TRF-2 garante análise de recursos com emendas antigas | Análise
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TRF-2 garante análise de recursos com emendas antigas

Por Gabriel Di Blasi e Paulo Armando Innocente de Souza, respectivamente sócio-fundador e advogado do Di Blasi, Parente & Associados.

7 de August 17h09

Por ocasião do julgamento das apelações nos Mandados de Segurança de nºs 5020498-23.2024.4.02.5101 e 5020264-41.2024.4.02.5101, a 2ª Turma Especializada do TRF/2 entendeu assistir razão às empresas impetrantes, depositantes de pedidos de patentes, no que diz respeito à consideração e exame de emendas ao quadro reivindicatório formuladas em recurso administrativo ao INPI, interpostos antes da vigência da Portaria INPI nº 10/2024, vigente a partir de 02/04/2024, que veio a restringir a possibilidade de emendas às reivindicações em sede de recurso.

No primeiro caso, o Tribunal reformou parcialmente a sentença que denegou a segurança à impetrante, mantendo, entretanto, a negativa quanto à decisão do recurso dentro do prazo de 60 dias; no mesmo sentido, a Turma julgadora manteve a sentença no segundo caso, que já havia concedido a segurança quanto à análise das emendas para outra depositante na mesma situação.

O cerne da controvérsia dizia respeito ao fato de que, tendo seus pedidos de patente indeferidos em primeira instância administrativa do INPI, as empresas interpuseram recursos administrativos com emendas aos seus quadros reivindicatórios com o objetivo de superar os óbices apontados pela Autarquia. Contudo, na pendência de decisão sobre os recursos, sobreveio nova diretriz de exame em grau recursal, consolidada na Portaria INPI nº 10/2024, que restringe sobremaneira as possibilidades de emenda ao quadro em recurso, havendo fundada dúvida se o regime de transição trazido na portaria implicaria retroação dessas diretrizes para atingir as emendas em recursos já interpostos e pendentes de exame.

Antes regidos pela Resolução nº 93/2013, as emendas feitas pelos depositantes de pedidos de patentes em sede de recurso eram consideradas normalmente pelo examinador do INPI em segundo grau. Porém, a nova regra trouxe o instituto da preclusão administrativa para impedir que depositantes inovassem em grau recursal, ao argumento de que isto evitaria novos backlogs na segunda instância de exame, bem como evitar que depositantes venham a fazer emendas antes solicitadas pelo INPI somente quando da interposição de recursos, o que, em alguns casos, descaracterizaria totalmente o quadro inicialmente proposto.

A questão sobre as novas regras se iniciou, na seara de patentes, com a vinda dos Pareceres n.º 00016/2023 e 00019/2023, de lavra da Procuradoria Federal em resposta a consultas feitas pelo INPI. Os pareceres opinaram pela restrição à possibilidade de emendas ao quadro reivindicatório em recurso, pois isto configuraria inadmissível inovação recursal, ainda que feito com redução de escopo, caso não tenha havido atendimento adequado às exigências na primeira instância.

Assim, as discussões que se seguiram ao despacho decisório da Presidência do INPI, que conferiu força normativa aos pareceres, culminou na edição da Portaria INPI nº 10/2024, que, em respeito às dúvidas da comunidade jurídica, objetivou aclarar a questão e regular a matéria das emendas em sede recursal.

Esses esclarecimentos trouxeram exceções e critérios para admissibilidade de emendas recursais, como, por exemplo, a admissão de modificações demonstrando nexo causal direto com o óbice técnico apontado, desde que sejam restrições lógicas e derivadas do pedido original.

A nova regulamentação previu exigências nos recursos, caso houvesse inadequação formal, mas sem permitir novas emendas após o prazo. Contudo, o mais preocupante para os depositantes foi a adoção de um regime de transição específico para recursos interpostos até 01/04/2024, com admissibilidade condicionada à demonstração de impossibilidade técnica na adequação às novas diretrizes ou erro formal na decisão de primeira instância. Com isso, a partir de 02/04/2024, às depositantes-recorrentes seria facultado apresentarem aditamentos aos recursos interpostos antes dessa data.

Diante desse cenário de iminente prejuízo aos depositantes que, por demora do INPI, tiveram seus recursos ainda pendentes de análise e decisão quando da entrada em vigor da nova portaria, houve a adoção da estratégia de impetrar uma série de Mandados de Segurança para cada caso específico de clientes nesta situação, almejando obter da Justiça Federal determinação para que o INPI analisasse as emendas feitas nos recursos interpostos sob regramento da Resolução nº 93/2013, que era mais permissiva com a faculdade de emendar.

Os writs argumentaram que não seria possível retroagir nova interpretação normativa, o que violaria frontalmente dispositivos legais, bem como não seria possível retirar dos depositantes um direito adquirido na seara processual administrativa, pois são atos processuais já consumados. Além disso, dado que a controvérsia se instaurou devido à mora do INPI no exame dos recursos, houve pedido para exame dos recursos dentro do prazo de 60 dias, com amparo nas disposições da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e na Lei Geral de Processos Administrativos em Âmbito Federal (Lei nº 9.784/99).

