No final do ano de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação do Projeto de Lei n° 4391/2021, de autoria do Deputado Federal Carlos Zarattini. Tal proposta regulamenta a atividade de "lobby" no Brasil.
Em atendimento à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), quer o Estado Brasileiro caminhar na mesma direção que diversos outros países, no que tange à necessidade (tardia) de regulamentação dos interesses entre o particular e a administração pública.
Sim, pois, países como Estados Unidos - referência quando o assunto é lobby-, Austrália e Alemanha já regulam a prática dessa atividade há tempos.
Na América Latina, Chile, Colômbia e Peru, também já demonstraram preocupação com a regulamentação da atividade.
No Brasil, por sua vez, a atividade até hoje não existe formalmente. Pelo contrário, costuma ser vista como algo negativo e obscuro, quase sempre atrelada a escândalos de corrupção. Praticar "lobbyng", portanto, no nosso país, é comumente equiparado a práticas criminosas como corrupção, advocacia administrativa e tráfico de influência.
Isso porque sempre se associou a atividade do lobista aos interesses do particular que o contrata, detentores de poder econômico, os quais, claro, necessitam da aprovação de pautas em seu favor.
Mas seria possível a influência do particular junto à administração pública de forma licita? Em tese, sim, e a regulamentação dessa atividade serviria justamente para dar transparência à atuação do particular junto a agentes públicos, influenciando-se em processos decisórios da Administração Pública de maneira legal.
Na prática, a bem da verdade, a atividade já existe, é uma realidade. Diante disso, certamente é melhor tratá-la - regulamentando-a - a fechar os olhos, estigmatizando-a. Afinal, ao revés de ser um problema, pode a atividade ser uma verdadeira solução.
Só assim será possível estabelecer limites e criar um panorama com regras, metas e punições para os praticantes e agentes envolvidos, tornando a atividade fiscalizada e eficaz.
Nesse sentido, é impossível afirmar se a regulamentação diminuirá o desconforto em relação à atividade. Mas, certamente, poderá se estabelecer maior transparência na condução das influências em processos decisórios, o que, por sua vez, aperfeiçoaria o trâmite e - quem sabe - até mesmo as pautas por ocasião tratadas.
Fato é que um primeiro passo foi dado. O projeto de lei aborda as angústias iniciais das desconfianças sobre o "lobby". É o que se nota, por exemplo, ao examinar o dispositivo que determina a aplicação de infrações aos servidores públicos e ocupantes de cargos na administração - de advertência/multa até a demissão ou exoneração.
Não fosse só, o projeto ainda prevê que as interações entre os agentes públicos e representantes de interesses deverão publicar, de forma transparente, os dados sobre suas interações - quase que uma prestação de contas sobre o conteúdo das conversas realizadas, ausente qualquer preocupação com privacidade dos seus interlocutores
Por outro lado, também é fato que nem todos os players, de diferentes setores da sociedade, possuem a mesma condição econômica e estrutural para promover o "lobby" em seu favor, resultando em desigualdade
Há, portanto, ainda muito a se considerar e analisar. Justamente por isso é de extrema importância a análise do tema pelo Senado Federal e até mesmo a participação da sociedade civil no debate.
De todo modo, uma conclusão é certa: a regulamentação da atividade combaterá, de uma vez por todas, a clandestinidade das condutas entre o particular e o poder público, trazendo transparência sobre as intenções do lobistas e integridade à conduta, ao se impor limites. A exigência de atuação ética por parte dos envolvidos, com toda certeza, trará influência em pautas importantes para o Congresso Nacional.
1 Em substituição ao PL n.º 1202/07, de autoria do Deputado Federal Lafayette de Andrada, o projeto agora encontra-se no Senado Federal para encaminhamento final.
2 Por conta de regulamentação da questão ainda no ano de 1946.
3 Na Austrália, a prática foi regulamentada em 1983, mas só exigia o cadastro dos lobistas, no entanto, o cadastro foi abandonado e inutilizado, criando a necessidade da criação de um código de conduta para os lobistas em 2008. Na Alemanha, a princípio, a exigência consistia apenas na identificação das pautas e seus representantes e apenas em 2022 que passou a vigorar uma lei para regulamentar, efetivamente, a atividade de lobby.
4 Lei n. 20730 que regulamenta a atividade de lobby no Chile: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=1060115
5 Lei n. 1474 que regulamenta a prática de lobby na Colômbia: http://wsp.presidencia.gov.co/Normativa/Leyes/Documents/ley147412072011.pdf
6 Lei n. 28.024 que regulamenta a atividade lobby no Peru: https://observatorioplanificacion.cepal.org/es/marcos-regulatorios/ley-28024-de-gestion-de-intereses-de-peru
Pedro Beretta é advogado criminal, pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal, e sócio gestor do escritório Höfling Sociedade de Advogados.
Gabriele Ribeiro é advogada criminalista, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogada do escritório Höfling Sociedade de Advogados.
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