Muito se fala sobre Direito 4.0, soft skills, conceitos de "conheça seu cliente" e "Direito centrado no usuário". Estas pautas, novas para muitos advogados, são discussões necessárias, mas que por vezes ainda ficam de modo excessivo no campo abstrato, especialmente se os advogados estão inseridos em ambientes mais tradicionais do Direito, ou se lidam com clientes mais "antiquados".
Por outro lado, ao se deparar com clientelas "novas" como os influenciadores digitais, a compreensão e imediata aplicação destes conceitos de "advocacia 4.0" é condição sine quo non para que o advogado consiga prestar um serviço jurídico de qualidade. Qualificam-se os influenciadores como um tipo novo de usuários de serviços jurídicos pois há poucos anos estes sequer existiam, e apenas mais recentemente iniciou-se um movimento de profissionalização de seu trabalho.
E pelo notável dinamismo e praticidade deste mercado e de seus players, o velho Direito e suas comunicações e posturas quadradas simplesmente não mais se encaixa. Atuar para os criadores de conteúdo digital pressupõe novos padrões de prestação de serviço jurídico, incluindo modos ágeis e assertivos de tratar o cliente, com entregas palatáveis, objetivas, compreensíveis e user-friendly. Ou seja, junto com o grande campo de oportunidades que veio com o imenso crescimento do número de criadores e influenciadores digitais e seu progressivo papel de relevância no mundo do entretenimento e do marketing, vem o desafio de uma real adaptação do modo de se trabalhar e interagir com os clientes (e frise-se, não se simplifica o Direito em si, mas sim se adapta a prática jurídica).
Dentre os grandes campos de preocupação e atenção jurídica para os criadores de conteúdo, mencionam-se dois bastante relevantes: os contratos (e suas especificidades neste nicho) e os assuntos de propriedade intelectual (tanto na perspectiva de evitar infrações quanto na relevante construção de portfólio de bens intangíveis).
Adentrando o tema dos contratos, já se escancara a necessidade de o advogado da área navegar com tranquilidade pelos mares das redes sociais. Compreender cada ferramenta do Instagram, a lógicas de postagem e interações do TikTok ou as intricadas regras do YouTube são tarefas essenciais para que se possa confeccionar ou revisar minutas contratuais especificas deste nicho de mercado.
O mercado de marketing de influência possui um histórico e uma tendência à informalidade e é então papel do consultor jurídico quebrar tais vícios. Contratos claros e simples podem prever todas as situações acordadas entre clientes, agências e influenciadores, e evitar discussões complexas.
Desde já, salienta-se a importância de o advogado da área também compreender a dinâmica publicitária, que vai desde a cabeça do criativo de propaganda e marketing e culmina com a entrega/postagem do influenciador. Assim, é necessário se ter ciência plena de qual é o briefing da campanha e detalhes dos combinados na fase pré-contratual, para que se possa traduzir tudo isto em minutas contratuais simples e precisas.
Estes termos contratuais trazem alguns pontos bastantes específicos e que não fariam sentido em outros tipos de contrato como, por exemplo, quais as postagens são devidas, em qual rede e em qual perfil. Ainda, é necessário se prever se existe algum cronograma específico para as postagens, se existe previsão sobre o direito de apagar o post após o fim do contrato, se existem cláusulas de "repostagem" e quais as regras e delimitações (inclusive temporal) de uso da imagem do influenciador.
Ou mais, e igualmente importante, quais são as regras de exclusividade, se aplicáveis, considerando nichos de mercado ou produtos/serviços específicos, e se existe remuneração adicional para tanto. No tocante à remuneração, quais são os meios e os prazos de pagamento, se existem intermediários que devem ser comissionados, e se houver licenciamento e pagamento de royalties, quais são as regras de cálculo, se há auditoria e se um "mínimo garantido" é previsto.
Por fim, ainda em âmbito contratual é salutar estabelecer os limites da responsabilidade dos influenciadores, não só com relação à sua postura nas redes e fora delas (e as consequências de possíveis escândalos), mas também trazer disposições sobre vícios nos produtos e falhas nos serviços por eles divulgados, excluindo a responsabilidade cível, consumerista e criminal dos criadores de conteúdo, que seriam mero veículo de marketing.
O segundo grande tema de observação é a propriedade intelectual. Aqui, a peculiaridade desta clientela também demanda do profissional jurídico um profundo conhecimento da área, além da habilidade de prover os clientes com rápidas e assertivas respostas.
Por um lado, existe uma constante preocupação de não-infração, ou seja, o não-uso de criações autorais e marcas protegidas de terceiros em postagens e conteúdos compartilhados nas redes. O dinamismo de tal processo criativo pode ser um obstáculo neste dever de cautela (com absoluta frequência, primeiro posta-se algo, e depois se reflete sobre tal conteúdo), e ressalta-se então a importância de um trabalho prévio educativo sobre os princípios da propriedade intelectual, evitando-se assim futuras discussões desgastantes de usos indevidos de ativos intangíveis de terceiros.
Por outro lado, é igualmente papel do advogado militante desta área estimular os criadores de conteúdo a enxergarem a propriedade intelectual como um investimento importante, com a constante reflexão sobre eventuais proteções. Aqui, podem ser possíveis registros de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), incluindo o nome dos influenciadores, seus apelidos e/ou nome de seus projetos, e proteções autorais das mais variadas criações (em instituições como a Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes).
Considerando que marca é um sinal distintivo, visualmente perceptível, que distingue e designa a origem de um produto ou serviço, os sinais que remetem aos influenciadores (nomes, apelidos e/ou símbolos) claramente como marca podem ser protegidos , notadamente pelo seu magnetismo e alto poder atrativo, e com o exercício da função marcária em sua plenitude.
Também, especificamente no tocante aos registros marcários, estes poderão ser objetos de explorações diversas, figurarão como bens ativos das pessoas físicas ou empresas dos influenciadores, serão ferramentas de negociação, permitirão contratos mais estruturados, e serão base de remuneração pela sua exploração em licenças, podendo até ser objeto de cessões.
A propriedade intelectual então, é parte inexorável da rotina dos influenciadores digitais, ainda que muitos ainda não a vejam de modo absolutamente consciente. Cultivar então um maior domínio sobre o tema é uma imensa contribuição que o advogado pode dar a estes clientes, assim como se despir de práticas ultrapassadas e realmente incorporar o "novo", com uma postura inovadora, pensando e praticando o Direito certamente de forma segura, mas com objetividade e leveza.