Dentre os pilares trabalhados no especial Análise Advocacia Diversidade e Inclusão, lançado no início de agosto, está o que aborda a equidade de gênero. É uma das frentes mais trabalhadas pelos escritórios que se dispõem a investir em D&I, de acordo com dados da pesquisa especial realizada pela Análise Editorial com 192 bancas. Destas, quatro em cada dez possuem um comitê ou programa de D&I estruturado, sendo que o pilar de equidade de gênero está presente em mais de 90% delas. Outra descoberta interessante do levantamento é que 80% das firmas participantes possuem mulheres à frente de áreas estratégicas, como Novos Negócios e Proteção de Dados.
Porém, o cenário não se repete quando olhamos para a alta diretoria das bancas de advocacia que responderam à pesquisa, em que apenas 36% têm advogadas em posições como CEO ou sócia-presidente. É possível observar que essa disparidade não é falta de oferta no mercado, uma vez que segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que atualiza diariamente a quantidade de advogados e advogadas registradas no país, indica uma maioria feminina entre os mais de 1,2 milhão de profissionais cadastrados. Torna-se necessária uma maior atenção à composição dos escritórios: estão promovendo a equidade de gênero no quadro de funcionários? Se sim, a preocupação se estende também aos cargos de liderança? As bancas estão buscando eliminar a desigualdade salarial entre homens e mulheres? São diversas dúvidas, que precisam estar constantemente nos holofotes das firmas jurídicas durante a concepção ou aprimoramento de seus programas de D&I.
O início
Querer a promoção da diversidade dentro de um escritório é importante, mas executar medidas práticas que fomentem esse aspecto é fundamental, pois é o que serve de exemplo para outras firmas. Isabella de Amorim Cardozo, sócia com atuação nas áreas de diversidade e customer satisfaction (CSAT) do Daniel Advogados relata que, há cerca de quatro anos, a banca foi certificada como "Women Owned" pela WEConnect International, única organização no país que avalia e formaliza se ao menos 51% de uma empresa pertence a uma ou mais mulheres; a banca, inclusive, tem Alicia Daniel-Shores como sócia majoritária e managing partner desde 2005.
Isabella conta que, desde então, passaram a frequentar fóruns de diversidade voltados à questões de gênero e perceberam que, embora ainda houvesse muito trabalho a ser feito, já haviam alcançado muitas mudanças orgânicas no tema, como a equidade de gênero no quadro de colaboradores(as), sócios(as) e líderes. Além disso, um alerta sobre as outras inteseccionalidades da diversidade foi aceso e o programa de D&I do escritório, o Daniel Plural, passou a ser construído.
Outra banca que há anos em fomenta a diversidade internamente é o Dannemann Siemsen Advogados, que desde o início de sua história tem mulheres em cargos de liderança. O escritório, que é ligado à agência de Propriedade Intelectual (PI) Dannemann Siemsen, estruturou seu programa de D&I com apoio da consultoria Conectar Diversidade e Inclusão para buscar tanto o fortalecimento da pauta, interna e externamente, quanto a implementação de novas iniciativas, focadas nos pilares de gênero, étnico-racial, LGBTI+, pessoas com deficiência (PcDs) e geracional. O pilar voltado ao gênero é trabalhado pelo projeto DS Elas, cuja principal idealizadora é Elisabeth Siemsen do Amaral, sócia da agência de PI homônima à banca. Ela explica que a iniciativa visa ampliar a troca de ideias e experiências entre mulheres líderes nos mais diversos setores, promovendo talentos femininos e representatividade.
Há também os casos de firmas advocatícias que precisaram ir além da ideia de ter apenas um bom ambiente de trabalho, instaurando medidas práticas para difundir a diversidade internamente, como foi o caso do Demarest Advogados. Luciana Tornovsky, sócia de M&A e head de Responsabilidade Social Corporativa e Marcia Cicarelli, sócia de Seguros e Resseguros e atual coordenadora do comitê D Mulheres, pontuam que o escritório possuía poucos negros, tinha mais homens do que mulheres na liderança e que os debates sobre questões ligadas à orientação sexual e identidade de gênero eram escassos. Para mudar este cenário e promover uma cultura organizacional mais inclusiva, foram criados comitês específicos para cada pilar da diversidade, sendo o primeiro deles o D Mulheres, que trata sobre a equidade de gênero. Posteriormente, a firma criou o D Raízes (étnico-racial) e o D Mais (LGBTI+), que integram o D Impacto, programa de D&I da banca.
Como começar?
Isabella explica que foi realizada uma pesquisa com um provedor externo para obter uma radiografia do Daniel Advogados, mapeando demografias de gênero, étnico-racial, LGBTI+, geracional e demais intersecções, identificando também o quão inclusivo era o ambiente de trabalho na perspectiva dos colaboradores(as) e quais grupos minoritários eles gostariam que fossem mais representados dentro do escritório. Assim, toda a estruturação do programa de D&I seria feita levando em consideração o que os funcionários pensavam.
