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Startup não é sinônimo de informalidade

Por Luís Francisco Jardim e Silvia Hachiya, sócios do Barros Pimentel, Alcantara Gil e Rodriguez Advogados

14 de September de 2020 8h

Em meados de 2020, veículos de imprensa noticiaram que o JP Morgan, um dos maiores e mais tradicionais bancos mundiais, realizou seu primeiro investimento em uma startup na América Latina, na indústria de pagamentos. Afinal, como compatibilizar esse investimento, feito por uma entidade atuante em área fortemente regulada, com a ideia de informalidade usualmente associada às startups?

Uma startup é usualmente caracterizada como uma empresa de inovação, que busca modelo de negócios repetível e escalável, atuando em cenário de incertezas. Esse cenário incerto, intrínseco à própria definição legal, conforme adotada pela LC 167/19, refere-se não só ao mercado, mas também à legislação aplicável, e decorre do caráter inovador e de crescimento rápido e não-orgânico exigido de uma startup.

Ser uma startup, entretanto, não significa ser informal. Nesse contexto de incertezas e aceleração, é indispensável mitigar os riscos da operação por meio da contratação de assessoria jurídica especializada que viabilize a celebração de instrumentos jurídicos entre a startup e seus stakeholders.

Inicialmente, deve-se optar pela segregação do patrimônio pessoal dos fundadores e da sociedade, e adotar regime fiscal compatível com as suas atividades. A criação dessa personalidade jurídica autônoma traz segurança jurídica aos fundadores, aos primeiros investidores e aos venture capitalists.

Dentre as diversas opções para captação de recursos, é usual a adoção de mútuo conversível em participação societária, cujo gatilho de conversão consiste na ocorrência de um evento de liquidez qualificado. Esses contratos trazem transparência e segurança jurídica às partes e, a depender da relevância do investimento e do estágio de desenvolvimento da startup, podem prever cláusulas de retenção dos fundadores e proteção dos investidores (lock-up, não-competição, antidiluição), bem como de liquidez (direito de preferência, tag-along/drag-along, put).

Negociar adequadamente o acordo de sócios da startup, considerando as especificidades do negócio, mitigará eventuais conflitos que podem afetá-la negativamente e até dar fim precipitado ao negócio - nesses casos, formas eficientes de saída da sociedade e soluções de disputas ágeis e compatíveis com a preservação dos interesses da startup são essenciais.

Deve-se contar, ainda, com um conjunto de contratos que formalize a relação entre parceiros, clientes e fornecedores e viabilize o modelo de negócios buscado, mostrando-o viável e permitindo alcançar ganhos de escala, a ponto de se tornar lucrativo.

Igualmente importante é a formalização dos direitos de propriedade intelectual que permita a sua ampla e irrestrita exploração pela startup - usualmente asseguradas pela cessão desses direitos dos colaboradores à startup ou pelos devidos registros de marca, nome de domínio, desenhos industriais, softwares e eventuais patentes - e a atração dos talentos necessários para o desenvolvimento da startup, através de stock option plans adequados - que compensem, no médio e longo prazos, remuneração que, de imediato, pode não ser compatível com a expertise do colaborador contratado - e cujos requisitos observem a legislação aplicável, mitigando exposição fiscal e trabalhista.

Há, ainda, outras questões jurídicas que devem ser objeto de consultoria, incluindo a preservação da confidencialidade do negócio, o atendimento à LGPD, as regras de compliance, entre outras particularidades de cada startup.

No entanto, a experiência evidencia que a maioria das startups não possui recursos financeiros para, ao mesmo tempo, desenvolver seu modelo de negócios e criar toda essa estrutura jurídica, mantendo-se, dessa forma, com alto grau de informalidade.

Atentos a essas necessidades, escritórios de advocacia especializados têm adotado formas de cobrança de honorários flexíveis e que acompanham a capacidade de pagamento e de fluxo de caixa das startups. Assim, tem-se observado, no mercado jurídico, desde o modelo tradicional de valor fixo ou tarifas horárias, até modelos que vinculam o início do pagamento ou a utilização de tabelas horárias específicas, atreladas à ocorrência de determinados eventos (evento de liquidez qualificado, atingimento de metas de faturamento ou outros índices financeiros). Há, ainda, pagamentos de quantias adicionais em caso de conclusão de um investimento qualificado e acordadas com a startup, acompanhando seu fluxo de caixa, e outros modelos que podem ser estabelecidos caso a caso. A inovação inerente às startups se estende à criação de novos modelos de remuneração, observados os limites éticos e legais.

Uma startup pode estar preparada, do ponto de vista jurídico, para oferecer a segurança jurídica que um investidor do porte do JP Morgan requer, e, assim, aproveitar as novas oportunidades de investidor smart money. A segurança jurídica trazida pela adequada formalização das relações com seus stakeholders constitui importante diferencial competitivo e, portanto, recurso que viabiliza rodadas de investimentos, passos decisivos na vida da startup.

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