A Regulamentação da Reforma Tributária | Análise
Análise

A Regulamentação da Reforma Tributária

Por Maucir Fregonesi Júnior, sócio do SiqueiraCastro

29 de August de 2024 17h59

A Emenda Constitucional nº 132, promulgada ao final de 2023, promoveu profunda mudança em nosso sistema tributário nacional, em especial no que tange à tributação do consumo, ao prever a extinção de PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI, e a criação de um IVA dual, com o Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, de competência estadual, municipal e distrital, e a Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS, federal, além do Imposto Seletivo.

As alterações promovidas até então são apenas no plano constitucional, cabendo às leis complementares e ordinárias regulamentarem o novo sistema, inclusive a estipulação das alíquotas dos novos tributos, suas bases de cálculo, regimes específicos e diferenciados, entre outras medidas.

Com isso, foi criado um programa de assessoramento técnico, no âmbito do Ministério da Fazenda, com vistas a subsidiar a elaboração dos anteprojetos de leis necessárias à regulamentação da Reforma Tributária. Espera-se que essa fase seja realizada até 2025, por meio da apresentação, discussão, votação e aprovação, no Congresso Nacional, dos projetos de lei complementar e ordinária que ali tramitarem, conforme o caso.

Até o momento, o Governo Federal apresentou dois projetos de lei complementar, sendo o primeiro (PLP nº 68/2024) destinado a regulamentar os novos tributos, notadamente IBS, CBS e Imposto Seletivo, e o segundo (PLP nº 108/2024) voltado a definir a constituição e funcionamento do Comitê Gestor do IBS, a distribuição de receitas entre Estados, Municípios e o Distrito Federal, o processo administrativo do IBS, bem como alguns ajustes na legislação do ITCMD.

O PLP nº 68/2024 sofreu emendas, e foi aprovado na Câmara dos Deputados em julho de 2024, estando atualmente no aguardo da apresentação de emendas no Senado. O PLP nº 108/2024, por sua vez, está para ser votado na Câmara dos Deputados.

Pois bem. É inegável que nosso sistema tributário atual é confuso, oneroso e inapto para acompanhar a evolução da economia digital. Assim, tal sistema carece de mudanças profundas, sobretudo com o fim de simplificá-lo e de reduzir a enorme insegurança jurídica que se tem hoje. Mas é também inolvidável que o País não suporta mais um aumento da carga tributária.

É verdade que o sistema tributário brasileiro atual, pela diversidade e concomitância de tributos sobre o consumo, acabou deixando de lado algumas operações, ainda que estas pudessem ter elevado conteúdo econômico. E os melhores exemplos desse caso são a locação de bens imóveis, que não está na alça de mira nem do ISS, nem do ICMS, e a comercialização de bens digitais, hoje sujeita à definição do regime tributário definido pelas Cortes Superiores.

Entretanto, o PLP nº 68/2024 prevê uma série de novas hipóteses de incidência para o IBS que certamente promoverão a oneração excessiva de determinados fornecimentos de bens e serviços, inclusive aqueles que hoje estão sujeitos a outro regime de incidência tributária.

Com efeito, nos termos do art. 5º, inciso I, alínea "c" do PLP nº 68/2024, o IBS e a CBS deverão incidir sobre o fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal, inclusive quando se der entre a empresa e seus empregados.

Vale dizer, pois, que, se mantido o texto aprovado na Câmara dos Deputados, IBS e CBS irão incidir sobre toda sorte de benefícios que uma empresa concede a seus empregados (os chamados fringe benefits), tais como planos de saúde, veículo e auxílio-moradia, auxílio-combustível, vale-refeição, aparelhos celulares, entre outros.

Em outras palavras, qualquer concessão de uma empresa em favor de seus empregados, mesmo que a título de incentivo e melhoria das condições de trabalho, passará a ser tributada pelo IBS e pela CBS.

Do mesmo modo, o mesmo art. 5º, no inc. II de seu § 1º, prevê a incidência do IBS e da CBS nos demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal de cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau. É o caso, por exemplo, de doação de bens, tão comum entre membros de uma família.

O pior de tudo isso é que se tem, nessa hipótese, verdadeira invasão de competência tributária, pois a doação, em nosso regime constitucional de repartição de receitas, está sujeita ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD, de competência dos Estados (art. 155, inc. I, da Constituição Federal).

Enfim, espera-se que as discussões e deliberações do PLP nº 68/2024 no âmbito do Senado possam ajustar esses desvios que, no nosso entendimento, além de representarem vício constitucional (no caso da invasão de competência do ITCMD), certamente trarão um elevado e indesejado aumento da carga tributária no país.

Maucir Fregonesi Júnior é sócio do escritório SiqueiraCastro, na área de Tributário e Planejamento Fiscal

Maucir Fregonesi Júnior, sócio do Siqueira Castro

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