A liberdade religiosa é uma das últimas fronteiras do universo da diversidade e inclusão. Num país altamente miscigenado e com uma grande pluralidade cultural, é natural que os ambientes profissionais reúnam colaboradores com diferentes religiões, ainda que o crença dominante no Brasil seja a católica: dados reunidos no final de 2019 e publicados em 2020 pelo Instituto Datafolha mostram que 50% dos brasileiros seguem essa prática religiosa. Em seguida, estão os evangélicos (31%) e os sem religião definida (10%).
Nos escritórios de advocacia, o cenário é semelhante. A pesquisa realizada pela Análise Editorial com 192 bancas, para a produção de seu especial sobre diversidade e inclusão, revela que 51% delas contam com funcionários católicos, enquanto quase quatro em cada dez possuem colaboradores evangélicos. Na sequência, estão os espíritas (38%), ateus (29%) e religiões de matrizes africanas (18%). Mesmo com a diversidade de crenças em seus ambientes, somente 42% das firmas jurídicas que possuem programas estruturados de D&I têm medidas dedicadas à liberdade religiosa, sendo o segundo pilar da diversidade menos abordados por elas; o primeiro é o geracional, que totaliza 7%.
Origens
Dentre os escritórios que decidiram incluir a pauta em suas iniciativas de D&I, está o Mattos Filho Advogados. Há dois anos, a banca desenvolveu o programa LiRe com o objetivo de oferecer uma melhor experiência de trabalho a seus profissionais religiosos, além de atrair talentos que estavam fora do mercado corporativo por receio de ter de renunciar às suas convicções. De acordo com Laura Davis Mattar, gerente de Diversidade, Inclusão e Cidadania Corporativa da banca, é preciso um ter uma atenção especial ao tratar dessa pauta nos programas de D&I, limitando qualquer proselitismo e, ainda, ser cuidadoso com crenças religiosas eventualmente conflitantes com outros pilares.
O Trench Rossi Watanabe também aborda o pilar da liberdade religiosa em suas iniciativas de D&I, organizando as medidas através do programa Move Religiões, criado em 2016 para promover discussões e conhecimento acerca das diversas religiões, além de outras questões mais amplas, ligadas à espiritualidade. Andrea Zoghbi Brick, sócia de contencioso cível e responsável pelo programa no escritório, acredita que viabilizar um fórum em que os colaboradores possam expor suas diferentes visões significa assegurar a criação de um ambiente seguro e livre de opressão, pautado pelo respeito ao próximo.
Estruturação
Dentre as medidas adotadas pelo Mattos Filho Advogados na composição do programa LiRe, estão a promoção de palestras com diversos líderes religiosos e a realização de um cine-debate com diálogos supervisionados. Após a exibição de uma sessão de filme, série ou documentário, os participantes se reúnem com um especialista da matriz religiosa abordada para debaterem o que foi compartilhado. Além disso, há um mapeamento de dias santos de cada religião, visando que sejam corretamente observados pelos profissionais de cada uma delas. No entanto, o sócio da área trabalhista e integrante do LiRe, Domingos Fortunato, enfatiza que o escritório não celebra nenhuma data religiosa, objetivando não criar discrepância e hierarquias entre os credos. No caso das datas católicas e evangélicas, ele explica que são cumpridos apenas os feriados religiosos incorporados no calendário nacional e, em outros casos, a Diretoria de Desenvolvimento Humano do escritório permite que qualquer profissional possa se ausentar do trabalho e de suas atividades em virtude de suas crenças.
Já o Trench Rossi Watanabe adota o envio de mensagens comemorativas, com caráter informativo, nas principais datas de celebração das várias religiões, com o propósito de trazer informações históricas sobre elas. A banca também permite as folgas em dias especiais relacionados às crenças dos colaboradores, e promove encontros periódicos nos quais os participantes podem conversar livremente sobre temas relacionados à religião e espiritualidade. Andrea afirma que os encontros contribuem para difundir as diferenças, desafios e peculiaridades de cada crença, ampliando os conhecimentos e gerando a possibilidade de um olhar mais inclusivo e empático à toda nossa comunidade. Ela conta que, muitas vezes, o grupo conta com a colaboração de algum participante externo que compartilha suas experiências e conhecimentos, ampliando a gama de debates.
Resultados
Os benefícios de promover simples rodas de conversa sobre liberdade religiosa no ambiente de trabalho se refletem nos próprios colaboradores, ajudando a desconstruir receios sociais. Keise Cristine da Silva Salvador, auxiliar jurídica do Mattos Filho Advogados e adepta do candomblé, afirma ter descoberto que as pessoas têm curiosidade sobre sua religião, mas também têm medo e vergonha de perguntarem acerca da crença por não saberem como abordar o assunto; durante as conversas, isso é facilitado. Ela relata, ainda, que o programa contribuiu para que ela identificasse muitas semelhanças entre sua religião e as outras.
No Trench Rossi Watanabe, a preocupação em permitir a ausência de funcionários em datas religiosas específicas é um fator importantíssimo para Juliana Libman, advogada do contencioso do grupo de IP Tech do escritório. Ela, que é adepta do judaísmo, conta que já atuou em bancas que não tinham a mesma atenção com feriados religiosos que o Trench Rossi Watanabe possui, o que faz com que ela se sinta muito mais livre e segura para exercer sua religião onde trabalha agora.
Veja também as medidas de outros escritórios de advocacia em D&I clicando aqui.