Em 23 de maio de 2001 o Deputado Marcos de Jesus (PL-PE) apresentou, em plenário, a leitura do Projeto de Lei n. º 4.742/2001 que pretendia a introdução do art. 146-A no Código Penal Brasileiro, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho.
Da leitura das justificativas do projeto, infere-se que sua motivação se relacionava não às violências corporais ostensivas, já introduzidas na legislação penal, mas às violências consubstanciadas em comportamentos abusivos nas relações de trabalho, capazes de atingir o psicológico e o emocional da vítima e que, em sua grande maioria, possuem como agente infrator o superior hierárquico daquela relação.
Não são raras as vezes que nos deparamos com notícias e comentários sobre abusos psicológicos, perseguições e atitudes discriminatórias praticadas em ambientes corporativos em face do indigitado empregado, os quais temerosos pela perda do emprego ou com receio de sofrerem algum tipo de sanção, se crucificam e permitem, ainda que inconscientemente, as consequências da agressão suportada.
Cabe destacar que tal situação já foi diagnosticada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que apontou, segundo estudos realizados na União Europeia, que cerca de 9% dos trabalhadores convivem com tratamentos tirânicos de seus patrões.
Se em países desenvolvidos os índices são alarmantes, no Brasil a situação não poderia ser diferente. Em estudo científico elaborado por Margarida Barreto, médica do trabalho e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), constatou-se uma série de distúrbios de saúde relacionados às provações sofridas por homens e mulheres no ambiente de trabalho. Dentre alguns dos sintomas apresentados, destacam-se: crises de choro; sentimento de inutilidade; depressão; ideia de suicídio; e tentativas de suicídio.
E foi justamente com o intuito de minimizar ou prevenir tais danos que o Projeto de Lei n. º 4.742/2001 foi apresentado. Apesar da admirável boa intenção do projeto, a pretensão de tipificar como crime a reiteração de atos vexatórios e agressivos à imagem e a autoestima da pessoa foi arruinada pela morosidade do Poder Legislativo, posto que o projeto se encontra em trâmite até os dias atuais, aguardando aprovação do Senado Federal desde o dia 13 de março de 2019.
Não obstante, recentemente entrou em vigor a Lei n. º 14.132/21 que incluiu o crime de perseguição (147-A) no Código Penal. Em breves linhas, a conduta tipificada pela alteração legislativa caracteriza-se pela reiteração de condutas que, empregadas por qualquer meio, sejam capazes de restringir a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invada ou perturbe a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.
Assim como no remansado Projeto de Lei supracitado, exige-se, pela leitura do art. 147-A, uma reiteração de atos por parte do agente criminoso que sejam capazes de criar desconforto, incômodo e até mesmo medo na vítima.
Percebam, portanto, que o crime de perseguição se amolda perfeitamente à pretensão da tipificação do assédio moral no trabalho, visto que este, para fins trabalhistas, corresponde à prática assediadora de intimidação e perseguição insidiosa no ambiente de trabalho. Trata-se, por conseguinte, de um comportamento repetitivo, persistente e invasivo, com o intuito de importunar a vítima.
Nessa perspectiva, por não haver nenhuma delimitação ou maiores especificidades quanto ao local do delito no crime de perseguição (art. 147-A, do Código Penal), entende-se como perfeitamente possível a aplicação da infração penal em destaque aos colegas de trabalho e/ou superiores hierárquicos que se valham da sua condição para, mediante a utilização de gestos, palavras ou atitudes, abalarem a dignidade, liberdade, integridade física e, principalmente, psicológica da vítima.
Assim, enquanto não ocorra a criminalização do crime de "assédio moral no trabalho", entendemos que o crime de perseguição, em vigor desde o dia 31/03/2021, possa ser considerado como uma forma sofisticada e insidiosa de assédio moral, possibilitando a criminalização de comportamentos assimétricos ou vexatórios praticados no ambiente de trabalho, sobretudo ao notarmos que o tipo penal não exige qualquer forma específica para sua prática ou qualquer delimitação do ambiente/local para configuração do delito.
Importante ressaltar, por fim, a necessidade de a vítima estar sempre acompanhada de um corpo jurídico qualificado, capaz de assessorá-la e orientá-la quanto às peculiaridades do caso concreto. Afinal, caso a vítima dê causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal ou processo judicial contra alguém que saiba ser inocente, poderá incorrer no crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do Código Penal, com pena de dois a oito anos de reclusão.