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A prática da telemedicina, impactos e perspectivas para o futuro

Por Raquel de Aguiar Melo Feitosa, executiva jurídica e de compliance do setor farmacêutico

31 de March de 2021 8h

Especialmente em decorrência da pandemia da Covid-19, o momento tem sido desafiador sob o aspecto humano e de saúde, tal como tem afetado drasticamente diversos segmentos econômicos, especialmente os que dependem de interações presenciais. Em contraponto, observa-se um momento próspero para segmentos e profissões passíveis de desenvolvimento a distância, incluindo-se aqui a telemedicina.

Em 2019, uma matéria o consultor, Guilherme Hummel, veiculada no Correio Braziliense, anunciou expectativas de investimentos em torno de 8 bilhões de dólares no segmento de telemedicina para os próximos cinco anos, o que pode ser representativo para o Brasil, cuja população soma 57 milhões de pessoas atendidas pela saúde suplementar, sendo o restante dependente do serviço público de saúde. Ainda na mesma matéria, foi relatado que no Brasil, a sinistralidade média chega a 84%, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Essa média é crescente, e sem tecnologia não será possível garantir atendimento.

De acordo com a minha interpretação sobre a matéria, Hummel acredita na telemedicina como porta de entrada e triagem dos pacientes, possibilitando solução de 70% dos casos em uma consulta. Note-se a grande e relevante importância da Telemedicina. Embora haja um processo educativo e cultural para utilização e adaptação com as novas tecnologias, aos poucos ou de forma mais acelerada em razão das circunstâncias os médicos estão aderindo a telemedicina já tão praticada e bem-sucedida em muitos países do mundo.

Este texto não visa ao esgotamento do tema, mas à provocação de estudos e conhecimentos sobre um serviço tão importante para a saúde dos brasileiros em tempos de distanciamento social e de redução de consultas de rotina ambulatoriais em hospitais, permitindo o início e/ou a manutenção de tratamentos por meios remotos, quiçá a telemedicina permaneça com altos índices de aprovação por médicos, pacientes e pela própria regulação, mesmo após a crise.

Uma oportunidade em tempos de crise

A telemedicina é a prática de medicina por meios de comunicação audiovisual e de dados, como por exemplo, por meio de Whatsapp, Skype e sistemas especializados, com foco na assistência, educação e pesquisa em saúde

Objeto de atenção inclusive anteriormente à pandemia da Covid-19, a telemedicina foi permitida pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, com a finalidade de ser desempenhada durante o período da pandemia do covid-19 (Lei 13.979/2020), com a preservação dos direitos de livre consentimento do paciente, de segurança e da confidencialidade na transmissão ou no manuseio de dados do paciente e do atendimento em si.  O livre consentimento do paciente corresponde à ciência e à concordância dele com o recebimento de atendimento e assistência pela forma remota. 

Estão contidas no conceito de telemedicina, observado o teor da Portaria 467/2020 e da Resolução CFM 2.227/2018: a teleorientação, que permite a realização de orientação e encaminhamento de pacientes a distância; o telemonitoramento admite o monitoramento a distância de parâmetros relacionados ao estado de saúde ou à evolução do paciente sob assistência; e a teleinterconsulta possibilita troca de informações entre médicos, relativamente à diagnóstico ou discussão de terapia destinada ao tratamento de um paciente.  

Uma consulta por telemedicina se materializa pela atuação de um médico com CRM ativo, no caso de o registro contemplado no sistema de atendimento ser o da clínica, adicionalmente a este CRM da clínica deve ser informado o CRM do médico que estiver responsável pela condução de determinado atendimento, por meio de uma conexão remota, que permita a comunicação a distância, tanto por voz como por imagem.  

Atualmente há aplicativos específicos de telemedicina, como também podem ser utilizados o Whatsapp ou Skype para fins comerciais, desde que validado se os requisitos da legislação estão cumpridos. Seja qual for a ferramenta utilizada, é fundamental que ela conte com recursos de segurança e sigilo das informações que nela serão tratadas, quer em relação ao paciente, aos seus dados, ou ainda em relação ao médico e ao parecer do médico, bem como ao conteúdo do prontuário - este último somente é disponibilizado por ferramentas especializadas. 

A prescrição de medicamentos e/ou de tratamentos se materializa pela formalização de documento escrito, assinado pelo médico com assinatura digital, certificada pela Infraestrutura de Chaves Públicas, por exemplo Certisign, Serasa. Essa assinatura digital é expressa por certificação digital que vincula a assinatura em si a determinado documento (por exemplo, a prescrição e o atestado tornam-se válidos a partir da assinatura certificada digitalmente).

Medicamentos sujeitos à prescrição mediante retenção de receita também podem ser prescritos, no entanto, por meio de ferramentas que assegurem a observância dos limites da prescrição - um determinado medicamento controlado (das listas C1 e C5 e dos adendos das listas A1, A2 e B1 da Portaria SVS/MS - 344/1998) não pode ser comprado em maiores quantidades do que as efetivamente prescritas pelos médicos.

Nesse sentido, é importante que a farmácia que venderá o medicamento ao paciente conte com sistema capaz de ler e registrar a venda de determinado produto, objeto de referida prescrição, impedindo que tal produto seja comprado outra vez com a mesma receita.  

A partir do atendimento realizado por meio de telemedicina, deve ser formalizado o prontuário, semelhante ao pertinente a atendimento presencial, no entanto correspondente ao atendimento a distância dados do paciente, data, hora, mecanismo tecnológico/comunicação utilizado para o atendimento, nome e CRM do médico).

Com a crise da pandemia decorrente do covid-19, a RDC nº 357/2020 de 24/3/2020, da Anvisa, permitiu a entrega física de alguns medicamentos controlados, mantida a necessidade de apresentação dos documentos digitais de prescrição. A agência regulatória, todavia, não permitiu a venda de medicamentos controlados por meio da internet.

Vale notar também que a Anvisa não liberou a assinatura digital, mesmo que contenha certificação digital por infraestrutura de chaves públicas, de receituários especiais B e B2, por exemplo receituários azuis aplicáveis à medicamentos cujo uso represente riscos sistêmicos ou de dependência química ou psíquica aos pacientes.

Assim como o fazem para preços de consultas presenciais, os médicos são livres para estabelecer os preços de consulta que lhe façam sentido, levando em consideração a situação do mercado e os requisitos que deverão ser cumpridos, bem como as obrigações tributárias que lhe couberem.

Cuidados e segurança

compromisso específico de confidencialidade e de preservação do paciente para o desempenho regular da telemedicina, independentemente da entrada em vigor da Legislação Geral de Proteção de Dados (prorrogada para Maio de 2021, conforme MP 959/2020), a qual demandará outros pontos de atenção dos titulares, controladores e encarregados de dados, incluindo mas não se limitando à eliminação e captação de dados com plena observância das bases legais aplicáveis e dos consentimentos aplicáveis a determinadas ações motivadoras da captação e da manutenção de determinados dados sensíveis por tanto tempo quanto legalmente e estritamente necessário, e, observadas as limitações decorrentes do consentimento dos titulares de dados sensíveis.

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