Tecnologia na Justiça do Trabalho: o uso das provas digitais | Análise
Análise

Tecnologia na Justiça do Trabalho: o uso das provas digitais

Pelo Eduardo Alcântara Lopes e Caio Pivatto, respectivamente sócio e advogado do Demarest

5 de December de 2023 19h29

Apesar de acostumados ao uso de extrema tecnologia nas rotinas diárias, os avanços científicos ainda nos surpreendem a cada lançamento. Quem não ficou extasiado ao ter o primeiro contato com inteligência artificial, por exemplo?

É evidente que todo o emprego de tecnologia ocasiona alterações significativas em nosso cotidiano e, nos processos judiciais, a realidade não poderia ser diferente.

Quando se trata do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho sempre se posicionou à frente de outros ramos da Justiça em termos de modernização e emprego de tecnologia. Quem circulou no Judiciário no início dos anos 2000 certamente se deparou com fóruns e varas do trabalho abarrotadas de pastas, autos físicos e advogados e estagiários com câmeras fotográficas e escâneres. Literalmente, tudo era impresso, furado, carimbado, assinado e encadernado. Se não estivesse naquelas "pastas", não existia no processo.

Esse cenário foi alterado a partir de março de 2010, quando foi assinado o Termo de Acordo de Cooperação Técnica nº 51/2010 entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), no qual a Justiça do Trabalho, de modo pioneiro, aderiu oficialmente ao Processo Judicial Eletrônico - PJe. Atualmente, o cenário nos fóruns é completamente distinto, uma vez que os processos tramitam integralmente por meio digital, inclusive com a prática de seus mais importantes atos como as audiências de conciliação e instrução processual.

As alterações causadas pela tecnologia nos processos judiciais não se limitam à existência ou não das pastas físicas, tendo penetrado nos processos e na forma de atuação de todos aqueles que trabalham com o Direito. Atualmente, muito se discute acerca da possibilidade do emprego de tecnologia para produção de provas nos processos, as chamadas provas digitais, e novamente a Justiça do Trabalho foi vanguardista neste quesito tendo o tema sido inicialmente discutido nos idos de 2020 entre o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) ¹.

Prova digital nada mais é do que a produção de alguma evidência digital acerca de algum ato, fato ou conteúdo ocorrido, ainda que este tenha se concretizado no meio físico.

É importante destacar que a Constituição Federal estabelece a validade de todos os meios de prova lícitos, garantindo assim o direito à ampla defesa (artigo 5º, inciso LiV, da CF). Nesse cenário, não haveria qualquer óbice para a utilização de provas digitais nos processos judiciais.

Todavia, quando falamos de provas digitais, é importante termos em mente a necessidade de empregarmos cuidado extra para que a referida prova seja considerada válida para a formação da convicção do Magistrado. Em tempos de fake news, o Poder Judiciário tem destacado atenção especial para se constatar a validade da prova digital utilizada no processo.

É cada vez mais comum Tribunais descartarem provas produzidas digitalmente, em razão de falha na preservação da cadeia de custódia do referido documento, o que impossibilita a constatação da veracidade do conteúdo:

114000678492 - PROVA DIGITAL EXTRAÍDA DE MEIO DIGITAL - REQUISITOS DE VALIDADE - NORMA ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013 - Via de regra, a juntada de capturas de tela com teor de conversas extraídas do aplicativo Whatsapp é considerado meio válido de prova, já pacificado pela jurisprudência. No entanto, a Norma ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013 (norma técnica que estabelece diretrizes para a identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais), define os conceitos e os princípios relacionados à cadeia de custódia digital, que é o conjunto de procedimentos documentados que registram a origem, a identificação, a coleta, a custódia, o controle, a transferência, a análise e o eventual descarte das evidências digitais. Sob essa ótica, as mencionadas capturas de tela, sem a comprovação do registro da cadeia de custódia digital (o qual se presta a provar a não adulteração do teor das mensagens), não podem ser tomadas como fonte segura de prova, mormente se impugnadas pela parte contrária, como no caso dos autos. Isso porque não há como se certificar de que conservam sua integridade, principalmente sobre teor e autoria das mensagens. (TRT- 3ª Região. - RO 0011153-93.2022.5.03.0052 - 2ª T. - Relª Maristela Iris S. Malheiros - J. 01.08.2023)

A fim de se evitar qualquer impedimento na análise da prova digital apresentada, é importante que a parte documente a cadeia de custódia, de modo a permitir a constatação da autenticidade e integralidade dos elementos da prova digital, sob pena da sua não aceitação, o que poderá impactar diretamente no desfecho da lide.

Entende-se por autenticidade da prova a qualidade acerca da certeza em relação ao(s) autor(es) do fato comprovado pela prova digital. Em outras palavras, gera a certeza acerca de quem fez ou participou da constituição do fato comprovado digitalmente. Será que o perfil que postou algum ato ofensivo é mesmo daquela pessoa?

Já por integridade, podemos definir como qualidade da prova no que se refere à sua originalidade, ou seja, evidência de que a prova apresentada se encontra integral e não adulterada e/ou corrompida. Em tempos em que se discute se a Inteligência Artificial superará a mente humana na tomada de decisões², é lítico questionar: será que a prova digital apresentada aos autos não foi alterada ou está fora de contexto?

