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Por que apenas 39% das grandes bancas têm sócios negros?

Às vésperas do dia da Consciência Negra, esta reportagem ouve cinco vozes negras da advocacia brasileira para entender por que o mercado jurídico ainda opera como um clube fechado

19 de November 14h30

Há 137 anos, a Lei Áurea prometeu liberdade. Mas o que significa ser livre quando as correntes visíveis são substituídas por barreiras invisíveis? No Brasil de 2025, país com a maior população negra fora do continente africano, um dado expõe a face contemporânea dessa exclusão: apenas 39% dos escritórios de advocacia que responderam à pesquisa do ANÁLISE ADVOCACIA DIVERSIDADE E INCLUSÃO afirmam ter ao menos um sócio negro em seus quadros societários. Entre os 501 escritórios consultados, 34% declararam não ter nenhum sócio negro, 17% afirmaram não fazer esse tipo de controle e 10% preferiram não informar.

O número não é apenas estatística, é sintoma. Sintoma de uma advocacia que, nascida nos salões da elite, ainda carrega os brasões da exclusão. Em um mercado jurídico que movimenta bilhões todo ano, pessoas negras — que representam 56% da população brasileira — permanecem praticamente ausentes dos espaços de poder e decisão. A porta giratória dos grandes escritórios ilustra esse paradoxo: entra-se pela diversidade, sai-se pela ausência de inclusão. O que separa um estagiário negro promissor de uma cadeira na sociedade não é competência, mas sim um labirinto de barreiras que vão desde a exigência de "networking natural" até microagressões cotidianas que esvaziam a permanência desses profissionais.

Por isso, esta reportagem ouve cinco vozes negras da advocacia brasileira para entender por que, mais de um século após a abolição formal da escravidão, a advocacia ainda opera como um clube fechado e o que precisa mudar para que essa realidade seja transformada.

O retrato da exclusão: quando os números revelam o racismo estrutural

Hoje, pelo menos um terço dos inscritos nos quadros da OAB se autodeclara pessoa negra, aponta Dione Assis, advogada e fundadora da BlackSisters in Law, rede de apoio e fortalecimento de advogadas negras. Mas quando o recorte se volta para o mercado corporativo — aquele que concentra os maiores contratos e os honorários mais robustos — a presença negra praticamente desaparece.

Nossos entrevistados, ao serem questionados sobre o percentual de escritórios que contam com advogados negros, pretos ou pardos em quadros societários, deram o pontapé inicial para o debate sobre a realidade da igualdade racial na advocacia brasileira.

Para Suena Carvalho Mourão, advogada especializada em Direito Antidiscriminatório que presidiu a Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da OAB, saber que a porcentagem de escritórios com sócios negros ainda é baixa, sequer surpreende.

Rosana Rufino, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP, recebe o dado com preocupação.

Fabiano Machado da Rosa, sócio fundador do PMR Advocacia, escritório de direito empresarial liderado por sócios negros, é mais incisivo.

Robson de Oliveira, sócio do Demarest e presidente da Aliança Jurídica pela Equidade Racial, recebe o dado com um misto de tristeza e lucidez.

Para ele, o cenário pode ser ainda mais grave do que o captado pela pesquisa. "Tenho convicção de que esse percentual é, na prática, ainda menor. E isso tem raízes claras. Pessoas negras só passaram a ter acesso mais amplo ao ensino superior com a Lei de Cotas, de 2012. Mas garantir entrada na universidade é muito diferente de garantir entrada no mercado de trabalho. Não houve políticas públicas que assegurassem essa transição."

As barreiras que começam antes mesmo da formatura

O caminho até a sociedade em um grande escritório começa, na verdade, muito antes da primeira entrevista de emprego. Começa na universidade — ou melhor, na impossibilidade de acessá-la em condições de equidade. "O Direito ainda é um curso muito elitizado, de difícil acesso e de difícil manutenção do estudante no curso, por conta dos custos dos livros, por exemplo. E depois, o próprio exame da OAB também possui um custo elevado", descreve Suena Mourão.

Rosana Rufino acrescenta outra camada a essa exclusão inicial. "Muitas pessoas são arrimo de família e, ao interseccionar com classe, não conseguem, por exemplo, fazer estágio, já que a remuneração não cobre o sustento e a continuidade da faculdade. Sem estágio, não se consegue inserção no mercado formal. Grande parte dessas pessoas acaba no que chamo de ‘empreendedorismo compulsório’: advogando por conta própria, muitas vezes sem sequer formalizar um escritório."

