A busca por justiça, invariavelmente, leva a mais violência contra mulheres que são vítimas de violência. As perguntas indesejáveis sobre as roupas, sugestões de comportamento sexual e a culpabilização da vítima são algumas das formas pelas quais a violência processual de gênero se reproduz nos tribunais brasileiros, perpetuando o ciclo de sofrimento e impunidade. Neste sentido, o Projeto de Lei 1433/24 tem origem ao buscar criminalizar condutas que de fato concorrem para a desigualdade e a violência contra a mulher no âmbito processual.
Chama-se violência processual de gênero aquela que, praticada no transcorrer de um procedimento judicial, implica constrangimento, humilhação e revitimização da mulher por ser mulher. O PL 1433/24, que altera o Código Penal (artigo 147-C), tipifica a conduta delitiva de "indagar ou divulgar, indevidamente, à mulher vítima de violência [...] sobre suas roupas, conduta sexual pregressa ou qualquer outra circunstância associada a estereótipos de gênero, com o propósito de constranger ou publicamente expô-la". A pena prevista é de reclusão de seis meses a dois anos e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
A importância de definir a violência processual de gênero como um crime reside não apenas na punição aos agressores, mas também em reconhecer o dano moral e psicológico à vítima, e de servir como um poderoso instrumento de dissuasão, alertando advogados, juízes e demais atores do sistema de Justiça para a gravidade de suas condutas.
Além disso, o PL 1433/24 modifica o Código de Processo Penal (CPP) para garantir a proteção da vítima durante a audiência, permitindo seu depoimento em ambiente seguro e a formulação de perguntas por videoconferência, quando o juiz identificar risco de vitimização processual, tais medidas são essenciais para evitar a revitimização e garantir a integridade física e emocional da mulher.
A gravidade da violência processual de gênero reside não apenas em seus aspectos explícitos, mas também na sutileza com que se manifesta no cotidiano forense. A linguagem utilizada, por vezes carregada de estereótipos e preconceitos, a banalização do sofrimento da vítima e a descredibilização de seus relatos são formas de violência que, embora menos visíveis, contribuem para a perpetuação da desigualdade de gênero no acesso à Justiça.
É crucial ter em mente que a mera existência da lei não garante sua efetividade. A cultura institucionalizada no Judiciário, marcada por vieses de gênero e pela tolerância à violência contra a mulher, precisa ser transformada. O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, implementado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa um passo importante nessa direção, mas ainda não é o bastante.
Procurar capacitar juízes, promotores e advogados a reconhecer a violência processual institucionalizada baseada em gênero e imediatamente interromper seu curso é um elemento central para trazer uma mudança de uma cultura de culpabilização da vítima e garantir que as partes tenham igualdade de acesso à Justiça.
A importância de aprovar este Projeto de Lei é que ele envia uma mensagem a todas as mulheres de que os tribunais são um lugar de acolhimento e segurança para elas, e não um lugar de perpetração e perpetuação da violência e da injustiça. O poder da lei vem, então, da transformação cultural dos tribunais, capacitação e conscientização das partes interessadas e mobilização de toda a sociedade para uma batalha incessante por um verdadeiro sistema de justiça igualitário. Então, e somente então, as vozes que gritam por justiça - em nome de tantos rostos femininos - podem ser ouvidas.
Caroline Ribeiro Souto Bessa é advogada da área de Contencioso Estratégico do escritório Martorelli Advogados
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