Como os escritórios estão trabalhando a pauta LGBTI+? | Análise
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Como os escritórios estão trabalhando a pauta LGBTI+?

Conheça os cases das bancas Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), Serur Advogados e Machado Meyer Advogados

16 de August de 2021 8h

Falar sobre as questões relacionadas a população LGBTI+, tem se tornado cada mais importante e necessário. E essa ação não é diferente no universo jurídico, em que o trabalho em prol da diversidade e da inclusão está a cada dia mais constante, além da conquista de espaços por profissionais diversos que avança cada vez mais: dados da pesquisa exclusiva realizada pela Análise Editorial, durante a produção de seu especial sobre diversidade e inclusão, revelam que, das 192 bancas respondentes, quase 25% possuem de dois a cinco advogados autodeclarados LGBTI+. No entanto, os mesmos dados também mostram que ainda há um longo caminho a percorrer, tendo em vista que três em cada dez dos escritórios participantes apontaram não possuir nenhum profissional da sigla em seu quadro de funcionários e, dos que possuem, mais da metade não possui cargo de sócio.

Motivações

Por mais que um escritório tenha plenas noções de que é preciso trabalhar com políticas não discriminatórias, é fundamental ir além para fomentar a diversidade e a inclusão dentro da banca. Tais Carmona, sócia sênior e head da área trabalhista do Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), relata que a instauração de um comitê de D&I dentro da firma - do qual ela é presidente - acendeu o debate sobre a necessidade do escritório apoiar e ampliar seu comprometimento com grupos subrepresentados da sociedade, como refugiados e pessoas expostas a situações de vulnerabilidade, buscando tornar o ambiente de trabalho ainda mais diverso e inclusivo. Ela conta que a banca já possuía equidade de gênero e uma participação significativa de negros entre os profissionais (em comparação ao restante do setor jurídico), mas que o objetivo do comitê era criar pontes para que os profissionais pudessem chegar até o LBCA e se sentirem bem-vindos. Além disso, o escritório também já havia percebido que diversidade e inclusão são ativos fundamentais para a advocacia e para o ambiente global de negócios, e que a união entre fundamento moral e resultados práticos mostra como equipes com identidades e experiências diversas têm contribuído para soluções mais criativas.

Outro caso de escritório que se atentava aos pilares da diversidade e da inclusão desde sua criação, mas que entendeu que possuir um comitê voltado ao tema era necessário para promover mudanças práticas é o Serur Advogados. Felipe Caon, sócio das áreas de Estratégico Cível, Privacidade e Proteção de Dados da firma ressalta que um ambiente diversificado e inclusivo aumenta a integração entre todos, possibilitando maior aprendizado e transformando o ambiente de trabalho em um local acolhedor, seguro e que permite às pessoas se expressarem como realmente são. O sócio também é presidente do +Diversidade, comitê de D&I da banca, que foi criado em 2018 e marcou o Serur Advogados como primeiro escritório nordestino a ser signatário do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.

Investir em diversidade e inclusão não só proporciona resultados mais inovadores como também é uma das chaves para expandir a firma. O Machado Meyer Advogados compreendeu isso e, de acordo com Cristiane Romano, sócia com atuação no contencioso tributário e responsável pela unidade de Brasília do escritório, a estruturação do comitê de D&I os fez perceber que o ambiente tradicional de um escritório de advocacia poderia afastar pessoas LGBTI+, especialmente as que estivessem fora do padrão heteronormativo ou que possuíssem uma passabilidade maior, questão que se evidencia no caso de pessoas transexuais.

Primeiros passos

Tais descreve cinco pontos principais na inserção dos pilares de diversidade e inclusão na cultura do LBCA: criação de um programa para consolidar uma cultura de D&I e vencer o preconceito estrutural, com subcomitês para empoderar grupos socialmente minorizados; desenvolvimento do Click Diversidade, publicação que possibilita a disseminação de conceitos básicos para educar, orientar e sensibilizar as equipes; estabelecimento de um canal de compliance, pelo qual os profissionais podem fazer denúncias anônimas sobre qualquer conduta discriminatória ou inadequada aos valores e padrões de diversidade do escritório; promoção de webinares e summits regularmente para debater questões voltadas ao tema e a criação do Painel da Diversidade, para sintetizar todas as ações. Adicionalmente, ela destaca a realização de uma pesquisa interna para mensurar a percepção sobre a diversidade por parte dos profissionais do escritório, que hoje conta com 63% de mulheres, 40% de afrodescendentes e 10% de integrantes da comunidade LGBTI+.

O Machado Meyer Advogados também direcionou seus esforços para a criação do comitê de D&I com um sócio responsável por cada pilar (em seu caso os de gênero, LGBTI+ e PCDs), além da instauração de grupos de afinidade que fomentassem discussões sobre a pauta e conscientizassem os colaboradores. Cristiane enfatiza a importância do envolvimento da alta liderança e da área de Recursos Humanos do escritório nos assuntos do comitê, juntamente com os sócios atribuídos a cada pilar do programa, além do estabelecimento de orçamentos para a realização de ações de D&I e formação de parcerias com entidades externas, visando a troca de experiências.

Já no Serur Advogados, Felipe conta que os investimentos foram direcionados à organização de eventos sobre o tema, campanhas em datas de conscientização, incentivo aos integrantes da banca para produção de artigos que falassem sobre suas lutas, revisão das instalações da firma para entender se eram inclusivas e elaboração de uma cartilha de prevenção e combate ao assédio sexual. O sócio também pontua que, desde a criação do comitê, houveram aumentos significativos no número de mulheres na banca e, hoje, 70% dos cargos de liderança são ocupados por elas, enquanto o quadro geral de colaboradores atingiu quase 63% de presença feminina.