Fabiano da Rosa, que estudou na PUC do Rio Grande do Sul na década de 1990, lembra dos números de sua época: "Tínhamos em torno de 5.500 alunos no Direito. E não tínhamos mais de 100 alunos pretos e pardos nessa época, em toda a faculdade de Direito. Não tínhamos ProUni, não tínhamos FIES, não tínhamos cotas. Se você busca um profissional que tenha 20 anos de formado, você tem uma base quantitativa menor. E isso impacta diretamente na disponibilidade desses profissionais no mercado".

O advogado ainda faz questão de destacar que o problema abrange questões para além da falta de oportunidades. "Saber que tantos escritórios não possuem sócios negros não me surpreende por um conjunto de fatores, mas tem um ponto que não tem a ver com as desigualdades ou com a estruturalidade. Ele tem a ver com a visão de gestão e de negócio nos escritórios. Isso demonstra uma verdadeira miopia de gestão. Os escritórios não entenderam ainda que a diversidade é um fator importante para os negócios", critica.

O pacto narcísico da branquitude: quando o espelho reproduz exclusão

Uma vez superadas as barreiras educacionais e conquistada a vaga de estágio ou de advogado júnior, surge outro desafio: permanecer e ascender em ambientes que não foram desenhados para pessoas negras.

Mourão recorre ao conceito cunhado pela psicóloga Cida Bento para explicar a dinâmica. "As bancas tradicionais seguem uma lógica de espelhamento: só quem se parece com um sócio vira sócio. Aquele jovem advogado negro não se parece com os sócios atuais. Se não tiver intencionalidade, essa diversidade não vai acontecer. Não é falta de profissionais jovens, negros e talentosos. A advocacia negra é muito talentosa, tão talentosa quanto a branquitude. Porém, falta abertura real para que essa jovem advocacia tenha acesso".

Dione Assis aponta para critérios aparentemente neutros que, na prática, funcionam como mecanismos de exclusão. "Os escritórios tendem a adotar uma postura extremamente tradicional. E essa tradição dá a eles um certo conforto para estabelecer regras para ascensão. Desde escritórios que selecionam com base na instituição de ensino onde o candidato se formou até o fato de ignorarem que a chegada à sociedade passa por muito relacionamento. Pessoas negras não vieram desses espaços, não os acessaram, têm pouco trânsito." 

A advogada continua: "Se você estabelece que uma pessoa negra só se tornará sócia se tiver uma certa carteira de clientes, e ignora de onde ela veio, você inviabiliza esse caminho. O que é obstáculo para uns deveria ser motivo de orgulho para outros. Porque, saindo de onde ela saiu, é impossível que não desempenhe um bom papel. Ela vai aproveitar todas as oportunidades O desafio hoje é que os escritórios realmente olhem para essa população. Se eles enxergam a necessidade de ambientes mais diversos, até para atender clientes que cada vez mais buscam diversidade, então não faz sentido manter esse tipo de requisito para acesso à sociedade ou aos grandes casos".

Rosana Rufino identifica no imaginário social uma das barreiras mais persistentes. "O imaginário social sobre quem 'pode' ocupar cargos de poder ainda segue um padrão eurocêntrico: homem branco, hétero, cis, cristão. Esse ainda é o perfil da maioria dos sócios de grandes bancas. Mulheres, pessoas negras e outros grupos atravessados por diferentes marcadores sociais quase não ocupam esses espaços. E isso está ligado ao passado escravocrata e colonial do país, que ainda impede que pessoas negras sejam vistas como capazes de ocupar espaços de poder".

Inglês fluente, intercâmbio e a armadilha dos requisitos irreais

Entre os critérios que mais excluem profissionais negros do caminho à sociedade estão exigências que, embora pareçam técnicas, ignoram completamente as desigualdades de origem.

"Quando o escritório estabelece, por exemplo, que é preciso inglês fluente, porque a maioria dos clientes são multinacionais, e exige que uma pessoa adulta retome aulas como se fosse ficar fluente como alguém que estudou desde criança... Sabemos que o momento da vida já é outro. E, muitas vezes, o escritório nem usa tanto inglês no dia a dia. Já vi isso várias vezes. Outra exigência é a vivência internacional: intercâmbio, curso fora... algo que não se sustenta e inviabiliza o acesso", critica Dione Assis.

