No início de outubro, o estado do Paraná foi atingido por um tornado cujos ventos chegaram a 250 km/h. De acordo com estimativas da Defesa Civil, a cidade de Rio Bonito do Iguaçu teve a infraestrutura de sua zona urbana comprometida em 90%. Atualmente, existem estudos que comprovam um aumento significativo no número de desastres naturais no território brasileiro.
É o caso do estudo lançado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenada pelo Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em parceria com a Fundação Grupo Boticário.
Segundo o estudo, entre 1991 e 2023 houve uma taxa de aumento médio de 100 registros de desastres climáticos por ano. Na década de 1990, houve 6.523 eventos climáticos registrados, enquanto no período entre os anos de 2020 e 2023, foram 16.306 registros. E a projeção não é de diminuição.
Com esse cenário cada vez mais propício a desastres climáticos, as empresas têm se reposicionado estrategicamente e focado na gestão de riscos e continuidade de operações. Assim, surge o Plano de Continuidade de Negócios (PCN), que, apesar de ajudar na reconstrução dos processos internos, precisa ser estruturado em conjunto com o programa de seguros da organização para ser ainda mais efetivo.
PCN e seguros: por que eles devem andar juntos?
De acordo com o Relatório de Avaliação Global sobre Redução do Risco de Desastres (GAR), do Escritório da ONU para Redução do Risco de Desastres (UNDRR), o impacto macroeconômico de desastres naturais chega a US$ 200 bilhões anualmente. Considerando os custos em cascata e para os ecossistemas, esse valor sobe para US$ 2,3 trilhões. Ao avaliar esse panorama, é crucial que as empresas implementem um PCN eficaz, de modo que consigam se recuperar de forma mais estável.
Para Izabela Rücker Curi, sócia-fundadora do Rücker Curi - Advocacia e Consultoria Jurídica, por mais que as empresas tenham um PCN, se ele não estiver alinhado ao perfil de risco climático, a empresa fica exposta. Dessa forma, com essa construção conjunta, Izabela afirma que o seguro passa a desempenhar três papéis fundamentais dentro do PCN:
- Financiamento da recuperação: Indenização rápida, com redução no tempo de retomada das atividades da empresa.
- Transferência estruturada do risco: A empresa reconhece que não consegue arcar com o custo de um desastre natural e transfere essa parcela para o mercado segurador.
- Instrumento de viabilidade operacional: Possibilita que algumas operações retomem as atividades, caso o sinistro seja regulado sem entraves, agilizando o processo de normalização pós-desastres.
Como alinhar seguro com o PCN?
Para que o Plano de Continuidade de Negócios se integre a uma cobertura de seguros eficiente, a organização precisa fazer um risk assessment integrado. Dentro desse diagnóstico, é crucial considerar fatores como: localização dos ativos expostos; histórico climático; Interdependência entre unidades (cadeia produtiva interna); Impacto do tempo de inatividade; além de Pontos de fragilidade da infraestrutura.
Na visão de Rücker, as empresas atualmente não fazem esse tipo de diagnóstico, o que leva a uma contratação de pacote de seguros ineficaz. Com isso, as organizações ficam expostas, resultando em uma demora na execução do PCN em caso de desastres.
Coberturas estratégicas para o PCN
No mercado atual, existem coberturas específicas que podem se alinhar ao PCN das empresas, dando mais previsibilidade para o retorno das operações. Izabela aponta algumas das principais:
- Lucros Cessantes (LC) ou Perda de Receita: Indeniza empresas pelos ganhos que deixam de obter ou pela receita perdida devido a um sinistro coberto. O segurado precisa apresentar documentos financeiros que comprovem a perda razoável de lucro ou receita.
- Despesas com recomposição de registros: Cobre os custos de restauração ou substituição de documentos, arquivos e registros importantes (sejam físicos ou digitais) danificados ou destruídos em um sinistro coberto.
- Custo de reimplantar a operação em outro local: Geralmente incluída em coberturas de "Despesas com Instalação em Novo Local" ou parte da cobertura de "Lucros Cessantes" / "Interrupção de Negócios". Cobre custos como mudança, novas instalações, adaptações e, às vezes, aluguel temporário.
- Despesas extraordinárias (energia, estrutura provisória, transporte): Cobertura adicional (Despesas Extras) que garante um valor para cobrir gastos urgentes feitos pelo segurado com o objetivo de minimizar perdas ou reduzir o tempo de paralisação após um sinistro.
Cláusulas potencialmente problemáticas
Apesar da construção conjunta do PCN alinhado à seguradora, é possível que a empresa ainda tenha o sinistro negado. Daniela Poli Vlavianos, advogada do ÁRMAN Advocacia, especializada em seguros, aponta que existem cláusulas que podem ocasionar essa situação.
"A negativa de sinistro costuma decorrer da interpretação estrita das condições gerais da apólice. Mesmo diante de danos materiais comprovados e decretação de calamidade pública, é comum que seguradoras aleguem ausência de cobertura específica para o tipo de evento, descumprimento de obrigações contratuais ou falhas na mitigação do risco", complementa Daniela.
Para a advogada, as cláusulas consideradas mais problemáticas são as de exclusão e de limitação de responsabilidade, principalmente quando redigidas de forma genérica. Ela também aponta que, em seguros empresariais, são frequentes as exclusões relacionadas a eventos climáticos. Além disso, cláusulas que exigem comprovação de manutenção preventiva, planos de ação ou certificações específicas também podem gerar controvérsia.
Daniela afirma que cláusulas que reduzem direitos precisam ser claras para diminuir litígios. Com isso, a advogada explica que a melhor forma de negociação é a leitura minuciosa da apólice com a ajuda de uma assessoria jurídica especializada, além de levar em consideração outros fatores.
"Também é recomendável que o contrato inclua previsão sobre casos de calamidade pública, mecanismos de acionamento simplificado e parâmetros transparentes para comprovação dos danos. Além disso, a empresa pode solicitar que o texto da apólice reflita o seu PCN atualizado, facilitando a indenização em caso de sinistro", afirma Daniela.
O papel do compliance
Adriana D'Avila Oliveira, sócia titular da Advocacia Correa de Castro e secretária geral da OAB/PR diz que o compliance também tem um papel crucial no PCN. Para ela, é preciso mapear fornecedores e verificar se eles possuem capacidade econômica e estrutura para manter a linha de produção operando, mesmo após calamidades climáticas.
A sócia titular aponta que esse é um ponto de choque, porque, caso essa estrutura de fornecedores seja frágil, é possível que a seguradora negue o sinistro, sob a alegação de que a empresa não tomou o cuidado necessário ao escolher seus fornecedores.
Para que isso não ocorra, Adriana recomenda que a empresa tenha todos os registros sobre os processos e realize uma checagem anual pelo setor de compliance, de forma que seja possível atestar que a empresa cumpriu todos os requisitos para o acionamento do seguro.
"Se porventura acontecer algo imprevisível e grave que impeça a minha operação, e eu sofrer danos, desde que eu tenha feito a minha tarefa de casa, vou receber o seguro. E se tivermos que discutir isso na justiça e eu puder provar que fiz tudo que estava ao meu alcance, provavelmente o judiciário irá mandar pagar", diz Adriana.
Portanto, para que seja possível se preparar para eventos climáticos, as empresas devem ter um Plano de Continuidade de Negócios que se adeque à sua realidade e, principalmente, esteja alinhado com uma cobertura de seguros eficaz. Dessa forma, é possível superar desastres de maneira mais fluida e com impacto mínimo tanto para as empresas quanto para a economia local.

