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Um projeto social e a contribuição com a formação profissional

Por Felipe Costa Rodrigues Neves, associado internacional do escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, LLP

5 de August de 2020 8h

O Projeto Constituição na Escola é uma ONG que promove aulas, palestras e conteúdo sobre a Constituição Federal e civilidade para alunos da rede pública. Hoje, atendemos presencialmente mais de 25 mil alunos por ano em mais de 120 escolas públicas em São Paulo e em Salvador.

A intenção nunca foi criar um projeto social com abrangência nacional, mas realizar uma pequena iniciativa que começou em 2014, em uma única escola, e teve consequências que eu jamais poderia imaginar.

Primeiramente, acredito que o projeto ganhou relevância devido ao momento social e político que vivemos. Impeachment, manifestações, PECs, prisão em segunda instância, entre outros, tornaram-se temas que, cada dia mais, eram e ainda são discutidos nos noticiários e nas redes sociais. Temas que têm como base a Constituição Federal não são ensinados nas salas de aulas, mas impactam diretamente na vida de quem depende do Poder Público e que, se explicados de maneira imparcial, podem contribuir com o desenvolvimento social do Brasil e com o voto consciente.

Em segundo lugar, destaco a metodologia que criamos. Dar aulas sobre civilidade e a Constituição não é nada novo, muitas pessoas já pensaram em fazer isso e já tentaram inclusive. Contudo, nossa metodologia é baseada em transformar e traduzir o texto legal em algo simples, atual, fácil de ser entendido e divertido. Nossos voluntários são jovens, recém formados, em sua maioria, que naturalmente desenvolvem um diálogo mais próximo e mais fácil com os alunos, seja pelo jeito de falar ou, até mesmo, de se vestir. Isso cria, ainda que indiretamente, uma proximidade com os alunos que não é comum no conceito "tradicional" de professor.

Além disso, criamos a Olimpíada Constitucional: uma competição entre os jovens da rede pública, com perguntas sobre a Constituição Federal e civilidade, premiando os participantes com notebooks e bolsas de estudos para cursos pré-vestibular. Até hoje, já premiamos 48 alunos - muitos estão cursando Direito em universidades como USP, PUC-SP e Mackenzie. Essa foi a ideia para deixar a matéria divertida, alinhando o ensino da Constituição Federal com prêmios e oportunidades de estudo aos alunos, para fazê-los entender que a educação pode servir de porta de entrada para mudar a realidade em que vivem.

A importância do voluntariado

Para construir um projeto desse tamanho e relevância, sempre contei com a ajuda de muita gente. Primeiro, e mais importante, dos voluntários. Eles acordam às 5 da manhã, cruzam a cidade para chegar nas escolas públicas e depois de três horas dando aula, chegam no escritório para trabalhar. Isso para não falar dos inúmeros finais de semana que passamos organizando ações e desenvolvendo conteúdo. Esses colaboradores espontâneos fazem parte de uma geração que não se contenta apenas com posts nas redes sociais, por exemplo. É uma geração que decidiu ir além e efetivamente trabalhar para o desenvolvimento da sociedade.

Além disso, todos os escritórios em que trabalhei, sem exceção, sempre fomentaram e incentivaram essa iniciativa. O apoio foi, desde ajuda financeira para o projeto ao apoio institucional, reconhecendo a relevância do que estamos fazendo. Essa é uma tendência cada vez mais evidente em quase todos os grandes escritórios de São Paulo, onde atuamos. A maioria dos advogados que contribuem com a gente relatam que os escritórios em que trabalham estimulam a participação deles em iniciativas como essa.

No entanto, o voluntariado pode ir muito além da função social do advogado. A pró-atividade de criar, organizar e participar de ONGs, como o Projeto Constituição na Escola, pode funcionar indiretamente como uma escola para seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Dar aula para cerca de 100 adolescentes às 6 da manhã e manter todos engajados não é uma tarefa fácil. Aprender a falar em público e perder a vergonha de se comunicar com alguém que, muitas vezes, não quer ouvir o que você está falando não é ensinado na faculdade.

Explicar as leis de forma simples e objetiva, no menor tempo possível, é algo difícil. Na vida profissional, cada vez mais, os clientes buscam por esse tipo de explicação e treinar essa habilidade, ainda que comece pela nossa Constituição, também é algo que é muito aproveitado pelos nossos voluntários em seus respectivos trabalhos.

Durante a pandemia e o isolamento social, criamos, em poucos dias, uma campanha de arrecadação financeira, de tablets e notebooks, para socorrer os alunos da rede pública que não tinham um aparelho para continuar estudando de casa. Criar uma campanha para arrecadar dinheiro, negociar com fornecedores e alinhar toda a logística de entrega com as escolas públicas, não é nada simples e, com certeza, também ensinou muito para todos que contribuíram apenas pelo ganho da experiência. O resultado foi uma ação que arrecadou mais de 120 mil reais e cerca de 1200 equipamentos.

Os reconhecimentos que tivemos do Ministério da Justiça e do próprio ex-presidente dos EUA, Barack Obama, são resultado da necessidade do ensinamento da Constituição Federal nas escolas públicas, alinhada a uma metodologia de ensino inovadora. Atualmente, temos mais interessados em contribuir do que vagas disponíveis. Tamanha disponibilidade de voluntários ilustra bem a importância de iniciativas como essa e os inúmeros benefícios que elas podem gerar, não só para a sociedade, como para os próprios profissionais que doam seu tempo e esforços.

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