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Teorias e elementos para regulação das mídias sociais

Por Henrique Rocha, sócio do Peck Advogados

28 de May de 2024 20h30

Há dez anos o Marco Civil da Internet (MCI) era publicado e alterava substancialmente o regime de responsabilidade dos agentes econômicos no âmbito digital, entre eles as incipientes mídias sociais.

Mesmo as tradicionais redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter (atual X) não possuíam o volume de usuários, multiplicidade de ferramentas e serviços, tampouco a capacidade de disseminação de informação que têm atualmente. A massificação do uso de aplicativos para mensageria como WhatsApp e Telegram também merece destaque no período, gerando um ambiente fértil para todo tipo de interação, as ilícitas inclusive.

Importa lembrar que as inovações legislativas trazidas à época envolviam conceitos sobre a própria natureza da internet, protocolo IP, terminal, provedores de internet, entre outros. Também no bojo do MCI havia profunda alteração no regime de responsabilidade que recaia, até então, sobre os fornecedores de conexão e aplicação, também novos conceitos trazidos pela lei.

De certa forma, a atualização legislativa em 2014 decorreu de intensa manifestação das autoridades para fazer frente aos clamores da sociedade civil, notadamente em decorrência dos escândalos de espionagem praticados pelo governo norte americano e revelados pelo ex-agente da NSA, Edward Snowden, hoje refugiado em solo russo.

Se a dinâmica em 2014 exigia uma resposta no âmbito diplomático, atualmente o MCI é alvo de críticas por não trazer uma resposta atualizada e aderente sobre a dinâmica envolvendo especificamente as redes sociais.

É que nos últimos dez anos, além da massificação no uso de redes sociais para atividades além do lazer e entretenimento e do crescente número de aplicações anunciadas a cada semana, fenômenos como IA, Deepfake e desinformação ameaçam governos, colocam em xeque lisura de processos eleitorais e, ainda, geram muitos recursos para as mídias sociais mediante anúncios e monetização do conteúdo gerado por seus usuários.

Neste sentido, surgem as demandas por uma revisão no modelo de governança e responsabilidade inerente às mídias sociais, que embora não represente a totalidade dos agentes na internet, constitui parte significativa dos agentes de internet.

Com efeito, no tocante as modelagens para regulação das mídias sociais, são três as vertentes mais discutidas atualmente no mundo para enfrentamento do tema.

A primeira, tem-se a regulação por meio de leis antitruste, notadamente voltadas para aplicação de ferramental voltado a limitar o poder de mercado das grandes empresas de tecnologia, como Facebook, Google e Amazon, visando evitar práticas anticoncorrenciais e promover a competição sadia no setor.

A segunda sugestão envolve a regulação de conteúdo nocivo publicado nas redes, especificamente no tocante a material como desinformação, discurso de ódio e bullying, por meio de mecanismos que responsabilizem as plataformas por deixar de remover ou controlar tais conteúdos.

A terceira corrente envolve a aplicação de princípios de transparência e responsabilidade impostas às plataformas de redes sociais, demandando que elas forneçam informações claras sobre como os algoritmos funcionam, como os dados dos usuários são utilizados e como o conteúdo é recomendado.

As três correntes citadas acima contam com benefícios e riscos quando da sua discussão, seja de natureza concorrencial, envolvendo segredos de negócios e, em alguma medida, podendo até mesmo inviabilizar parte das operações, como tem se discutido acerca do banimento do TikTok nos Estados Unidos.

Parece-nos, porém, que dado o avanço tecnológico e social, é inescapável haver uma revisão do modelo de responsabilidade das mídias sociais, mediante debate público acerca do real papel das mídias sociais no país, dado que há muito tempo deixaram de ser apenas um ambiente de lazer e entretenimento para se tornarem verdadeiros mecanismos de construção de opinião pública relevante para um ambiente cada vez mais polarizado.

Como elementos de contribuição para esse importante debate, entendemos que deve haver atenção para ao menos três aspectos importantes visando a construção de um modelo de responsabilidade mais adequado para o presente cenário.

É inegociável que tenhamos a existência de padrões mínimos aceitáveis no tocante à participação das mídias sociais, garantindo que a demanda de um consumidor, de uma autoridade ou do próprio poder judiciário possam ser exigidas e cumpridas de forma ágil e integral. É sabido que cada empresa tem e deve ter suas especificidades, mas manter um padrão de atendimento adequado é urgente e necessário.

O equilíbrio de exigências e responsabilidades deve estar presente no debate, isto é, provedores de aplicação de pequeno e médio porte devem ter seu nível de responsabilidade ajustado para os impactos sociais e, de outra monta, grandes big techs devem ter uma régua de governança mais alta, dado o poder financeiro e tecnológico que possuem e, obviamente o impacto que causam na sociedade e nos seus consumidores.

Igualmente não se pode renunciar a uma participação responsável das redes sociais, independentemente do seu tamanho, dado que todos as mídias sociais colaboram, como vimos, para o debate público e social, devendo colaborar, garantir clareza e agilidade em suas interações, seja com consumidores, sociedade civil e autoridades.

Espera-se que, seja pela via legislativa com o PL 2.630/20, que tem como alvo instituir a "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.", seja pelo Supremo Tribunal Federal, que discute o Tema 987 relativo a constitucionalidade do art. 19 do MCI que trata justamente da responsabilidade dos provedores, os elementos acima seja mais bem trabalhados para termos um ambiente saudável, previsível e ajustado frente aos deveres e direitos das mídias sociais no Brasil. Parece-nos ser esse um caminho acertado.

Henrique Rocha é sócio do Peck Advogados, Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Nove de Julho com Módulo Internacional pela Universidade da Corunã/Espanha. Graduado em Direito pelo Centro Universitário FIEO e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Especialista em Direito Digital e Compliance pelo Damásio Educacional. Coordenador do Curso de Proteção de Dados e Privacidade no Damásio Educacional. Certificado de extensão pela WIPO em Propriedade Intelectual, em direitos autorais por Harvard/ITS Rio e em Relações de Consumo pela FGV. Certificado EXIN Privacy & Data Protection DPO. Coautor do livro Advocacia Digital (RT). Coautor das obras coletivas Direito Digital Aplicado 3.0, Direito Digital Aplicado 4.0 (RT) e Segurança Digital para Empresas (GEN). Membro da OAB/SP, Subseção Barueri/SP. Advogado Mais Admirado em Direito Digital pela Análise Editorial.

Henrique Rocha

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