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Construindo o futuro do trabalho que a gente quer

Por Paulo Samico, líder na ACC Brasil

24 de September de 2024 10h15

Pressão por resultados. Alta carga de estresse. Muita competitividade. Ambiente pouco acolhedor. Se eu não descrevi o seu local de trabalho, você tem sorte. Infelizmente, para 67% dos nossos colegas a influencia negativa no ambiente de trabalho é movida pelo estresse e poderíamos estar descrevendo a empresa onde eles atuam. Esse percentual está um pouco acima da média global (de 65%), encomendada[1] pelo relatório People at Work 2023: A Global Workforce View, do ADP Research Institute.

Ao aprofundar-se na pesquisa, os dados não melhoram. O mesmo estudo aponta que a gestão imediata não está pronta para falar de saúde mental - cerca de 57% acreditam que seriam julgados pelos gestores caso entrassem no assunto. E a pergunta que sempre se faz é: é esse o mundo do trabalho que gostaríamos de deixar como o nosso legado? Que herança zero sustentável para as próximas gerações seria essa?

Tudo bem que muitas vezes somos obrigados a tomar decisões coletivas não compreensíveis. Em muitas situações, precisamos executar uma estratégia "parte de algo maior" e sequer temos acesso ao racional da decisão. Em um mundo altamente competitivo, onde um produto ou serviço inovador é lançado todos os dias, todo o cuidado é pouco. Assim, só saberemos a importância de determinados movimentos no tabuleiro de xadrez muitas rodadas após mexermos na peça.

Com a chegada da Inteligência Artificial na nossa rotina, a disputa ficou ainda mais acirrada. Segundo o cofundador da Oracle Larry Ellison[2], os costumes também irão evoluir. Se você reclama do perfil microgerenciador de um determinado colega, saiba que o monitoramento será ainda maior - e isso se dará para evitar problemas de segurança e garantir bom comportamento. A população pode realmente viver em um verdadeiro Show de Truman, dentro ou fora do trabalho.

Perceba como estamos caprichando na arte de tornar o ambiente de trabalho ainda mais ansioso, estressante e desafiador. A equação "inovações disruptivas + acelerada mudança nos costumes + insegurança extrema + incerteza de carreira" deixa qualquer um a beira dos nervos.

Portanto, a preocupação da população com a saúde mental vem aumentando de forma avassaladora - 79% dos entrevistados por uma plataforma de contratação[3]dizem que preferem priorizar o bem-estar no trabalho a uma promoção (43%) ou aumento salarial (36%). A maioria quer paz.

Tais fatos refletem diretamente na estratégia de retenção, atração e desenvolvimento de talentos. No mundo jurídico não seria diferente. Abaixo, compartilho dicas simples que você pode implementar no time, que não custa absolutamente nada e pode ajudar no desenvolvimento dessa importante agenda:

· Reflita sobre a estratégia do bem-estar emocional e psicológico do seu time. Se há muitas prioridades e urgências, o cliente precisa respeitar os processos pré-acordados. Você, gestor, não adianta receber o pedido de prioridade e repassar ao time - muitas vezes é necessário sustentar e apoiar sua equipe.

· Entenda quais são os benefícios disponíveis para suporte à saúde mental ao seu time, o percentual de uso e incentive a manutenção da segurança psicológica.

· Promova pesquisas confidenciais voltadas para a cultura do respeito e do senso de engajamento coletivo. Se falta proatividade é porque também o ambiente pode não estar sendo convidativo a isso.

· Dialogue com as pessoas e veja se há respeito entre o tempo de trabalho e o de lazer/descanso. Para este ponto em específico, a coragem se faz necessária ao líder no comando. Você, membro da alta liderança... Está exigindo um resultado compatível à estrutura e tamanho do time que possui? Ou é perceptível que as pessoas estão trabalhando após o horário e inclusive nos finais de semana para entregar?

· Qual é o exemplo que você está dando quando o assunto é descansar e aproveitar a vida?

Quem está no topo não só dá exemplos pela ação. Também dá pela omissão. O incentivo a práticas saudáveis precisa vir pelas atitudes, pelo gesto, pela escolha certa das palavras e pelas iniciativas práticas em torno de um ambiente de trabalho mais acolhedor e humano. Aproveite o Setembro amarelo para começar. O que importa é sair da inércia.

Falando especificamente sobre o Setembro amarelo, aqui cabe um parêntese. Se nada do que você faz é perfeito, se a gestão não demonstra generosidade para dialogar e construir consensos ou se com as suas entregas você se sente desprestigiado... Talvez o problema não esteja em você. É um padrão da natureza humana sermos muito mais rigorosos com a gente mesmo... Exerça o autoconhecimento e busque entender se a sua gestão tem sido humanizada e acolhedora o suficiente para te estimular à melhoria contínua. Novamente... Talvez o problema não esteja em você. Priorize sua saúde mental e, no menor sinal de colapso, desmotivação, melancolia ou autodepreciação, busque ajuda médica e psicológica. Fale com a área de saúde ocupacional da sua empresa, se houver uma.

Dar um passo além para a promoção de um local de trabalho psicologicamente saudável, pensando em ações individuais e coletivas que os gestores e os liderados podem adotar de forma prática é algo essencial para construir o futuro do trabalho que a gente quer. A era da humanização - ventilada pela 5ª Revolução Industrial - já começou. E só vamos conseguir realmente defender essa ideia no nosso setor com o que chamamos de Jurídico 5.0[4] com o apoio principalmente daqueles que tem o poder de decidir e podem fazer a diferença não somente no futuro, mas principalmente no presente... A partir de hoje.

[1] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/estresse-no-trabalho-afeta-67-dos-brasileiros-aponta-estudo/

[2] https://arstechnica.com/information-technology/2024/09/omnipresent-ai-cameras-will-ensure-good-behavior-says-larry-ellison/

[3] https://forbes.com.br/carreira/2024/09/saude-mental-em-primeiro-lugar-profissionais-priorizam-bem-estar-ao-salario/

[4] https://www.jota.info/artigos/o-que-significa-juridico-5-0

Paulo Samico líder na ACC Brasil, LinkedIn Top Voice e Idealizador e Coordenador do livro "Jurídico 5.0 e Organizações Exponenciais".

Paulo Samico, Líder na ACC Brasil

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