Em 2012, me voluntariei a um programa de mentoria da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) chamado Amigos da Vetusta. A ideia era simples, porém pouco aplicada no Brasil: advogados formados compartilhavam experiências profissionais com estudantes.
Foi por meio desse programa que conheci e mentorei Maria Borges. Na primeira reunião, para minha surpresa, Maria disse que considerava desistir do Direito. Segundo ela, a profissão de advogado não era internacional e por isso preferia Economia ou qualquer outra carreira que a permitisse se internacionalizar. Expliquei a Maria que sua percepção não era correta. Eu, de família de classe média do Espírito Santo, nascido no interior, na infância sonhava, tal como ela, em conhecer o mundo.
Após a minha graduação em Direito, além de ter feito mestrado no Brasil, havia feito mestrado nos Estados Unidos e me qualificado como advogado em Nova Iorque (NY Bar) e na Inglaterra (Solicitor), tendo trabalhado como advogado em um dos maiores escritórios do mundo, em Houston. Se eu consegui, por que ela não conseguiria?!
Após diversas reuniões, Maria voltaria a me surpreender, porém de forma positiva. Explicou que pretendia fazer o J.D. nos Estados Unidos, que é o curso de Direito para americanos, logo após se formar no Brasil. Quando a perguntei sobre os estudos para a prova de seleção, chamada LSAT, ela já havia realizado o exame e conseguido nota que a permitiria passar em algumas das melhores universidades americanas.
Hoje Maria é advogada americana formada por Duke, cum laude, e trabalha no Vinson & Elkins, em Nova Iorque, considerado um dos maiores escritórios dos Estados Unidos. Trabalhou, além de Nova Iorque, em Tóquio e em Frankfurt, em escritórios como Latham, Nagashima Ohno e Baker & Mckenzie.
Maria certamente é um caso de sucesso, e ao longo da minha carreira assisti à internacionalização de diversos advogados brasileiros. Pessoas que, tal como Maria e eu, em algum momento sonharam em se internacionalizar.
A meu ver, em faculdades de Direito do Brasil, falta algo relativamente simples que as faculdades no exterior fazem muito bem: instrução sobre as opções de trabalho na advocacia, o que por si só já resultaria em diversos benefícios para os estudantes. O próprio programa Amigos da Vetusta, comandado por alunos, resultou em ao menos sete brasileiros que hoje trabalham em grandes escritórios estrangeiros nos Estados Unidos e Londres.
Fato é que, hoje, há muitos casos de brasileiros trilhando carreiras de sucesso na advocacia internacional. Felipe Alice e Tarsis Gonçalves são bons exemplos. Queridos amigos que, quando conheci, tinham feito somente o LL.M. no exterior, e, agora, são sócios de dois dos maiores escritórios de advocacia do mundo: o Morgan Lewis, em Houston, e o Kirkland, em Londres, respectivamente. Este último, hoje, é o escritório com maior faturamento anual do planeta, acima dos R$ 30 bilhões. Grenfel Calheiros, também capixaba e amigo desde a infância, atualmente é sócio do Simpson Thacher, uma das White Shoe Law Firms de Nova Iorque.
Quase todos os brasileiros que optaram por essa carreira estudaram em faculdades de Direito de elite no exterior e se qualificaram nos exames da Ordem de países estrangeiros, particularmente nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Não se trata de um caminho fácil. Além da seleção da própria universidade, alguns dos nomes de famosos que falharam em suas primeiras tentativas na prova da Ordem dos Estados Unidos, por exemplo, assustam: John F. kenney Jr, Hillary Clinton, Michelle Obama e Franklin D. Roosevelt. Ultrapassada a prova, a dedicação exigida nos escritórios internacionais é grande - usualmente mais de 1.800 horas de trabalho para clientes anualmente.
O trabalho duro, contudo, compensa. A remuneração inicial do advogado nessas grandes bancas está acima dos R$ 100 mil por mês. Mais do que meramente a compensação financeira, há as experiências de vida no exterior e as trocas culturais com pessoas de diversos países.
Tenho lembranças divertidas das minhas longas horas de trabalho internacionais, incluindo negociações com Jay-Ze (não era o cantor, era um advogado chinês que se denomina dessa maneira), e também com uma advogada coreana que simplesmente mudou o seu nome ocidental em meio às negociações, de Erica para Joana.
Importante notar que, mesmo no Brasil, existem hoje mais de 20 filiais de grandes escritórios estrangeiros, além de diversas áreas e equipes em grandes escritórios locais dedicadas, quase que exclusivamente, aos clientes internacionais, permitindo aos profissionais brasileiros experiências de internacionalização que dariam inveja a grande maioria dos advogados estrangeiros.
Nas minhas "andanças" profissionais já estive em países como Argentina, Austrália, China, Colômbia, Coréia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Emirados Árabes, França, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, Malásia, México, Noruega, Portugal e Tailândia.
Realizei, com toda certeza, o meu desejo de criança de conhecer o mundo, mas mais do que isso, fiz amigos para a vida e momentos que guardo carinhosamente na memória. Se eu consegui, por que você não conseguiria?!
Giovani Loss é mestre em Direito e doutorando em Energia pela Universidade de São Saulo (USP), LL.M. pela Universidade de Stanford (Bolsista do Instituto Ling) e sócio do escritório Mattos Filho.
Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.