Resultados

A implementação bem-sucedida da diversidade e da inclusão na cultura organizacional da banca pode ser observada, principalmente, através dos próprios colaboradores. De acordo com a pesquisa especial, 78% dos respondentes afirmaram perceber um maior engajamento de seu time em iniciativas ligadas ao tema de D&I.  Neste sentido, o advogado sênior Vagner Araújo, que atua com Direito Imobiliário no Machado Meyer Advogados e que pôde contribuir com o desenvolvimento do grupo de afinidade LGBTI+ da banca, ressalta que uma firma de advocacia dedicada à pauta de D&I busca não tornar a diversidade de cada pessoa um fator de impedimento em sua evolução como profissional, diferentemente dos ambientes menos diversos, nos quais os profissionais integrantes da comunidade se preocupam com seus comportamentos, trejeitos ou até mesmo com a quantidade de informação pessoal compartilhada com os colegas de trabalho. Ele também lembra do receio que essas pessoas têm de não receberem uma promoção ou de não crescerem profissionalmente por não se encaixarem em determinado padrão.

Wilson José dos Santos Jr., advogado que atua com Direito do Consumidor no LBCA, frisa a importância dos comitês e dos subcomitês de D&I no engajamento dos profissionais do escritório com o tópico. Para ele, os benefícios não se restringem à identificação entre colegas semelhantes, mas faz com que eles trabalhem juntos para trazerem conteúdos, políticas e informações sobre a comunidade LGBTI+, tanto para os colaboradores do escritório quanto para o público externo. Wilson comenta, ainda, que isso contribui não apenas com a formação e desenvolvimento dos profissionais, mas também cria um espaço seguro para debater e implementar políticas inclusivas.

Advogados que tenham a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento total de um programa ou comitê de D&I conseguem pontuar, de maneira abrangente, as contribuições deles para as firmas jurídicas. É o caso de Loueine Chrystie de Lima Barros, advogada da área de Direito Digital e Proteção de Dados do Serur Advogados, que está na banca desde 2017 e pôde observar a evolução do projeto +Diversidade desde o início. Ela explica que investir em diversidade e inclusão gera um cenário "win-win" para todos, pois o ambiente profissional inclusivo concede aos colaboradores uma sensação de realização profissional, melhorando a saúde mental, autoconfiança e bem-estar; enquanto isso, os escritórios se beneficiam ao terem funcionários ainda mais focados e dispostos, evitando a fuga de talentos. A advogada também comenta que o programa valida sua identidade e demarca sua existência como colaboradora LGBTI+, o que é profundamente valoroso para ela, em virtude do usual apagamento histórico desses profissionais.

Os três advogados são enfáticos no mesmo tópico: a existência de um programa ou comitê de D&I num escritório, assim como a dedicação dele ao tema, são fatores determinantes no momento de escolher integrar uma banca jurídica, podendo inclusive ser até mais importante que a remuneração oferecida. A falta de uma cultura organizacional diversa, que promova as diferenças, é um forte indicativo de que o ambiente da banca é limitado no tratamento de questões inclusivas e pode acabar afastando talentos, pois a sensação de acolhimento contribui para a satisfação profissional dos colaboradores.

Transexuais e Transgêneros

Mesmo com os avanços na discussão sobre atuação dos transexuais e dos transgêneros no mercado de trabalho, estes públicos ainda possuem taxas muito baixas de contratação para empregos com carteira assinada. Dados do 1º mapeamento de pessoas Trans da cidade de São Paulo, realizado pela prefeitura, indicam que, das quase 1.800 pessoas entrevistadas, 58% realizam trabalhos informais ou de forma autônoma, com curta duração e sem contrato; 27% têm emprego formal com carteira de trabalho assinada e 10% desenvolvem atividades como microempreendedor individual (MEI). Por isso, é importante saber como as bancas estão se movimentando para contribuir com a mudança deste cenário, dando visibilidade à luta destas pessoas e pensando tanto em apoiar sua contratação quanto em medidas em prol dos transexuais, quando estes já fazem parte do quadro de funcionários.

O Grupo #1gualdade, do Machado Meyer Advogados, escolheu a empregabilidade trans como seu tema de trabalho deste ano, publicando um artigo jurídico com pautas relacionadas à situação atual e às diretrizes trabalhistas. A firma também promoveu um evento com Duda Salabert, mulher trans que foi a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte (MG) nas eleições municipais de 2020, além de anunciar vagas no site Trans Empregos e contratar profissionais transexuais. O Serur Advogados focou em mudar sua política de contratação, a fim de ser mais proativo na busca desses profissionais no mercado de trabalho, estabelecendo metas e procedimentos para aumentar o número de pessoas trans na banca. Já o LBCA acredita ter sido o primeiro escritório full service a contratar um advogado transgênero, que também é ativista da causa LGBTI+. A contratação ocorreu em 2018 e envolveu um trabalho interno entre todas as equipes, visando fazer com que o profissional se sentisse acolhido e seguro quando fosse integrado à firma. A presidente do comitê de D&I do escritório relata que, na entrevista de recrutamento e seleção, o sócio destacou não ter precisado explicar, pela primeira vez na vida, o porquê de ter nascido com nome feminino; isso fez toda a diferença.

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