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Petz e Cobasi: entenda o debate sobre monopólio no setor pet

A fusão entre as duas maiores empresas do setor pet, que juntas ocuparão 10% do mercado, levantou a discussão sobre se a operação seria, ou não, uma tentativa de monopólio

31 de October 16h28
(Imagem: Análise Editorial/Reprodução)

Não é de hoje que a fusão da Petz e Cobasi tem acendido o debate sobre monopólio. No último dia 17 de outubro, ocorreu uma audiência pública onde o cofundador e CEO da Cobasi, Paulo Nassar, e o CEO da Petz, Sérgio Zimerman, defenderam a operação perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A audiência teve como objetivo debater os aspectos concorrenciais do mercado pet no Brasil. A ocasião contou com a presença de ONGs e diversas entidades que se colocaram contra e a favor da união entre as companhias. Em contato com a Petz, a empresa deu a seguinte declaração em relação a todo o processo feito pelo Cade sobre a fusão:

"As duas empresas [Petz e Cobasi] reiteram que o varejo pet é altamente pulverizado e fragmentado, conforme já atestado pela Superintendência-Geral (SG) do Cade em sua análise isenta e técnica. Portanto, não há sentido em falar em monopólio ou concentração de mercado. As companhias informam ainda que não existe uma investigação no Cade. Diante do ineditismo da operação, o Tribunal da agência antitruste pediu prorrogação de prazo para concluir a avaliação. As empresas permanecem confiantes que o Conselho do Cade vai ratificar a decisão da SG, uma vez que a empresa resultante da fusão terá menos de 10% de participação de mercado, que é caracterizado pela concorrência qualificada e combativa, com presença de lojas grandes, médias e pequenas, além de marketplaces", disse a empresa em nota exclusiva à Análise Editorial.

A fusão entre a Petz e Cobasi é monopólio?

A Petlove, uma das maiores companhias do setor pet brasileiro, posicionou-se contra essa fusão. Segundo a Petlove, a Petz e a Cobasi são rivais atualmente, e nenhuma outra empresa consegue se aproximar em estratégia ou marca. Contudo, um dos argumentos apresentados por Paulo Nassar é que, mesmo com a fusão, a Petz/Cobasi ocuparia apenas 10% do setor.

O livro Cade Mecum de 2021 contém as definições de monopólio. O documento diz que é possível presumir posição dominante se uma empresa, ou grupo, for capaz de alterar de maneira unilateral ou coordenad as condições de mercado, ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante. No entanto, esse percentual pode variar conforme o setor específico.

Para José Del Chiaro, sócio da Del Chiaro Pereira Advogados e eleito Mais Admirado no anuário ANÁLISE ADVOCACIA pela especialidade concorrencial, o percentual de mercado é um detalhe importante, mas não é o único. "É uma situação em que você precisa verificar se aquele grupo que se soma vai não só ter uma participação de mercado elevada, mas também impedir que surjam novas empresas, que elas se desenvolvam e que consigam competir."

Del Chiaro diz que, no parecer da Superintendência-Geral do Cade sobre o caso, existe uma barreira baixa para novas empresas entrarem no mercado pet. E mesmo quando entram, elas continuam crescendo, sem a opressão da existência de uma grande empresa. Na sua visão, ainda que as empresas se juntem, o mercado continuaria abastecido. O sócio da Del Chiaro Pereira Advogados acredita que essa operação terá o aval do Cade, mesmo com novas etapas.

Avaliação do Cade

O art. 36 da Lei nº 12.529/2011 (conhecida como Lei de Defesa da Concorrência) tem como objetivo definir as infrações à ordem econômica no Brasil. Em linhas gerais, são as práticas reconhecidas como anticoncorrenciais, que o Cade investiga e, caso necessário, pune. O artigo lista quatro tipos de condutas que configuram infração à ordem econômica:

  1. Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
  2. Dominar mercado relevante de bens ou serviços;
  3. Aumentar arbitrariamente os lucros;
  4. Exercer de forma abusiva posição dominante.

Como a própria nota da Petz/Cobasi diz, o mercado pet é altamente pulverizado, o que caracterizaria que a fusão, ocupando 10% do mercado, não seria caracterizada como monopólio. Eduardo Benetti, sócio de Benetti & Giammarino Advogados e eleito Mais Admirado na especialidade societário pelo anuário ANÁLISE ADVOCACIA, diz que a análise do Cade será holística, considerando o tamanho da fusão entre as empresas, e não apenas o quanto ela ocupará de mercado.

"O Cade vai observar a integração vertical e horizontal, impactos concorrenciais e a concentração de mercado, inclusive o impedimento da entrada de concorrentes. Obviamente, em termos de capacidade de compra dos produtos, uma marca como essa tem uma capacidade de compra muito maior. Consequentemente, ela consegue reduzir o preço e a margem nos produtos finais para o mercado", complementa Benetti.

Contudo, o sócio afirma que, nos últimos anos, houve uma mudança na visão do pet para com o seu dono. Segundo ele, o pet é tratado hoje em dia como um membro da família, e não apenas como animal de estimação. Essa mudança também impactou o setor, o que pode influenciar a investigação do Cade.

Poderá haver remédios antitruste?

Com a nova investigação em relação à operação da Petz/Cobasi, cria-se um possível cenário de implementação de remédios antitruste. Porém, não seria a primeira vez que isso acontece em um caso de fusão.

Em 2023, o Cade aprovou a compra da Garoto pela Nestlé, após quase 20 anos do veto inicial. Contudo, impôs remédios antitruste, previstos em um Acordo em Controle de Concentrações (ACC), para preservar a concorrência no mercado de chocolates brasileiro. Entre as medidas estão a manutenção da fábrica da Garoto, restrições a novas aquisições e monitoramento independente para garantir a concorrência.

Para Eduardo Moura, sócio e COO do Pironti+Moura, também eleito Mais Admirado no anuário ANÁLISE ADVOCACIA pela especialidade societária, a decisão do Cade se tornará um precedente importante para futuras fusões em setores de varejo altamente competitivos.

"Com o julgamento desta operação, o Cade tem a oportunidade de consolidar o entendimento de mercado relevante em um setor como o varejo. Para isso, vai estabelecer os critérios necessários para que se defina o mercado relevante, tanto do ponto de vista do marketshare, como do ponto de vista de integrações verticais, relacionamento com clientes, fornecedores e toda a cadeia produtiva envolvida", afirma o sócio e COO do Pironti+Moura.

No entanto, o Cade ainda pode aplicar remédios antitruste para aprovar a operação. Eduardo levanta as hipóteses de venda de ativos estratégicos das empresas, tais como participação societárias em outras empresas, linhas de produtos, marcas e outros. Isso pode chegar até mesmo na obrigação de cessão de contratos com fornecedores para concorrentes, assunção de obrigações de manter condições para que fornecedores e concorrentes tenham acesso ao mercado relevante, manutenção de preços por certo período, dentre outros.

Portanto, em um mercado tão competitivo como o pet, a decisão do Cade sobre a fusão entre Petz e Cobasi, pode se tornar um marco para o varejo nacional. Independente se for aprovada integralmente, ou com remédios antitruste, o desfecho dessa operação poderá ajudar na definição dos limites da concorrência dentro do mercado brasileiro, e até mesmo servir de referência para futuras operações no setor.

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