Quando o escritório Vernalha Pereira, escritório Mais Admirado no ANÁLISE ADVOCACIA 2025, decidiu comemorar seus 25 anos, a última coisa que os sócios queriam era repetir a fórmula tradicional do mercado jurídico: fotos institucionais, depoimentos de advogados em ternos cinza e uma linha do tempo corporativa. Em vez disso, contrataram Dan Stulbach, ator, diretor teatral e apresentador da CBN, para narrar um manifesto poético sobre escolhas, jornadas e o verdadeiro significado do sucesso.
"A ideia é ter algo que vá romper com o padrão convencional do mercado jurídico", conta Luiz André Velasques, head de marketing do Vernalha Pereira. A decisão reflete uma transformação mais ampla que vem sacudindo o setor: o marketing jurídico brasileiro está deixando para trás décadas de conservadorismo autoimposto para abraçar estratégias que outros setores já utilizam há anos.
A mudança não é apenas estética. Ela representa uma ruptura filosófica com a ideia de que escritórios de advocacia precisam de um marketing especial, diferente do restante do mundo corporativo.
A morte do "marketing jurídico"
"O marketing jurídico morreu. Ou melhor, o termo 'marketing jurídico' como conhecemos se tornou obsoleto", provoca Gabriel Attuy, diretor da Secco Attuy Marketing Jurídico. "Essa expressão sempre foi uma construção artificial do nosso setor. O que existe, na verdade, é a aplicação de ferramentas e estratégias do marketing tradicional ao setor de serviços jurídicos, com algumas limitações pontuais impostas pelo Código de Ética da OAB."
A provocação de Attuy encontra eco na trajetória recente dos escritórios brasileiros. Paula Arabia, CEO da Arabia Comunicação e fundadora do LexHub, observa que "nos anos 2000, ele já existia, mas quase sempre de forma tímida e intuitiva. Era visto como uma atividade auxiliar, muitas vezes restrita à manutenção de relacionamento com clientes e eventos institucionais. Faltava linguagem, método e protagonismo."
O cenário mudou drasticamente na última década. "Os escritórios compreenderam que comunicar não é violar o Código de Ética, e sim traduzir valor. O marketing deixou o bastidor e passou a ocupar um papel estratégico", afirma Arabia.
O mito das limitações
Um dos principais obstáculos enfrentados pelo setor sempre foi a percepção de que as regras da OAB impediam inovações. Velasques discorda veementemente dessa visão: "Tem muito mito por trás do que não pode fazer dentro do Código de Ética. Nós temos muito mais oportunidades e possibilidades do que restrições."
Attuy vai além e compara o setor jurídico a outras indústrias reguladas:
A questão, segundo Velasques, está mais relacionada à interpretação do que é "sobriedade" — um dos requisitos do código de ética da OAB. "A sobriedade diz respeito muito mais ao tom que você vai utilizar para fazer a tua comunicação jurídica do que essencialmente a identidade visual", explica.
Da retrospectiva ao manifesto
A campanha dos 25 anos do Vernalha Pereira ilustra bem essa mudança de mentalidade. Em vez de olhar para trás, o escritório decidiu focar no futuro. "Nós precisávamos de um calendário um pouco mais conectado com o nosso propósito. O nosso propósito aqui no escritório é de um escritório que olha adiante, que sempre tenta se antecipar aos movimentos do futuro", diz Velasques.
O pocket filme produzido traz uma narrativa simbólica e metafórica, com três personagens — uma artista, uma musicista e um atleta de remo — representando os conceitos que marcaram as três décadas do escritório: "O Direito no Estado da Arte", que marcou os primeiros dez anos da marca. A segunda década é representada por uma musicista, inspirada no lema "Soluções Jurídicas em Movimento", símbolo de adaptação e transformação. Já a fase atual é retratada por um atleta de remo, que encarna o mote "Apontado para o Futuro", evocando a ideia de horizonte e continuidade. "Eu sinceramente nunca tinha visto um escritório jurídico em um vídeo comemorativo trazer uma abordagem nesse sentido", admite Velasques.
A escolha de Dan Stulbach como narrador foi estratégica. "Ele é o artista que consegue atender todos esses critérios, credibilidade, ter transitado por várias áreas da arte e principalmente por ser uma pessoa que hoje tem um programa muito bacana na CBN e que fala de forma muito constante com o público que a gente atende aqui no escritório, que em geral são tomadores de decisão em grandes empresas e organizações", explica o head de marketing.