Quanto ao primeiro mandamus, a 31ª Vara Federal denegou a segurança, sob o fundamento de que "não houve ato concreto ou específico da autoridade impetrada aplicando ao recurso administrativo da impetrante as [novas] diretrizes"; ao passo que, no caso idêntico da outra impetrante, a 12ª Vara Federal concedeu parcialmente a segurança, mas fazendo ressalva sobre inexistir direito adquirido ao processamento do recurso administrativo com base nas antigas diretrizes, o que impediria a impetrante de realizar novas emendas em recurso. Foi negado, nos dois casos, o pleito por decisão dos recursos pelo INPI em 60 dias.

Ambos os casos tiveram apelações interpostas e, em julgamento da 2ª Turma Especializada do TRF/2, sob a relatoria do Desembargador Federal Wanderley Sanan Dantas, prevaleceu o entendimento do nosso escritório sobre o direito dessas empresas de ter as emendas, feitas em recursos interpostos antes de 02/04/2024, analisadas pelo INPI sem a necessidade de aditamentos, adequações ou justificativas de impossibilidade técnica.

O Desembargador Relator, que foi seguido unanimemente pelos demais magistrados, em seu voto na apelação nº 5020498-23.2024.4.02.5101, entendeu que "Da forma como redigida a regulamentação, não há garantia ao depositante-recorrente de que seu recurso será analisado de acordo com as diretrizes anteriores", o que pode "levar à interpretação de que na hipótese de não haver adequação, o recurso não será conhecido ou provido", concluindo ser cabível a impetração pois "Não havendo clareza quanto à não aplicação das Novas Diretrizes aos recursos já interpostos, entendo presente o justo receio de violação dos direitos da depositante-recorrente, pelo que cabível a propositura de mandamus para resguardar os direitos da parte".

Superada a questão do cabimento, o Relator também foi seguido quanto ao entendimento de que "o INPI deva conhecer e apreciar as reivindicações apresentadas no momento da interposição do recurso administrativo sem aplicação das Novas Diretrizes, eis que anteriores à nova orientação administrativa", reformando a sentença para conceder parcialmente a segurança "para que as Novas Diretrizes não sejam aplicadas no conhecimento e análise das reivindicações apresentadas no recurso interposto antes de sua vigência".

No entanto, o Relator filiou-se ao entendimento de que não seria mais possível promover novas alterações nas reivindicações sob a égide das diretrizes anteriores, pois "não há direito adquirido a processamento de recurso administrativo com base nas antigas diretrizes", de forma que, como dito pelo INPI, "Eventual alteração deste quadro reivindicatório no futuro seria outro ato processual que não se confundiria com o recurso", o que também guiou o julgamento da apelação nº 5020264-41.2024.4.02.5101, pela mesma Turma e Relator, mantendo a sentença que concedeu parcialmente a segurança nos mesmos moldes do citado acórdão.

Em que pese os recursos de apelação tenham levado o argumento de que esta ressalva sobre emendas futuras sejam extra petita - não teria sido debatida nos autos dos Mandados de Segurança - a concessão parcial consolida o êxito na estratégia adotada, que objetivou assegurar aos depositantes, em cada caso concreto correspondente a seus pedidos de patente em grau recursal do INPI,  o direito de ter as emendas analisadas conforme as diretrizes mais permissivas, sob a qual os recursos foram interpostos, e não sob o risco de serem desconsideradas por força da redação da Portaria INPI nº 10/2024.

Por fim, anota-se que a estratégia contou com 13 Mandados de Segurança impetrados em 01/04/2024, dos quais 9 tiveram a segurança concedida para determinar a consideração das emendas do quadro reivindicatório em grau recursal, tendo o entendimento da 2ª Turma Especializada contribuído para que os mandamus com apelações pendentes de julgamento tenham a segurança também concedida neste ponto, entendido o cabimento do writ.

Importante destacar, outrossim, que os Mandados de Segurança não ambicionaram compelir o INPI a conceder as patentes, mas tão somente analisar as emendas apresentadas nos recursos. Dito isso, dos pedidos objeto dos Mandados de Segurança, 7 já tiveram seus recursos analisados, tendo 5 já resultado em patentes concedidas por exame do INPI em grau recursal, reformando decisões da primeira instância administrativa.

Gabriel Di Blasi é sócio fundador do Di Blasi, Parente & Associados, com 38 anos de experiência como advogado, agente de propriedade industrial e engenheiro industrial. Gabriel possui ampla experiência em questões nacionais e internacionais, incluindo patentes, desenhos industriais, segredos de negócios, cultivares, contratos de licenciamento e franquia, além de gestão de tecnologia e inovação. Sua atuação penal e em litígios abrange diversos setores, como agronegócio, indústria farmacêutica, dispositivos médicos, saúde animal, agroquímicos, tecnologia verde, biotecnologia, telecomunicações, mecânica, petróleo e gás, entre outros.

Paulo Armando Innocente de Souza é advogado do Di Blasi, Parente & Associados.  Possui 14 anos de experiência em propriedade intelectual, especialista em Direito Processual Civil e mestrando pela USP, tendo participado de congressos internacionais e atendimento a clientes estrangeiros. Possui conhecimento abrangente em direito da propriedade intelectual, habilitado a atuar em todas as etapas de um processo, desde a captação de casos até a coordenação de equipes em casos de alto impacto envolvendo marcas, patentes, direitos autorais e outros. Publicador regular em revistas jurídicas e frequentemente citado em trabalhos acadêmicos e decisões judiciais.

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