Transformações impostas às relações de trabalho: voltaremos às atividades presenciais? | Análise
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Transformações impostas às relações de trabalho: voltaremos às atividades presenciais?

Por Christiana Fontenelle e Marília Bosso Garnica, advogadas do Bichara Advogados

31 de August de 2020 8h

Desde que decretado o Estado de Calamidade Pública pelo Governo Federal, temos vivido dias impensáveis e incontáveis momentos de insegurança em diversas esferas, inclusive na jurídico trabalhista. A crise hoje vivida não esbarrou em barreiras fronteiriças, sociais ou econômicas. Na verdade, ela tomou a todos de assalto e apresentou um cenário avassalador que, aparentemente, levará a mudanças definitivas na ordem mundial.

O inimigo se apresentou na área da saúde, por meio de um novo vírus com enorme poder de contaminação, o que acabou levando à declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a orientação das autoridades para a adoção do isolamento social, com o fim de conter a sua disseminação. Deste modo, em poucos dias, considerando a necessidade de se evitar aglomerações, o Covid-19 abalou mais que a saúde, mas também as relações de trabalho e, consequentemente, o emprego e a renda mundial. E, no Brasil, não seria diferente.

Inicialmente, a certeza que tínhamos era a de quem levou uma semana a mais para compreender a gravidade do assunto e decidir as ações a serem tomadas, sofreu com maior número de doentes e mortes. Assim, em pouco tempo após a confirmação do primeiro caso no Brasil, vimos medidas sendo adotadas para o enfrentamento do vírus em diversas áreas, seja com a edição de leis, decretos, medidas provisórias ou portarias. A concentração de esforços iniciais tinha a intenção de contenção do vírus e mitigação do impacto na economia. Registramos que até o mês de abril, o governo federal havia publicado 26 medidas provisórias, sendo considerado um número recorde em 20 anos.

Dentre elas, as mais importantes - se assim é possível dizer - no mundo do Direito do Trabalho, foram as MPs 927 e 936, que dispõem sobre as possíveis medidas para enfrentamento do estado de calamidade pública visando à manutenção do emprego e da renda.

Em brevíssima e rasa síntese, temos que tais MPs buscaram oferecer aos empregadores alternativas flexíveis para manutenção do quadro de empregados e, portanto, das relações de trabalho, com menor impacto financeiro para as empresas, com o objetivo de conter a inevitável crise econômica que logo se desenhou. Isto porque grande parte das atividades, seja qual for o campo de atuação da empresa, sofre com a necessidade do isolamento social a cada dia mais restrito. Certamente que alguns setores estão sentindo mais a drástica diminuição de renda. Enquanto outros, se viram diante de uma oportunidade de crescimento. Há notícias, por exemplo, de empresa de álcool em gel que estava em recuperação judicial e que, em apenas um mês, viu seu faturamento aumentar exponencialmente. Mas infelizmente essa é uma minoria.

Assim, o empresariado, de uma maneira geral, teve que fazer uso, quase que de imediato, das alternativas legais que lhe foram oferecidas para atravessar a crise econômica que se vislumbrava e desencadeada pela área de saúde. Como muito discutido, temos que o cardápio de medidas oferecidas nas citadas MPs para salvaguardar relações de trabalho vão desde opções mais brandas, como a instituição do teletrabalho, até cenários mais drásticos, a exemplo da suspensão do contrato de trabalho. O que se viu, inegavelmente, independente do caminho trilhado por cada empregador até aqui, foi que o mundo do trabalho foi nacionalmente empurrado para a tão discutida transformação digital.

