O sistema penal brasileiro está preparado para criminosos como Lázaro Barbosa? | Análise
Análise

O sistema penal brasileiro está preparado para criminosos como Lázaro Barbosa?

Por Carolina Coelho Carvalho de Oliveira, sócia do Campos e Antonioli Advogados Associados

13 de July de 2021 7h59

O caso Lázaro Barbosa não é um fato isolado. Expõe à sociedade a fragilidade do sistema penal brasileiro e escancara a necessidade de seu aperfeiçoamento, pois a legislação processual penal e a lei de execução penal não tratam os criminosos contumazes e foragidos com a importância que devem ser tratados quando capturados.

Lázaro Barbosa ficou conhecido pela sociedade por suas fugas e escapes da polícia, trazidos pela mídia, de modo a apresentar à sociedade a falta de preparação do sistema. Obviamente que não se está aqui apontando o dedo para a autoridade policial e órgãos competentes pela captura do criminoso, pois fizeram o que estava ao seu alcance em busca da solução do caso.

Todo criminoso, enquanto não capturado, é considerado como procurado e, após a captura, se vivo, responderá ao processo criminal onde terá o contraditório e a ampla defesa. Findo os prazos para recurso se inicia a execução, onde terá os prazos para a progressão de regime de cumprimento da sua pena. Durante o processo de execução, aos detentos são permitidas as saídas temporárias.

Voltando ao caso Lázaro, podemos constatar que, no passado não muito distante, após o devido processo legal, ele foi condenado por duplo homicídio e, com o tempo, fez jus à progressão de regime, ou seja, recebeu, do Estado, o direito de cumprir sua pena no regime semiaberto - aquele em que o condenado sai do presidio para trabalhar e fazer cursos, mas deve retornar de noite para pernoitar. Escapou em 2016 e 2018 e ficou foragido, desde então, o que possibilitou o cometimento de novos crimes contra a sociedade.

Lázaro era um criminoso em fuga que foi beneficiado pela progressão de regime e por saída temporária. Aproveitou sua condição de mateiro para se esconder e seguir praticando mais crimes, sem qualquer indício de ressocialização do que praticou no passado. Se tivesse sido capturado com vida, continuaria a ter todos os direitos legais previstos com uma execução de pena amparada pelos prazos de progressão de regime.

Portanto, a fuga empreendida por Lázaro e toda a empreitada para sua captura, não mudariam o cenário processual e executório. A única diferença seria que se capturado antes, teria cometido menos crimes.

Eis o "xis" da questão: a fuga não é considerada para efeitos penais no sistema penal brasileiro capaz de mostrar ao fugitivo que não vale a pena fugir. Redundância necessária para mostrar que o criminoso que não tem mais nada a perder, emprega fuga por quanto tempo for e puder evitar a prisão.

No ordenamento jurídico penal, pune-se quem promover ou facilitar a fuga; ou o preso que evadir-se ou tentar evadir-se usando de violência contra a pessoa (conforme artigos 351 e 352, CP). Portanto, quem foge, age por instinto. Esta afirmação vem amparada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que a traduz como um instinto do homem, assim como a Constituição Federal Brasileira que, de certa forma, garante ao cidadão "a inviolabilidade do direito à vida e à liberdade". O Supremo Tribunal Federal, inclusive já afirmou, em julgados, que a fuga não era motivo para não relaxar uma prisão preventiva com excesso de prazo, sob o fundamento de ser um direito natural. Se é um direito, estaria errado fugir?

Neste panorama ainda existem doutrinadores que interpretam a fuga como um ato de sobrevivência diante das condições indecentes das prisões brasileiras. Estaria errado analisar sob este ângulo? Fugir de uma condição sub-humana não seria instinto?

A realidade do sistema penitenciário brasileiro é indigna. Há um desrespeito e uma incapacidade de aplicação das técnicas de ressocialização e educação, afastando o objetivo principal do encarceramento: refletir sobre seus atos. Mas, o sistema não pode deixar impune o criminoso experiente, frio e calculista que usa do direito natural de fugir para postergar seu fim e continuar a delinquir. É imprescindível a análise coerente e balanceada entre o direito à liberdade, o instinto do homem e o cumprimento de pena no Brasil.

Assim, podemos dizer que o sistema penal brasileiro não está preparado para criminosos como Lázaro Barbosa, sendo necessário um olhar para a fuga e um aperfeiçoamento cauteloso da progressão de regimes que envolvam criminosos foragidos, capturados, e as possibilidades de saídas temporárias.

Em 22 de junho de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência de um Projeto de Lei (PL 2213/21) que torna obrigatório o exame criminológico para autorizar saídas temporárias de presos e progressão de pena para o regime aberto. Os presos que não retornarem à unidade prisional passam a ser considerados foragidos e perdem o benefício do regime semiaberto, ou seja, quando capturados, regridem para o regime fechado. Foi o caso de Lázaro.

No sistema prisional, a porcentagem de pessoas que voltam a cometer crimes é quase o dobro, chegando a 42,5%, segundo o CNJ. O ministro Cezar Peluzo declarou que sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime. Foi o caso de Lázaro. Desta forma, a condição de fuga e do cometimento de crimes enquanto fugitivo devem ser valoradas para um agravamento da conduta do réu de modo a demonstrar ao cidadão a responsabilidade do Estado de retaliação dos crimes e isolamento do criminoso, deixando de ser um risco para a sociedade.

Por todo o aqui exposto, remanesce a famosa pergunta do desfecho fatal de Lázaro: sua morte era algo inevitável? A pena de morte é inconstitucional no Brasil. Portanto, o desfecho de Lázaro não foi o objetivo da autoridade que estava em sua busca. O embate com a polícia e a troca de tiros, sim, era inevitável.

Estas questões de relevância nacional que acabaram vindo à tona, infelizmente, pelo caso Lpazaro, retratam efetivamente a necessidade de um aprimoramento como um todo no sistema penal brasileiro. Desde a consideração da fuga na conduta do criminoso fugitivo, até a efetiva e coerente progressão de regime de pena àquele que puder e souber fazer jus a este benefício do Estado de modo a garantir a ordem e a segurança da sociedade.

Campos e Antonioli Advogados AssociadosCarolina Coelho Carvalho de Oliveiracaso Lázaro BarbosaConstituição FederalDireito PenalDireitos HumanosLázaro Barbosaprogressão de regimeressocializaçãoSegurança Públicasistema penal brasileirosistema prisional brasileiro