Já no Dannemann Siemsen Advogados, Elisabeth conta que foram adotadas várias estratégias: ambientação dos consultores especializados em D&I com os diversos setores do escritório, reuniões com o departamento de Recursos Humanos, a fim de mapear a organização da banca, reuniões com a alta liderança e a equipe responsável pela implementação do programa para estabelecer as suas diretrizes e bases, além da elaboração de um questionário personalizado para a realização do diagnóstico de diversidade. A agente de PI também destaca a busca por parcerias com instituições para projetos de inclusão, como o Projeto Incluir Direito, que atua na formação, desenvolvimento e inclusão de jovens negros de baixa renda, estudantes de Direito, no mercado de trabalho. No caso do projeto DS Elas, Elisabeth adiciona que um programa de mentoria interna está sendo desenvolvido como forma de inspirar uma cultura inclusiva, que estimule o desenvolvimento e aumento da representatividade feminina na liderança, valorizando os talentos femininos do escritório.
No caso do Demarest Advogados, Luciana e Marcia relatam que o pontapé inicial foi reunir um comitê de sócias para fazer uma imersão no tema com estudos, participação em workshops e troca de experiências, ideia que foi prontamente aprovada e aperfeiçoada pelo Conselho do escritório, inserindo os times de Recursos Humanos e Comunicação no projeto. O programa foi dividido em duas fases: a primeira é uma conscientização geral (que é trabalhada permanentemente) dos colaboradores(as) por meio de palestras e treinamentos sobre D&I, enquanto a segunda é composta pela adoção e patrocínio de ações afirmativas que garantem o avanço dos públicos beneficiados, como a atração e contratação de talentos, a capacitação de profissionais e a progressão da carreira.
Resultados e benefícios
O planejamento definido permitiu ao Daniel Advogados implementar diversas medidas efetivas, como a eliminação de gaps salariais de gênero e raça, priorização de fornecedores comprometidos com diversidade e reformulações do código de conduta e políticas de recrutamento da firma, visando a manutenção inclusiva dos funcionários(as). A inserção da diversidade na cultura da banca se reflete nos números do escritório: mais da metade das colaboradoras são mulheres, com 41% delas sendo líderes, 48% ocupando o cargo de sócias e quase sete em cada dez delas integrando o time de estagiárias.
Carolina Schueler, sócia da área de marcas, afirma que as ações em prol da equidade de gênero tornam o ambiente do escritório muito mais agradável para uma mulher trabalhar do que o de um que não se preocupa com essa questão. Ela destaca que, além dos salários igualitários, a banca possui uma atenção especial para as colaboradoras que planejam ser mães: licença-maternidade de 180 dias, dez meses de estabilidade após o retorno e salas de amamentação internas. Carolina também enfatiza que ambientes profissionais não inclusivos tendem a ser menos abertos e receptivos, tornando-se verdadeiros limitadores de experiências dos funcionários e destacando ainda mais as organizações engajadas em questões diversas, que fomentam empatia e transparência entre líderes e liderados.
Já a implementação do projeto DS Elas no Dannemann Siemsen Advogados gerou, de acordo com Elisabeth, um aumento expressivo no envolvimento das sócias em projetos de D&I, não só internamente mas também em parcerias com instituições de ensino, projetos sociais, e associações nacionais e internacionais. Ela cita as sócias Cândida Ribeiro Caffé e Natalia Barzilai como contribuidoras ativas da pauta: Cândida é líder do programa de mentores da Women in Licensing Alliance (WILA), idealizado pela Licensing Executives Society International (LESI) e que auxilia jovens advogadas em outros países a se desenvolverem na profissão, enquanto Natalia atua ativamente no Comitê de diversidade da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI). Em dados, Elisabeth pontua que as mulheres representam 55% do quadro de advogados do escritório e 34% dos sócios, reconhecendo que ainda há trabalho a fazer para incrementar a diversidade e alcançar a equidade de gênero dentro da banca.
No Demarest Advogados, foi estruturada uma governança que garantisse a institucionalidade do programa de D&I, fazendo com que suas iniciativas reforçassem uma cultura organizacional inclusiva e estivessem contempladas de forma transversal no planejamento estratégico. Assim, a alta diretoria da banca tem o compromisso de efetivar as ações e desdobrá-las para todos os colaboradores, estimulando o engajamento de forma geral. Bruna Toledo, sócia da área de M&A da firma, pontua justamente a importância existente na aliança formada entre os funcionários e a liderança do escritório, que contribuiu para o tema alcançar a relevância merecida. Ela também comenta como o desenvolvimento do DMulheres a beneficiou: em 2020, participou de um programa de mentoria para advogadas seniores, com acompanhamentos periódicos e orientações específicas para o desenvolvimento de sua carreira e não simplesmente do trabalho realizado, como ocorre cotidianamente. Embora ainda haja uma diferença na quantidade de homens e mulheres no comando do Demarest Advogados, Luciana e Marcia afirmam que o objetivo é ter 50% de liderança feminina nos quadros de sócios, advogados seniores, diretores e gerentes até 2025.
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