A preservação da autenticidade e da integridade formam a cadeia de custódia necessária a validade da prova digital apresentada em Juízo.

Em que pese a legislação trabalhista possua diversos pontos em que se reconheça o uso de documentos digitais (certificados digitais, por exemplo) como meio de validade (artigo 628-A §2º da CLT), não há qualquer menção específica acerca da utilização de provas digitais e seus requisitos de validade, o que não afasta sua utilização frente à expressa disposição dos /c/ artigos 369 e 370 do CPC, por força do conhecido artigo 769 da CLT

De todo modo, há a possibilidade de utilizarmos de legislações específicas para termos parâmetros de procedimentos para garantir a segurança do documento digital apresentado. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) definiu a obrigatoriedade de guarda dos registros de conexão, por no mínimo um ano, e dos registros de acesso a aplicações de internet, por no mínimo seis meses (arts. 13 e 15). Por sua vez, a Norma ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013 (norma técnica que estabelece diretrizes para a identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais) e os artigos 158-A e 158-B do Código de Processo Penal, definiram a cadeia de custódia no processo penal, muito em linha com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) que também possibilita o tratamento de dados pessoais na hipótese de exercício de direitos em processo judicial (art. 7º, VI, e 11, II, "a").

Para se garantir a validade da prova digital que se pretende apresentar, a parte deve ser diligente em todas as etapas da referida prova, guardando todas as evidências possíveis nas fases de identificação, coleta, aquisição e preservação da prova digital.

Um dos meios mais eficientes para se evitar qualquer questionamento acerca da prova digital é a realização de ata notarial (artigo 384 do CPC), através da qual o cartorário poderá certificar o conteúdo do que se pretende comprovar. A depender da origem do documento, também é possível obter registros digitais que ficam marcados no arquivo, caso em que se utiliza tecnologia blockchain ou certificados digitais, cuja aceitação tem sido referendada pelo Justiça Cível. Veja-se:

OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. (…) não se justifica a pretensão de abstenção de comunicação de terceiros a respeito dos requerimentos do agravante e dos termos da demanda, inclusive porque o próprio recorrente afirmou que "a partir do conhecimento dos fatos, o Autor providenciou a preservação de todo o conteúdo via Blockchain, junto à plataforma OriginalMy, hábil a comprovar a veracidade e existência dos conteúdos". (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2237253-77.2018.8.26.0000 Relatora: FERNANDA GOMES CAMACHO Órgão Julgador: 5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO)

O massivo uso de tais meios de prova tem alavancado as discussões acerca da validade dos documentos apresentados de modo digital, razão pela qual é altamente recomendável que, caso se pretenda utilizar qualquer prova eletrônica, a parte se resguarde quanto aos requisitos da cadeia de custódia.

Apesar das discussões mais recentes, vale destacar que o uso de prova digital na Justiça do Trabalho é relativamente antigo. Em verdade, essas provas foram permeando os processos de forma natural e muitas vezes são utilizados sem que percebamos que se trata de uma prova digital.

Os cartões de ponto do empregado, juntado aos autos para comprovar a sua jornada de trabalho, é um grande exemplo de prova digital. Afinal, o equipamento instalado pela empresa faz a leitura biométrica ou pelo crachá do empregado e a referida informação fica armazenada nos servidores da empresa (o que pode ser inclusive em nuvem). Quando há a necessidade, gera-se o documento em PDF que é apresentado no processo digital ou mesmo em formato diverso para, por exemplo, prestar informações ao Ministério Público do Trabalho decorrente das exigências trazidas na Portaria n° 671/2021 do Ministério do Trabalho e Previdência.

Ainda que se cogite a impressão do referido documento, não se perderia a qualidade de prova digital, uma vez que a via física impressa é mera cópia do documento que foi produzido e armazenado de modo digital.

Destaca-se ainda que no exemplo narrado a cadeia de custódia é amplamente reconhecida, uma vez que os equipamentos de ponto e as empresas fabricantes devem ser certificadas e cumprir rigorosos requisitos de validação, de modo a certificar o originador da marcação e garantir que não há possibilidade de alteração do valor imputado originalmente.

Com o rápido avançar do tempo, será cada vez mais comum o emprego de novas tecnologias no cenário jurídico nacional, cabendo à Justiça do Trabalho que sempre esteve na vanguarda do uso das ditas novas tecnologias, garantir que as provas digitais apresentadas nas ações judiciais guardem correspondência prática com esse novo cenário mundial em que empregados, empregadores e advogados estão inseridos, garantido que os jurisdicionados possam empregar todos os meios de provas possíveis para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do magistrado.

¹ https://www.tst.jus.br/provas-digitais, acesso em 17/11/2023 às 14h54min

²Making algorithm used in AI more human-like in https://news.harvard.edu/gazette/story/2023/07/making-algorithm-used-in-ai-more-human-like/, acesso em 15/09/2023 às 13h15

Eduardo Alcântara Lopes é sócio da área trabalhista do Demarest.

Caio Pivatto é advogado da área trabalhista do Demarest.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

ArtigoArtigo de OpiniãoDemarest AdvogadosProvas Digitais