os comitês funcionam como importantes órgãos de criação de consciência sobre a questão, atuando como um canal de ouvidoria e de apoio para as mulheres, com a proposição de medidas que assegurem o seu desenvolvimento profissional e garantam igualdade de oportunidades. Ademais, os comitês são relevantes instrumentos de envolvimento com outras entidades engajadas no assunto, propiciando amplo debate sobre a equidade de gênero no ambiente de trabalho e, consequentemente, a conscientização de todos sobre a urgência do tema. A experiência revela que a criação dessa consciência em torno da temática é capaz de gerar resultados positivos.
Em nosso escritório, por exemplo, após a criação do Comitê SBA Mulher, em 2018, mesmo sem a implantação de ações afirmativas, como cotas de contratação, foram efetivadas como advogadas duas vezes mais mulheres do que homens. Entre 2017 e 2020, houve um aumento de 130% na participação feminina entre os sócios do escritório.
Apesar das iniciativas mencionadas, ainda há muito a ser feito, não só com relação aos direitos das mulheres, mas também de outras minorias que têm ainda menos participação no mercado jurídico. No entanto, é importante que a consciência do caminho a ser percorrido em direção a um mercado de trabalho equânime e justo sirva como um estímulo para que medidas concretas sejam adotadas e, assim, haja uma mudança real no ambiente jurídico, que vá além da retórica.
Leia mais sobre as mulheres como maioria entre os profissionais do mercado jurídico e confira o aumento de advogadas entre os eleitos do Análise Advocacia.