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O caminho pelas rupturas

Por Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio sênior do SiqueiraCastro Advogados

18 de January de 2021 8h

Ainda temos muito com que nos preocupar com o presente, mas como sabemos, o sucesso de um negócio vem de seu planejamento. Prever o futuro é, necessariamente, refletir sobre os sinais do presente. E o ano de 2020 nos provou que qualquer previsão está sujeita a revisão - certas vezes de forma drástica. Grosso modo, começaremos este ano lidando com os reflexos dos estragos provocados em nível global pela pandemia de COVID-19. Sendo otimista, a expectativa de vacinação em escala a partir do início de 2021 tende a melhorar o humor do mercado e agitar o ambiente de negócios.

Fui convidado pela Análise Editorial a refletir sobre as perspectivas de curto prazo para o mercado jurídico brasileiro. Me proponho a fazer esta análise com a certeza de que nossas fronteiras estão cada vez mais difusas e mudanças de comportamento notadas mundo a fora também nos afetam. Minha reflexão foi segmentada por temas que já impactam a advocacia, mas que tendem a exigir maior dedicação e aprofundamento dos gestores de todas as bancas.

Tecnologia

Em 2019, conseguimos separar com certa facilidade aqueles que acreditavam no poder da revolução tecnológica daqueles que a citavam apenas em discurso promocional. Sofreram menos os players que planejaram e investiram de maneira consistente em infraestrutura de tecnologia da informação para racionalizar o trabalho, diminuir custos operacionais e melhorar a qualidade das entregas.

Segundo dados do Legal Trends Report, da empresa canadense Clio, 50% dos escritórios entrevistados dizem estar mais confortáveis ​​com o uso da tecnologia após a pandemia. O relatório ainda aponta que 58% assume que tecnologia se tornou pauta importante, agora, e 53% dizem que a tecnologia em nuvem é necessidade.

Tais números apontam que a velocidade de adaptação à tecnologia é diretamente proporcional a demanda que ela cria por transformação e agilidade.

O Brasil tem, hoje, quase 80 milhões de processos nos mais de 90 tribunais espalhados pelo país. Cada um com sistemas distintos e que não conversam entre si. Gastamos 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no esforço de tratamento desses processos - países europeus gastam, em média, 0,5% do PIB.

Segundo dados da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2W), este cenário permitiu um crescimento de 380% das chamadas lawtechs nos últimos três anos. Com as ferramentas certas é possível armazenar dados de todos os tribunais, utilizar inteligência de dados para minerá-los e oferecer ao cliente com rapidez a melhor estratégia em uma determinada ação.

Outra novidade que veio para ficar são as audiências e sessões de julgamentos virtuais. Na SiqueiraCastro, por exemplo, realizávamos até março de 2020 cerca de 20 audiências ao mês. Com a pandemia do novo coronavírus, o número cresceu de maneira vertiginosa. Hoje, são mais de três mil ao mês com crescimento médio de 25% ao mês desde então. Um levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que entre maio e agosto o Poder Judiciário brasileiro realizou mais de 360 mil videoconferências por meio da Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais.

Nesse aspecto, não se pode deixar de mencionar que diversas iniciativas no âmbito do Poder Judiciário permitiram, ainda, a transposição dos métodos adequados de resolução de conflitos para plataformas online. O Poder Judiciário passou a utilizar a tecnologia da videoconferência também nas mediações judiciais, o que trouxe inúmeros benefícios à advocacia, na medida em que diminui as barreiras geográficas, permitindo às partes que contratem os melhores advogados, os quais não mais precisam se submeter às complicações de deslocamentos e viagens, permitindo, ainda, maior eficiência e gestão na utilização do tempo.

Não há dúvida, portanto, que a mediação por videoconferência é uma tendência para a advocacia e caberá aos advogados orientar seus clientes, não apenas quanto ao método mais adequado para a solução de seu conflito, mas, também, indicar se esta deverá ser presencial, por videoconferência ou híbrida, a depender do tipo de mediação, das limitações geográficas ou tecnológicas, dos interesses envolvidos e de outras incontáveis variáveis.

No futuro da advocacia não há espaço para ineficiência.

Design legal

Todos aqui já devem ter sido impactados pelo tema Design Legal, ou Visual Law, que nada mais é do que uma forma de descomplicar a linguagem jurídica, proporcionando compreensão mais rápida e objetiva das informações que se quer transmitir. Alguns escritórios e advogados já aplicam o design em benefício de seus clientes. Como toda novidade gera desconforto, ainda veremos alguma resistência à adoção do design legal, mas é inegável que o excesso de processos, somado à escassez de tempo dos juízes para apreciar tudo, exigirá de todos os operadores do Direito novas perspectivas para este tema.

Foco no cliente

Falei de inovação tecnológica e design para abrir a apresentação deste tópico. As expectativas dos clientes mudam com o tempo e com a diferenciação na oferta de serviços. Advogados precisam entender e se adaptar para atender a demanda. Essa lógica é a corda fundamental de todo negócio, já que garantir satisfação é o que retém ou atrai novos clientes e parceiros.

O advogado de 2021 precisará estar ainda mais atento às dores dos seus clientes para poder ajudá-lo a superar este momento e fazer melhores negócios. Mais do que assessoria jurídica, clientes buscarão por quem possa lhes oferecer vantagem competitiva. Agilidade, assertividade, orientação para resultado e flexibilidade para negociar serão atributos ainda mais em voga.

Valor não é preço

Cada vez mais temos visto que na hora de contratar um escritório ou advogado, avaliações e recomendações positivas são essenciais. Num mercado de relacionamento personalíssimo, preço pode ser importante, mas a confiança no escritório e a experiência do cliente têm mais valor. Escritórios que não investem em mecanismos internos de qualidade, bem como no mapeamento da jornada e da satisfação do seu cliente tendem a sofrer mais nos próximos anos.

Internacionalização

Segundo relatório da empresa irlandesa Research and Markets, o mercado global de serviços profissionais deve crescer, aproximadamente, 10% até 2022. Em um ambiente de negócios sem fronteiras, expandir o alcance dos serviços prestados por meio de parcerias pode fazer a diferença na atratividade da oferta dos escritórios. Aproveitar todas as facilidades digitais para estabelecer novas conexões tende a gerar benefícios não só para os clientes, mas para o aprimoramento das equipes.

Diversidade

A inclusão e a diversidade no Direito, em suas inúmeras expressões, contribuirão para que a justiça represente o melhor do Brasil e da advocacia brasileira. O segmento jurídico como um todo precisa responder à altura e colocar-se como agente de transformação. Falamos, aqui, de políticas inclusivas, treinamento e promoção de ações afirmativas voltadas à equidade.

Nos últimos três anos vimos grandes escritórios brasileiros assumirem responsabilidade, ao provocar o debate e promover ações capazes de iniciar um processo de correção das lacunas históricas. Veremos um reforço de iniciativas desse tipo. Está claro que equipes formadas por profissionais com experiências e vivências distintas dão luz à novas perspectivas, soluções criativas e resultados mais expressivos. Organizações inclusivas performam melhor, atraem e retêm os melhores talentos. Agir pela diversidade será fundamental para todo o setor.

Em 2020, vivemos uma ruptura de paradigmas que deve perdurar nas relações sociais e comerciais. Busquei reforçar com este artigo alguns temas que transformamos em dogmas na SiqueiraCastro. Foi esta visão de futuro que nos permitiu antecipar tendências e construir uma história de mais de 70 anos de contribuição à advocacia brasileira.

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