Rapidamente tivemos que nos adaptar a continuar produzindo, mas com o menor contato possível entre os trabalhadores e parceiros. A adaptação considerando este viés da crise, para a surpresa da maioria, foi célere e vem em uma curva crescente que também aponta para uma nova organização das relações de trabalho que aparentemente veio para ficar. Neste sentido vale abordarmos uma das primeiras medidas adotadas por muitas empresas, incluindo escritórios de advocacia e o próprio judiciário, ao notarem a dimensão e a propagação do Covid-19, que foi o teletrabalho. Como sabemos, o teletrabalho foi incluído na CLT a partir da vigência da Lei 13.467/17, conhecida como a Lei da Reforma Trabalhista, mas tal modalidade já era realidade mesmo antes de 2017. Porém, as empresas a vinham adotando de forma tímida e com certa desconfiança, o que acarretava pouco investimento interno para esta modalidade de prestação de serviços.

Na verdade, havia certo preconceito entre o trabalhador que desempenhava suas atividades dentro das dependências da empresa e o que trabalhava remotamente. Eis que, de um dia para o outro, literalmente, muitas empresas se viram obrigadas a adotar o teletrabalho para grande parte de seu público interno e, ainda, a minimizar eventuais problemas técnicos com a agilidade exigida. Até porque, agora, a máquina teria que girar desta forma. Não foi a surpresa de todos que a máquina continuou a girar e, melhor, de forma azeitada e eficiente. Muitos já estão, desde março, longe do antigo local de trabalho e sem estar presencialmente com seus parceiros, mas atuando de modo extremamente produtivo e transformados digitalmente.

Este é um exemplo de muitas das soluções que tiveram que vir em razão da necessidade de enfrentamento desta crise e que passam pela transformação digital e por um novo formato das relações de trabalho. De onde concluí que a pandemia, embora tenha o seu aspecto triste e assolador, fomentou necessárias discussões sobre a modernização das relações de trabalho e se não estaríamos às vésperas de uma verdadeira Revolução Industrial. Pelo menos, no que se refere a forma de ver o trabalho. Voltando ao teletrabalho, já há estudos, como o da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que traduzem que mesmo passada a necessidade de isolamento social, este deve crescer a razão de 30% após o período de estabilização dos casos de Covid-19 e retomada das atividades Estar na mesma equipe não significa mais ocupar o mesmo espaço físico. A comunicação é rápida, instantânea. E o isolamento forçado comprovou que funciona, sim, e estamos preparados para isso.

O que se nota, é que a relação entre empregado e empregador, nesta realidade, deverá caminhar para uma maior parceria, baseada em confiança e medindo-se a produtividade, que é o que mais importa. Ainda não é tão simples, o mundo está se adaptando, seja emocional ou operacionalmente, mas as ferramentas para esta necessária mudança estão sendo testadas, assim como nós. Passado o susto, o perigo à vida e a crise econômica, veremos que a Indústria 4.0 não vai acabar com as relações de trabalho, mas a modificar.

Desta forma, temos que nos preparar para atuar lado a lado com a inteligência artificial e em uma realidade onde a automação será grande. Uma certeza que a triste crise nos trouxe foi a de que quem não acompanhar a evolução tecnológica certamente verá suas opções no mercado de trabalho limitadas. Entretanto, para enfrentar este novo momento devemos acreditar que a transformação digital e a automação vieram e, sem dúvida, se expandirão para somar e alterar as relações de trabalho e não para extingui-las

Em decorrência disso, nosso escritório vem adotando estratégias de aproximação com clientes e colegas, através de webinars diários, novidades e atualizações legislativas através de redes sociais, que tem sido grande e forte aliada nesses novos tempos em que a tecnologia é parte integral e principal do cotidiano dos operadores do Direito. O home office, que antes acontecia em caráter de exceção, está sendo estudado para que seja de forma permanente para aqueles que se interessarem, já que o formato aderido às pressas funcionou e as equipes estão se mostrando produtivas. O tempo despendido em deslocamento até o escritório, principalmente nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, foi substituído seja com trabalho seja em projetos pessoais, aumentando a qualidade de vida dos colaboradores. É exatamente o que a pandemia também nos mostrou. Apesar de frágeis em alguma medida, somos adaptáveis. E, tudo, está em constante mudança, seja ela temporária ou não. Agora é a hora da renovação, de se reinventar. Vai passar e vamos seguir em frente, transformados.

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