A FGV (Fundação Getúlio Vargas) lançou a primeira pesquisa de Legal Ops do Brasil, a "Legal Operations: Perspectivas de inovação e gestão jurídica". Com o avanço tecnológico, especialmente pós-pandemia, aliado a uma característica peculiar do Brasil - a grande quantidade de processos judiciais, que segundo o último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em 2024, alcançou 84 milhões de litígios -, está impulsionando o desenvolvimento da área no mercado de serviços jurídicos do país.
A pesquisa Legal Operations: Perspectivas de inovação e gestão jurídica, realizada pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP, se dedicou a compreender as oportunidades e os desafios relacionados à criação e atuação do legal ops em escritórios e departamentos jurídicos brasileiros pela perspectiva da inovação jurídica. A pesquisa anterior do CEPI sobre habilidades e competências da advocacia já havia destacado a área, apontando-a como uma das principais criadas em escritórios nos últimos cinco anos.
O evento contou com a presença de Ana Paula Camelo, pesquisadora e gestora de projetos da FGV-SP; Marina Feferbaum, coordenadora de metodologia e novas tecnologias de ensino da FGV-SP; Flávio Franco, diretor-presidente do Jurídico Sem Gravata; e Paulo Silva, regional group leader da CLOC no Brasil.
O que é legal ops?
Também conhecida como Legal Operations, ou em português, operações legais, trata-se de uma função ou área estruturada, em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos, composta por uma ou mais pessoas responsáveis por um conjunto de determinadas atribuições, que podem ser operacionais e/ou estratégicas. As operacionais abarcam uma dimensão administrativa, a exemplo de tarefas de gestão, como realização de pagamentos e gerenciamento de fornecedores, e uma dimensão de otimização, com vistas a organizar e melhorar os processos existentes. As estratégicas buscam a maximização de resultados por meio de inteligência de dados, incorporação de tecnologias, legal design etc., dando suporte à prática jurídica. As atividades desempenhadas pelo legal ops também podem ser ofertadas enquanto serviços a terceiros, o que é conhecido como "legal ops as a service".
De acordo com as organizações participantes do survey realizado pelo CEPI para a construção do panorama do legal ops no Brasil, a criação da área ocorreu, especialmente, a partir de 2016, mas com muito mais incidência nos anos de 2020 a 2024. Entre os anos de 2016 e 2019, destaca-se a expansão em departamentos jurídicos, enquanto o movimento de emergência nos escritórios ocorre posteriormente, sobretudo entre os anos 2020 e 2024. Entre as organizações participantes, há poucos registros de implementações anteriores a esses marcos, sendo uma datada de antes dos anos 2000 e outra entre 2000 e 2010, conforme demonstra o gráfico abaixo
Criação da área de Legal Ops no Brasil
A pesquisa da FGV ainda se dedicou a compreender a motivação por trás da criação da área de legal ops nas organizações. Dentre os motivos mencionados, destacou-se a busca por otimização de recursos e aumento da eficiência, conforme indicado no quadro abaixo. O grande volume de processos judiciais nas organizações jurídicas brasileiras reforça essa busca. A alta judicialização e a cultura da litigância no Brasil favorecem sua expansão no país, pois exigem o gerenciamento de um grande número de processos, especialmente no contencioso de massa, além das áreas trabalhista e tributária. Além disso, a digitalização e as transformações tecnológicas e de gestão aceleram a necessidade de transmitir e assimilar informações de forma mais rápida e eficaz. O legal ops seria, então, uma espécie de ferramental para responder a essa demanda por rapidez.
Principais motivações para a criação da área de legal ops, segundo a pesquisa da FGV
Portas abertas para profissionais de outras áreas de conhecimento
A pesquisa da FGV ainda encontrou outros resultados relacionados ao funcionamento e formação da área de legal operations.
- O legal ops integra atividades, setores, tecnologias e parceiros, promovendo inovação jurídica pela gestão. Vai além das demandas jurídicas, incorporando tecnologia e gestão.
- Não há um padrão ou uniformidade entre as organizações que possuem a área ou funções atreladas ao legal ops. A área pode ter propósitos distintos, a depender do objetivo e momento de cada organização. Há atribuições mais operacionais (geralmente associadas ao backoffice) e outras mais estratégicas (envolvendo, por exemplo, inteligência de dados, desenvolvimento de negócios etc.).
- O legal ops reúne profissionais com ou sem formação jurídica e inscrição na OAB, atuando em equipes dedicadas ou de forma transversal. A área é interdisciplinar, contando também com especialistas em Administração, Economia, Engenharia e Ciência de Dados.
- O legal ops é visto por muitos como uma oportunidade de valorização dos (das) paralegais, apesar do avanço da automação. A justificativa seria que o legal ops incorpora uma abordagem estratégica a atividades antes tidas como meramente operacionais.
- Legal ops e controladoria jurídica não são sinônimos. Enquanto a controladoria se dedica a uma atuação mais financeira e de controle (de despesas, de prazos etc.), o legal ops vai além. A conexão entre as áreas varia de acordo com a organização. Em algumas organizações, o legal ops abarca a controladoria, enquanto em outras, ambas são instâncias paralelas e independentes.
- A tecnologia é uma parceira estratégica do legal ops, auxiliando na advocacia e na gestão. Apesar das preocupações com a automação e a substituição do trabalho humano, a pesquisa indica uma visão otimista sobre seu impacto. Os participantes a consideram um facilitador, pois acelera o processamento de informações, automatiza tarefas repetitivas e permite que advogados(as) foquem em atividades mais complexas e estratégicas.
Metodologia da pesquisa da FGV
Para a construção do panorama de legal ops no Brasil publicado pela FGV, foi realizado um survey para coletar informações de organizações que possuem uma área estruturada e/ou que, embora não possuam uma área formalmente chamada de legal ops, alegam possuir funções relacionadas. O survey contou com 91 respostas (30 escritórios de advocacia, 44 departamentos jurídicos e 17 lawtechs, legaltechs, consultorias ou outros tipos de organizações).
A pesquisa envolveu informações coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas com atores relevantes e engajados com o legal ops no país. Além disso, também contou com a pesquisa bibliográfica e estudos de casos aplicados com três grupos (escritórios, departamentos jurídicos e empresas que ofertam o legal ops como serviço jurídico). Veja a pesquisa completa.