Desde o boom das casas de apostas no esporte, especialmente no futebol, a relação dos jogadores com as bets tornou-se tema central de debate público. Essa questão vem sendo combatida firmemente pelo poder público e pelas instituições do meio. No entanto, pouca ou nenhuma atenção tem sido dada à relação dos colaboradores dos clubes com as apostas esportivas. O São Paulo Futebol Clube tomou a vanguarda sobre o tema e vem adotando regras rígidas para coibir apostas esportivas envolvendo seus colaboradores. Em entrevista exclusiva, Roberto Armelin, diretor de compliance do Tricolor Paulista, detalhou como o clube estruturou sua governança sobre o tema e apontou que a educação é mais urgente do que novas leis.
Atletas proibidos, funcionários com restrições
Segundo Armelin, o SPFC implementou uma Política de Prevenção de Apostas Esportivas antes mesmo da regulamentação oficial do setor no Brasil. A norma distingue claramente: proíbe totalmente que atletas apostem e impede que colaboradores apostem em eventos envolvendo qualquer categoria do clube.
"Há uma diferença, pois atletas não podem apostar, e colaboradores não podem apostar em eventos dos quais qualquer categoria do SPFC participe", explicou o diretor, referindo-se às partidas das equipes profissional, de base e demais categorias do clube.
Programa de Integridade e capacitação contínua
O São Paulo estrutura seu compliance de forma que ultrapassa as políticas escritas. Desde 2021, o clube mantém o PIT (Programa de Integridade Tricolor), que promove capacitações periódicas sobre temas variados relacionados à ética, compliance e respeito.
"Promovemos formas diversificadas de conscientização e preparação sobre temas variados de importância para o SPFC, o que certamente inclui ética, compliance e respeito", afirmou Armelin.
Punição dentro das quatro linhas
O diretor revelou ainda que o clube já precisou aplicar sanções a funcionários por descumprimento de normas ligadas à integridade, "Infelizmente sim, já aplicamos sanções, mas fazemos aplicando nossas normas internas pela ferramenta de Linha Ética (Canal de Relatos), que adota as melhores práticas de mercado, incluindo possibilidade de anonimato", disse o diretor.
As punições seguem as normas internas do clube, incluindo Código de Ética, Estatuto e políticas específicas. A ferramenta de Relatos e Consequências permite denúncias anônimas.
Legislação atual é suficiente, mas falta educação
Questionado sobre a necessidade de novas leis para regulamentar apostas envolvendo funcionários de clubes, Armelin foi categórico: a legislação vigente é suficiente. O artigo 26 da Lei nº 14.790/23 já disciplina quem não pode apostar e em que condições.
Para o diretor, o verdadeiro desafio está em outro campo. "Na minha visão, o que é fundamental e urgente é educação para todos, inclusive os menores de 18 anos (que são proibidos de apostar, logicamente)", destacou.
Armelin defende uma abordagem educacional ampla, que vá além de simples orientações sobre regras. "Educação no sentido mais amplo do termo, incluindo análise profunda da ludopatia, e outros temas como manipulação de resultados, corrupção e consequências jurídicas em todos os níveis para todos os envolvidos", completou.
Roberto ressalta a importância de discutir não apenas as apostas em si, mas seus impactos sociais e os riscos para a integridade do futebol brasileiro. O clube paulista, um dos mais tradicionais do país, posiciona-se como referência em governança esportiva ao estruturar políticas claras desde antes da obrigatoriedade legal. Com a explosão das plataformas de apostas online no Brasil nos últimos anos e os crescentes debates sobre manipulação de resultados, a experiência do SPFC pode servir de modelo para outras instituições do futebol nacional na construção de ambientes mais íntegros e transparentes.