A advogada é ainda mais contundente ao tratar da exigência de carteira de clientes. "E volto ao ponto da exigência de rede de contato: para ser sócio, não basta competência técnica, é preciso trazer clientes. E esse é o momento mais desafiador para profissionais negros. Eles não transitaram nesses espaços a vida inteira. Têm dificuldade de acessar e de permanecer. São ambientes em que os temas debatidos muitas vezes não fazem parte da realidade dessa pessoa — e às vezes são usados justamente para excluir. É a viagem que ela nunca fez, o alimento que nunca experimentou, a experiência que nunca viveu. E sabemos que, cada vez mais, as oportunidades chegam por meio de conexão e identificação".

Fabiano da Rosa amplia a discussão para outras barreiras sutis. "A estruturalidade do racismo nos escritórios de advocacia se manifesta em coisas muito delicadas. É um escritório que exige um inglês quando ele não é tão necessário. Ou que só contrata estudantes vindos da faculdade A, B ou C. É um escritório que exige um tipo de indumentária ou roupa que não seja compatível com pessoas de menor poder aquisitivo. Ou que não compreende, por exemplo, a importância do trabalho remoto também como uma forma de acesso.

As microagressões cotidianas: o racismo que se disfarça de normal

O racismo estrutural não se manifesta apenas em grandes decisões ou políticas institucionais. Ele está presente no dia a dia, nas pequenas violências que se acumulam e corroem a permanência de profissionais negros.

"Sempre me chama atenção aqui na Black Sisters in Law quando colegas de grandes escritórios me contam que não participam de casos emblemáticos sem justificativa. Elas tinham capacidade e preparo, mas não foram incluídas. Como essa pessoa vai adquirir experiência, visibilidade e projeção se não é incluída? Que tipo de seleção é essa que admite, mas não inclui? Se ingressou como estagiária, é obrigação do escritório prepará-la para assumir grandes casos, e não mantê-la apenas nos de menor repercussão. Isso inviabiliza sua visibilidade dentro e fora do escritório", questiona Dione Assis.

Robson de Oliveira, sócio do Demarest, explica como se manifesta o racismo estrutural e institucional. "A pessoa pensa que todo negro é uma pessoa que sabe jogar futebol e que sabe dançar samba, isso é racismo estrutural, porque é um pensamento médio. Agora, quando a gente fala de racismo institucional, por exemplo, eu posso dizer para você o seguinte: institucionalmente pensa-se que as pessoas negras que ali estão não podem ser advogados. Elas podem ser um segurança ou talvez um funcionário da copa, porque as pessoas acabam criando vieses inconscientes nesse sentido".

Suena Mourão destaca o peso emocional dessa experiência. "Quando o profissional negro está dentro de um ambiente de escritório de advocacia, a sobrecarga emocional e cognitiva — por ter que estar sempre provando a sua competência — é muito pesada. Então, obviamente o profissional negro vai querer ascender. Nós todos queremos isso e temos direito de ascender com os demais. Porém, o fato de ter que estar sempre em alerta, aliado a fadiga do ambiente, às vezes veladamente hostil ou excludente, faz com que a permanência dele não dependa só da sua potência."

Rosana Rufino sistematiza essas manifestações: "Temos três formas de racismo: estrutural, institucional e recreativo. Elas se interligam e fazem com que microviolências sejam reproduzidas diariamente", explica. 

A porta giratória: quando a diversidade não vira inclusão

Um fenômeno comum em grandes escritórios ilustra a diferença entre contratar e incluir: processos seletivos afirmativos para estagiários que não se convertem em efetivação ou promoção.

"Os escritórios adotam uma estratégia equivocada. Há diversidade nos estagiários, mas esse número cai drasticamente entre efetivados como juniores e despenca ainda mais nas promoções. Essas pessoas não conseguem se sustentar internamente", observa Dione Assis.

Robson de Oliveira apresenta dados concretos dessa evolução, trazendo como base dados da Aliança Jurídica pela Equidade Racial. "Em 2018 a gente fez o nosso primeiro censo com a união desses grandes escritórios, onde constatamos que tinha menos de 1% de advogados negros nos grandes escritórios. Depois, em 2022, a gente fez um outro censo, em que constatamos que esse número subiu para 11%. E nesse ano, a ideia é que até meados de dezembro seja concluído nosso terceiro censo, para saber se esses números subiram, diminuíram e principalmente como é que estão essas pessoas, se eles estão na mesma posição e se estão tendo uma ascensão".

Fabiano da Rosa traz a perspectiva de quem lidera um escritório. "A diversidade atrai talentos, promove inovação, criatividade, constrói um ambiente interno, uma cultura mais íntegra, mais justa e permite a pluralidade de percepções. A diversidade é um ativo organizacional."