A campanha vai além do audiovisual. O escritório está lançando um box com dois livros, mais de 700 páginas e 40 autores sobre direito dos negócios públicos e privados, além de outras ações que fecham o ciclo comemorativo.
As três tendências que moldam o futuro
Apesar de abordagens diferentes, os três especialistas convergem em algumas tendências fundamentais para 2025 e 2026:
1. Advogados como embaixadores de marca
"A consolidação dos advogados como embaixadores de marca — os canais pessoais no LinkedIn estão se tornando mais influentes que as páginas institucionais", aponta Attuy. Dados da Análise Editorial mostram que 96% dos escritórios mais admirados estão no LinkedIn, e os perfis pessoais dos profissionais geralmente geram mais engajamento que as páginas corporativas.
2. Conteúdo como autoridade, não frequência
"Conteúdo como autoridade, não como frequência: menos volume, mais profundidade e originalidade", destaca Arabia. A era da publicação frenética de posts genéricos está dando lugar a análises aprofundadas e posicionamentos autorais.
3. Integração entre comunicação e desenvolvimento de negócios
"O marketing aplicado ao setor de serviços jurídicos deixa de ser apoio para se afirmar como alavanca de crescimento e desenvolvimento de negócios", observa Arabia. Attuy é ainda mais enfático: "Muitos escritórios ainda tratam marketing e vendas como atividades separadas, o que é um erro estratégico grave — erro que, aliás, nenhuma empresa de tecnologia, consultoria ou serviços profissionais comete."
Métricas que realmente importam
Uma das mudanças mais significativas está na forma como os escritórios medem sucesso. Velasques é direto: "A nossa métrica de resultado é o próprio feedback dos nossos clientes. No final do dia, a opinião dos nossos clientes é muito cara para o nosso escritório." Para ele, "a melhor e mais eficaz forma de marketing é o senso de lealdade, porque o senso de lealdade faz com que os nossos clientes nos indiquem."
Paula Arabia vai na mesma linha: "As métricas mais relevantes não são apenas as que mostram alcance, curtidas ou número de seguidores, mas aquelas que refletem qualidade de percepção, relevância de público e avanço real de posicionamento."
Gabriel Attuy, que esteve no RD Summit 2025, traz uma perspectiva ainda mais radical: "As métricas de vaidade morreram. Tráfego, impressões, número de seguidores — essas métricas que dominaram o marketing digital por duas décadas perderam relevância." A razão? "Cerca de 50% do tráfego web hoje já é não-humano, composto por bots e automação. Medir sucesso por pageviews ou sessões é medir ilusão, não resultado."
Em vez disso, Attuy defende métricas como Share of Voice (quantas vezes o escritório é mencionado comparado a concorrentes), Share of Citation (quando advogados são consultados como fontes especializadas) e GEO — Generative Engine Optimization, a otimização para ferramentas de IA generativa. "Com a ascensão de ferramentas de IA generativa, é preciso otimizar para ser a resposta recomendada por ChatGPT, Perplexity, Claude e outros sistemas de IA — não apenas aparecer como link no Google."
As vantagens da especialização
Outro ponto de convergência entre os especialistas é a vantagem competitiva dos escritórios boutique no cenário atual. "Escritórios boutique e especializados geralmente têm vantagem competitiva significativa. Eles possuem nichos bem definidos, públicos mais específicos e mensagens mais direcionadas", afirma Attuy. "É muito mais fácil construir autoridade quando você se apresenta como especialista em Direito Penal Empresarial do que como um genérico 'full service'."
Arabia complementa: "Um escritório boutique tem agilidade, profundidade técnica e um discurso mais autoral. Isso exige uma comunicação que evidencie nichos de atuação, personalização e presença ativa dos sócios."
Para grandes bancas, o desafio é diferente. "Elas precisam comunicar expertise em múltiplas áreas simultaneamente, gerenciar dezenas de sócios com perfis diversos e manter consistência de marca através de diferentes práticas", explica Attuy.
Mas, para Arabia, há um denominador comum: "Em ambos os casos, o desafio é o mesmo: ser lembrado pelas razões certas, pelos públicos certos."
O resgate do atendimento personalizado
Paradoxalmente, em meio a tanta tecnologia e inovação digital, os três especialistas defendem que o futuro do marketing jurídico passa pelo resgate de valores quase artesanais: relacionamento próximo, atendimento personalizado e disponibilidade.
