Em um movimento pioneiro para promover a equidade racial e combater o racismo no consumo, o grupo L’Oréal, em colaboração com o Movimento Pela Equidade Racial e BlackSisters in Law, lançou um inovador Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro. Esta iniciativa estratégica visa não apenas ampliar o debate sobre os direitos do consumidor negro, mas também fomentar uma reflexão profunda sob uma perspectiva afrocentrada.
A pesquisa que embasou a criação deste código de defesa do consumidor revelou a existência de 21 práticas consideradas racistas na jornada de compra do consumidor negro no mercado de luxo. Tais comportamentos, que se manifestam como discriminação, exclusão e inferiorização de pessoas negras em estabelecimentos de alto padrão, são agora explicitamente endereçados por esta importante publicação.
O principal objetivo do Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro é erradicar essas práticas discriminatórias e, simultaneamente, elevar a conscientização sobre o racismo no consumo, muitas vezes silencioso e invisibilizado. Além disso, o código estabelece diretrizes claras e concretas para que as empresas do mercado de luxo possam reconhecer suas responsabilidades e agir proativamente na construção de um ambiente de consumo mais justo e igualitário para todos os consumidores negros.
De acordo com Dione Assis, fundadora do BlackSisters in Law, a publicação desse código representa um passo importante para a inclusão e o reconhecimento das pessoas negras nas relações de consumo. "O Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro representa um avanço simbólico e prático. Para o público negro, ele oferece algo essencial: reconhecimento. Reconhecer que o racismo nas relações de consumo é real, frequente e estruturado é um primeiro passo para combatê-lo. Para a sociedade, essa iniciativa amplia a compreensão sobre equidade nas relações de mercado, evidencia o papel das empresas na promoção da justiça social e convida todos os atores, públicos e privados, a refletirem sobre seus processos, práticas e responsabilidades."
A Validade Legal e o Impacto do Código de Defesa do Consumidor Negro
Do ponto de vista jurídico, ainda que o Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro lançado pela L’Oréal não tenha força normativa, ele pode servir como ponto de partida para mudanças estruturais. "Embora o Código lançado pela L’Oréal não tenha força normativa, ele pode ser um instrumento poderoso de influência e referência para a construção de políticas públicas, diretrizes regulatórias e marcos legais específicos. É importante lembrar que o próprio Código de Defesa do Consumidor brasileiro já prevê proteção diferenciada para grupos cuja condição pessoal os torna ainda mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. Essas previsões mostram que o ordenamento jurídico reconhece que vulnerabilidades específicas exigem respostas específicas".
"Nesse sentido, é absolutamente legítimo, e juridicamente possível, que as desigualdades enfrentadas por consumidores negros também sejam reconhecidas e enfrentadas por meio de regulamentações mais específicas, seja via políticas públicas, resoluções administrativas ou mesmo legislação ordinária. Iniciativas como essa, quando adotadas por grandes empresas, ajudam a criar um ambiente favorável à transformação institucional e jurídica", acrescentou Dione.
Racismo Estrutural e o Papel Essencial das Empresas na Luta Antirracista
Embora ainda haja quem acredite que o racismo se manifeste apenas em episódios pontuais, o problema é muito mais profundo e cotidiano, inclusive nos contextos de consumo. Para Dione, é essencial romper com essa visão limitada. "É urgente romper com a ideia de que o racismo no consumo se resume a "casos isolados". O racismo é estrutural e isso significa que ele se manifesta cotidianamente em espaços considerados corriqueiros. A maioria dos casos de racismo registrados no Brasil acontece em contextos de consumo: em lojas, shoppings, farmácias, escolas, universidades, agências bancárias e outros ambientes onde a presença negra ainda é frequentemente associada à suspeição ou à inadequação".
Para Dione, é necessário que as empresas sejam mais conscientes e se posicionem num campo cada vez mais antirracista para combater tal crime. "As empresas, nesse cenário, não podem se furtar à responsabilidade. Não basta não serem racistas, é preciso adotar uma postura ativa e antirracista. Isso implica revisar processos internos, treinar equipes, estabelecer protocolos claros de atendimento, criar canais efetivos de denúncia e se comprometer com ações de reparação e inclusão. O mercado é um espaço de poder, e quem detém esse poder precisa utilizá-lo de forma consciente e transformadora".
Dione ainda pontua que a exclusão dos consumidores negros é prejudicial financeiramente às empresas. "Além disso, o racismo é também uma burrice do ponto de vista econômico. De acordo com o Instituto Locomotiva, 37% das pessoas nas classes A e B no Brasil se identificam como pretas ou pardas (a L'Oreal decidiu criar o Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro também após identificar que quase 40% dos seus consumidores de produtos de luxo se autodeclaram negros) — um dado que desmonta o estereótipo de que consumidores negros não estão presentes no topo da pirâmide de consumo".
"Ao excluir, subestimar ou mal atender essa parcela significativa da população, o mercado não apenas perpetua desigualdades como também ignora um enorme potencial de consumo, inovação e fidelização. Investir em inclusão não é apenas justo, é uma decisão estratégica e inteligente para qualquer empresa que queira crescer de forma sustentável no Brasil", finalizou Dione Assis.