Programas de diversidade: compromisso real ou marketing?

Nos últimos anos, proliferaram nos grandes escritórios programas de diversidade, comitês de inclusão e processos seletivos afirmativos. Mas a pergunta que fica é: essas iniciativas são genuínas ou performáticas?

"Tivemos um bom teste quando o governo americano anunciou que não iria aderir à pauta de diversidade e ESG, desestimulando empresas. Ali deu para ver quem estava realmente comprometido. Muitos deixaram de promover diversidade, até mudaram o nome da área para algo menos exposto. Eu entendo a estratégia, mas lamento. Isso desestimula escritórios menores que se espelham nos grandes. É um retrocesso, justo quando estávamos avançando", lamenta Dione Assis.

Suena Mourão é enfática sobre a diferença entre discurso e prática. "Eu acho que hoje em dia, como a implementação de ESG, ficou muito evidente que ninguém quer ser racista. A verdade é essa, ninguém quer receber a pecha de racista. Só que muitas vezes a gente não vê na prática. O discurso é muito bonito, as políticas são muito bonitas, a apresentação, o lançamento das políticas, mas na prática, não temos conseguido obter resultado com isso. Porque às vezes a política é muito bem feita na teoria, mas é implementada numa cota mínima."

Para Robson de Oliveira, a resposta está nos resultados. "O que diferencia é o escritório estar pensando nesse profissional a curto, médio e longo prazo. Porque o escritório que só quer fazer marketing, que só quer fazer uma fotinho bonita e vai colocar lá vários profissionais negros, vai tirar uma foto e dizer: 'Eu não sou preconceituoso, eu não sou racista', mas esse escritório vai ter essa pessoa lá na mesma fotografia, dez, 20 ou 30 anos na mesma posição. Agora, o escritório que faz programas de ação afirmativa e faz programas internos para poder cada vez mais capacitar, orientar e dar diretrizes para que essas pessoas possam, de fato, conquistar posições de liderança, independente se elas vão ou não ficar no seu escritório, esse sim está comprometido com a inclusão de forma genuína".

Fabiano da Rosa aponta critérios objetivos. "Você tem dois elementos, na minha opinião: se você tem pessoas pretas e pardas trabalhando no escritório, e se você tem esses escritórios compreendendo a necessidade da diversidade e inclusão. Da diversidade, você de certa maneira toma uma decisão intencional de aumentar quantitativamente a presença de um determinado grupo no seu quadro: pessoas pretas e pardas, mulheres, pessoas com deficiência ou pessoas LGBTQIAPN+. Você aumenta quantitativamente, você contrata. O primeiro passo é contratar."

Rosana Rufino ressalta a insuficiência das políticas atuais: "As políticas existem, e alguns escritórios são premiados por elas, mas ainda são insuficientes para atingir equidade. Precisamos de planos com metas de curto, médio e longo prazo. É preciso repensar recrutamento, promoção e formação de lideranças, refletindo a composição real do país."

O que precisa mudar

Quando questionados sobre o que precisa acontecer para que o percentual de escritórios com sócios negros cresça significativamente nos próximos anos, os entrevistados convergem em alguns pontos essenciais.

"Eles precisam querer que isso aconteça. Eu sei que são estruturas rígidas, mas há pessoas internas tentando promover mudanças. Não vejo nenhum obstáculo real para isso se realizar. É curioso, porque agora é fim de ano, momento de planejamento estratégico. Eles definem crescimento, lucros, quantos advogados vão contratar... Tudo está no plano. E não vejo razão para não inserirem metas de diversidade racial nesse planejamento. É possível estabelecer metas e alcançá-las. Mas eles não se comprometem: preferem eventos e participação em debates, em vez de políticas que alterem a realidade. E essas políticas mudariam não só os escritórios, mas a vida das pessoas impactadas", cobra Dione Assis.

Fabiano Machado da Rosa defende uma mudança de mentalidade na alta gestão. "Me parece que é fundamental que a alta governança dos escritórios — os comitês executivos, CEOs e conselhos de administração — tratem o tema da diversidade, da equidade, da inclusão como uma grande oportunidade ética e de negócio do ponto de vista de estratégia organizacional. Esse assunto tem que sair do âmbito da responsabilidade social, do ESG, e tem que entrar no âmbito da resiliência do negócio, da estratégia de posicionamento e no âmbito de como queremos que nosso escritório seja e o que ele represente no futuro. E me parece que só vamos mudar esses indicadores com decisões intencionais."

