A advocacia abusiva tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil, não apenas pelo ajuizamento de inúmeras ações sem respaldo jurídico e, por vezes, com base em documentos manipulados, mas também pelo uso da advocacia como meio de enriquecimento ilícito, por meio de captação irregular e métodos agressivos, prometendo soluções irreais e gerando expectativas infundadas.
Tal prática tem como alvo, principalmente, ações declaratórias de inexistência de débito, em que a suposta inclusão indevida do nome do autor nos órgãos de restrição de crédito, como SERASA ou SCPC, é frequentemente utilizada para fundamentar pedidos de indenização por danos morais.
No entanto, observa-se uma nova estratégia nesse contexto: o aumento das ações judiciais discutindo dívidas registradas no Sistema de Informações de Créditos (SCR) do Banco Central.
O SCR é um banco de dados que centraliza informações sobre operações de crédito e riscos financeiros. Atualizado mensalmente por instituições financeiras, registra valores, prazos, condições e históricos de pagamento, vinculados a CPFs ou CNPJs, permitindo uma visão ampla do endividamento no país.
Este sistema tem três finalidades principais: a supervisão bancária, monitorando a concessão de crédito para garantir a estabilidade do sistema financeiro; a gestão de riscos, auxiliando as instituições financeiras na avaliação do histórico de crédito dos clientes; e a transparência, ao fornecer dados essenciais para a formulação de políticas públicas garantindo solidez ao sistema financeiro brasileiro.
Importante destacar que o acesso ao sistema é restrito e controlado pelo Banco Central. As instituições financeiras podem consultar informações de seus clientes, mas apenas com autorização prévia. Fora isso, somente o próprio consumidor, pode acessar suas informações.
Ou seja, a inclusão de dados no SCR é uma prática legítima e necessária para garantir a transparência e a eficiência do mercado de crédito, sendo obrigatória para todos os bancos, conforme a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 5.037/22.
Entretanto, escritórios de advocacia mal-intencionados têm utilizado o SCR como fundamento para ações judiciais, incentivando devedores a contestar dívidas com o objetivo de adiar pagamentos, forçar acordos mais vantajosos ou até desconstituir dívidas lícitas, sob a alegação de equiparação aos órgãos de cadastro de inadimplência e buscando indenizações por danos morais inexistentes.
Importante ressaltar que, na maioria dos casos, os débitos registrados no SCR sequer são contestados pelos devedores. A argumentação das ações se baseia unicamente na suposta ausência de notificação prévia, explorando a divergência de interpretação da norma para justificar as demandas judiciais.
A litigância abusiva, nesse cenário, representa um desafio significativo, pois o objetivo final das ações ajuizadas é induzir o juízo ao erro, confundindo a finalidade destes órgãos para desconstituir dívidas que, na grande maioria dos casos, são válidas além obter condenações em honorários de sucumbência.
Referida captação indevida também acaba por induzir o consumidor a erro, utilizando até mesmo supostos influenciadores digitais que veiculam conteúdos falsos nas redes sociais. Com foco em temas sensíveis, frequentemente distorcidos e disseminados como "notícias" ou "informações exclusivas" diversas fake news circulam para enganar seu público-alvo. Entre elas, promessas milagrosas de aumento instantâneo do score, exclusão automática de dívidas prescritas e restrição de negociações com base em falsas diretrizes do Banco Central.
Essas práticas impactam negativamente não apenas o Judiciário, mas também o sistema financeiro e os consumidores. A insegurança jurídica resultante leva as instituições financeiras a adotarem critérios mais rigorosos na concessão de crédito, tornando o acesso a empréstimos e financiamentos mais restritivos para os consumidores.
O SCR é uma ferramenta essencial para a estabilidade do sistema financeiro, e seu uso inadequado abre margem para abusos. Para combater essas práticas, é fundamental que Judiciário, consumidores e instituições financeiras atuem de forma conjunta. A conscientização e a educação jurídica são essenciais para que os consumidores saibam identificar abordagens duvidosas e busquem informações confiáveis. Ao mesmo tempo, devem ser reforçadas as penalidades contra práticas abusivas principalmente quando identificadas demandas infundadas.
Portanto, combater a utilização indevida do SCR e outras ferramentas do sistema financeiro é essencial para proteger a justiça, garantir estabilidade econômica, preservar a confiança nas instituições e assegurar o respeito às leis que sustentam uma sociedade justa e equilibrada.
Annelise Arruda Adames, Sócia no escritório Ernesto Borges Advogados, com atuação em Direito Civil e Consumidor. Graduada em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2012), Pós-Graduada em Direito Civil e Empresarial pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (2015) e Pós- Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2019).
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