Seis meses de licença-paternidade? O papel do jurídico na implementação | Análise
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Seis meses de licença-paternidade? O papel do jurídico na implementação

Por Patrícia Barbelli, diretora regional - jurídico, segurança corporativa e proteção a marca no Paraguai, Uruguai e Brasil da Diageo

16 de September de 2020 8h

Não é só a variedade em marcas de bebidas para diferentes gostos e celebrações que chama a atenção quando se pensa na Diageo. Assim como seu portfólio de destilados e sua liderança no mercado, a Diageo quer celebrar a diversidade. Inclusive, já enraizada em seu DNA e centro da sua estratégia global.

Consciente de que uma das principais barreiras para a carreira da mulher está relacionada aos medos e receios no período de ausência pós-maternidade, tanto por parte de quem emprega como por parte da profissional, seria fundamental criar uma iniciativa disruptiva e pioneira, que pudesse não só impactar positivamente os colaboradores da empresa, mas também, provocar mudanças importantes na sociedade.

E foi em uma reunião do time executivo da empresa, do qual o jurídico é parte, que as discussões ocorreram e a decisão foi tomada de maneira rápida e consistente: a extensão da licença parental de 6 meses para seus colaboradores homens, com a manutenção de salários e benefícios, assim como já acontece com as mulheres, colocando homens e mulheres da organização nas mesmas condições. A política abrange todos os tipos de casais que há na empresa.

Assim, a política de licença parental passou a ser um benefício concedido pela Diageo para que os pais tenham tempo apropriado para se dedicarem aos filhos e, também, em busca de manter os esforços de equidade de gênero.

Como sabemos, atingir igualdade de gênero no ambiente de trabalho requer uma mudança fundamental nas práticas de trabalho.

Papel do jurídico na decisão

Não tenho dúvidas de que o papel do jurídico interno é ser parceiro estratégico do negócio. Entendo que, além disso, o jurídico deve ter um papel protagonista no fomento e fortalecimento da cultura de responsabilidade social, principalmente diversidade e inclusão.

E, nesse sentido, o jurídico fez parte integralmente no processo, trabalhando em colaboração entre as áreas da empresa, desde a participação do processo de decisão, até a estruturação da iniciativa, o enfrentamento dos internos e a elaboração das políticas para que fosse possível viabilizar o benefício.

O benefício na prática

A implementação da iniciativa trouxe diversos desafios. Um deles foi o de garantir o benefício aos colaboradores e, ao mesmo tempo, manter a continuidade do negócio.

Assim, um dos pontos discutidos foi em relação a reposição do colaborador durante a sua ausência temporária. A decisão foi a de que em algumas situações seria possível a sua reposição temporária com terceiros, por exemplo. Em outras, as atribuições seriam compartilhadas com outros colegas da equipe e, ainda, haveria situações em que a ausência temporária seria um incentivo para um plano de desenvolvimento interno.

Outro aspecto foi o período em que os colaboradores poderiam aderir a licença, dado que ela foi concedida para ajudar os colaboradores a focarem na construção de suas famílias ao mesmo tempo em que se desenvolvem na vida profissional, e garantir a oportunidade de cuidarem de seus filhos conjuntamente com suas parceiras.

Diante disso, a decisão foi no sentido de permitir que os pais escolham tirar os seis meses da licença até um ano após o nascimento do filho, mediante aviso prévio no prazo definido, na política para que o gestor ou a gestora possa se organizar.

Assim, o colaborador poderá decidir se prefere, por exemplo, sair no momento do nascimento da criança, algum período depois ou, ainda, quando a mãe estiver retornando da licença maternidade.

Outro ponto extremamente importante foi o relato dos colaboradores homens sobre o desejo de aderirem a licença, mas, ao mesmo tempo, o temor de se ausentarem do trabalho, uma vez que têm a ambição de crescer e poderiam estar interrompendo um momento de ascensão ou crescimento profissional importante.

Muitos se mostraram apreensivos como em geral ocorre com as mulheres, ou seja, passaram a se questionar se deveriam ou não tirar a licença, se isso teria impacto na carreira deles e o que iria acontecer quando do seu retorno ao trabalho. Ao se questionarem sobre isso, passaram a entender melhor as angústias sofridas pelas mulheres, quando vão sair em licença maternidade.

Diante do cenário, falar com os colaboradores e criar campanhas para estimular a adesão à licença total foi fundamental. No Brasil, já temos muitos casos de colaboradores homens que aderiram a essa iniciativa e, inclusive, já retornaram da experiência da licença parental ao trabalho, o que tem propiciado um ambiente de troca enriquecedor.

Colaboradores têm demonstrando maior empatia entre si. Homens passam a entender mais a vivência, as angústias e os desafios das mulheres. Os gestores são desafiados a pensar e lidar de outras formas, diante dessa nova experiência. É uma discussão contínua e uma área de crescimento para nós.

Ainda, abre-se a oportunidade de dar um novo significado ao papel do homem na família, que cada vez mais vem ocupando seu espaço no cuidado da casa e dos filhos, o que possibilita o equilíbrio para que o casal possa ter pé de igualdade nas escolhas de carreira.

Sem contar o impacto na redução dos vieses inconscientes na contratação e promoção de mulheres, já que homens e mulheres agora estão em condições equânimes de oportunidade de carreira.

Mudanças ousadas na política da empresa, somadas aos desafios e os aprendizados, possuem o poder de garantir que o progresso em diversidade e inclusão verdadeiramente ocorra e estimule fortemente a mudança de comportamentos na sociedade. E, nesse contexto, é importante que o jurídico interno da empresa assuma cada vez mais o papel de inovar, co-criar e ampliar sua influência.

Em outras palavras, o papel do jurídico e seus integrantes deve ser amplo e inovador, de forma não só a contribuir com as iniciativas de diversidade e inclusão da companhia em que atua, mas gerar impactos que possam transformar a sociedade. E isso será possível se tiver como propósito compartilhar essas iniciativas inovadoras para além da própria empresa, influenciar e impactar outras organizações, criar e pensar conjuntamente em ideias e iniciativas disruptivas, que possam beneficiar a própria estrutura da qual faz parte, as demais e, assim, conseguir contribuir para uma sociedade mais equânime.

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