Rosana Rufino apresenta um roteiro detalhado. "Sempre digo isso, inclusive na minha pesquisa de mestrado: o primeiro passo é diagnóstico e compromisso institucional. Um diagnóstico não apenas em números, mas social, econômico e demográfico. Não se transforma o que não se mede. Depois, identificar desigualdades de acesso e ascensão, convocando a advocacia a responder como está sua participação no mercado formal. É preciso ampliar políticas afirmativas, programas de estágio e trainee com prioridade racial, mentoria, formação continuada e apoio à ascensão. Criar grupos de afinidade racial, espaços de formulação de propostas antirracistas e parcerias com entidades que fomentem diversidade. Além disso, precisa ter treinamento em letramento racial, vieses inconscientes e interseccionalidade, especialmente para lideranças".

A advogada é enfática sobre a necessidade de metas concretas: "E, claro, metas, prazos e indicadores. Diversidade não é só contratar: é mudar a cultura organizacional e enfrentar conflitos internos. Enquanto houver negação — 'aqui não tem racismo', 'não contratamos porque não aparece candidato', 'essa pauta não é prioridade' — não avançaremos."

Suena Mourão defende investimento na base. "É preciso investir nas políticas de cotas que permitem que jovens negros entrem na universidade, isso é fundamental."

Mensagem para a nova geração: resistir, existir e transformar

Aos jovens advogados e advogadas negras que estão começando na carreira, os entrevistados deixam mensagens que misturam consciência das dificuldades com esperança de transformação.

"Trabalhe muito a sua autoestima. Leia, estude, veja bons filmes, descubra sua história, descubra a potência do que é ser negro e negra no Brasil. Mergulhe profundamente na sua negritude, entenda que você, como pessoa preta ou parda, é tão brasileiro, potente e digno como qualquer outra pessoa. Um dos subprodutos mais dolorosos do racismo no Brasil é dizer para as pessoas pretas que elas são inferiores. Você precisa exorcizar isso da sua vida", aconselha Fabiano da Rosa.

O advogado continua: "Estude muito. Estamos numa era em que as pessoas jogam no ChatGPT e perdem um elemento fundamental, que é a capacidade de repertório. Estude e leia não só coisas do Direito. Se torne alguém com cultura, erudição e repertório. E acredite demais na advocacia, porque é um mercado em expansão, mas também em transformação. Quem não se transformar possivelmente não terá lugar nos próximos anos".

Robson de Oliveira é mais direto. "Acreditem em vocês. Com todas as dificuldades que vocês tiveram, vocês ainda estão conseguindo furar a bolha. A estrutura vai fazer vocês pensarem que não são capazes, que não têm potencial, mas se acreditarem e batalharem, certamente vão conseguir furar essa bolha. E tem muitas ações aí que visam ajudar. O projeto Incluir Direito, do qual sou coordenador geral, já ajudou mais de 500 alunos a ingressarem nos grandes escritórios."

Suena Mourão reforça a importância da coletividade. "Construa a sua rede. A caminhada não é para ser feita sozinho e a gente nem consegue fazer sozinho. Procurem coletivos, procurem mentorias, procurem espaços negros onde vocês possam ser vistos, possam ser reconhecidos. A competência não nos falta, muito pelo contrário. O que falta é a estrutura. E a jovem advocacia negra não deve carregar isso sozinha."

Como quebrar o teto de vidro

Em 2025, o Brasil ainda enfrenta o desafio de transformar a liberdade jurídica em igualdade real. Na advocacia, profissão que deveria ser guardiã da justiça e da Constituição, o espelho das sociedades dos grandes escritórios revela uma verdade incômoda: ainda vivemos sob o pacto não dito de que determinados espaços de poder não foram feitos para pessoas negras.

Mas há fissuras nesse pacto. Dos escritórios fundados por advogados negros que crescem e prosperam, passando pelos comitês de diversidade que começam a produzir resultados concretos, até os jovens profissionais que, apoiados por redes de mentoria e programas afirmativos, conquistam espaços antes impensáveis. A mudança está em curso, ainda que lenta.

O dado de que apenas 39% dos grandes escritórios têm ao menos um sócio negro não é apenas um número a ser lamentado. É um chamado à ação. Para os escritórios, para a OAB e para cada profissional que entende que uma advocacia verdadeiramente comprometida com a justiça não pode se construir sobre bases de exclusão e permitir que existam tetos de vidro no trajeto para a ascensão.

A pergunta que fica não é se a advocacia brasileira pode se tornar mais diversa e inclusiva. A pergunta é: quando seus líderes vão decidir que isso é prioridade?

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