"O grande desafio para os próximos anos é resgatar o senso de personalização, resgatar o senso de atendimento de excelência para os clientes, resgatar o senso de disponibilidade", afirma Velasques. "Não adianta eu ter um branding muito bem feito e muito bem construído e o meu atendimento no dia a dia não refletir tudo aquilo que é pregado pela narrativa da marca."
Arabia vê isso como tendência central:
Inteligência artificial: aliada ou armadilha?
A integração da inteligência artificial é apontada como tendência irreversível. "A integração definitiva da inteligência artificial nas estratégias de comunicação, tanto para produção de conteúdo quanto para análise de dados, é algo certo", diz Attuy.
Mas ele faz uma ressalva importante: é preciso "evitar a 'sofisticação da preguiça' — usar tecnologia avançada para fazer mais do mesmo, só que pior."
Arabia destaca o uso estratégico de dados: "O que realmente diferencia o marketing jurídico atual é a tomada de decisão orientada por dados. Hoje usamos plataformas de inteligência de mercado para acompanhar movimentações empresariais, fusões, investimentos e balanços, o que nos permite antecipar oportunidades de pauta e comunicação estratégica."
O futuro é o presente em movimento
A campanha do Vernalha Pereira traz uma reflexão filosófica sobre o conceito de futuro que, de certa forma, resume o momento do marketing jurídico brasileiro. "Aqui no Vernalha Pereira nós pensamos um pouquinho diferente. Acreditamos na ideia de que futuro é o próprio presente em movimento", explica Velasques.
"Estar adiante não é só acelerar, mas é estar conectado com os desafios, com os negócios dos nossos clientes e eventualmente se antecipar a movimentos que acontecem no amanhã."
Essa visão parece capturar o espírito da transformação em curso: não se trata de adotar modismos ou copiar estratégias de outros setores de forma superficial, mas de reconhecer que escritórios de advocacia são, antes de tudo, empresas — e como tais, precisam de marketing profissional, estratégico e orientado a resultados.
Conselhos para quem está começando
Para escritórios que estão iniciando sua jornada no marketing digital, os especialistas são unânimes: comece com estratégia, não com ferramentas.
"Comece com clareza: o que o seu escritório representa? Quais causas você quer liderar? Qual dor você resolve melhor que os outros? Comunicação não começa com canal, começa com estratégia e foco", aconselha Arabia.
Attuy é mais incisivo: "O primeiro e mais importante conselho: não tente fazer tudo ao mesmo tempo. A ansiedade de 'estar em todos os lugares' leva à execução medíocre em todos os canais. É melhor ter presença excelente em duas plataformas do que presença morna em seis."
E ambos alertam sobre a tentação de fazer tudo internamente sem expertise adequada. "Marketing é ciência com mais de 50 anos de estudo, demanda formação específica e expertise dedicada. O tempo do advogado gera mais valor advogando", diz Attuy.
O que ficou para trás
Do retrato tradicional ao ex-ator da Globo, a jornada do marketing jurídico brasileiro revela menos sobre ferramentas e mais sobre mentalidade. O setor está, finalmente, superando limitações autoinfligidas e reconhecendo que pode — e deve — comunicar com a mesma sofisticação de qualquer outro segmento empresarial.
"Hoje, vemos uma transição nítida do improviso para a inteligência de mercado", resume Arabia. "As ações deixaram de ser pontuais ou dependentes de um sócio específico e passaram a seguir uma lógica de posicionamento, reputação e diferenciação contínua."
O futuro do marketing jurídico, ao que tudo indica, não pertence a quem investe mais em tecnologia ou contrata os artistas mais famosos, mas a quem conseguir integrar comunicação estratégica, atendimento excepcional e resultado para o negócio — exatamente como qualquer empresa de sucesso faz.
Attuy conclui: "O grande desafio é superar a abordagem ainda superficial de muitos escritórios. É preciso ir além de ferramentas isoladas e abraçar o que chamamos de marketing empresarial aplicado ao setor de serviços jurídicos: mais audacioso, mais criativo e genuinamente orientado ao desenvolvimento de negócios."
E quanto ao retrato tradicional de advogados sérios em ternos cinza? Ele ainda tem seu lugar — mas agora divide espaço com narrativas poéticas, metáforas visuais e até ex-atores globais narrando manifestos sobre o verdadeiro significado do sucesso. Afinal, como bem resume a campanha do Vernalha Pereira, o que realmente importa não é o destino final, mas a jornada de transformação contínua.

