Saúde mental nos escritórios de advocacia: desafios, inclusão, individualização - Um convite à reflexão e à construção de soluções | Análise
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Saúde mental nos escritórios de advocacia: desafios, inclusão, individualização - Um convite à reflexão e à construção de soluções

Por Beatriz Alli, Rafaela Baraçal e Fernanda Sgroi, repsectivamente diretora de Recursos Humanos, especialista de Gestão de Saúde e gerente de Remuneração, Benefícios, Analytics, Gestão de Saúde e Administração de Pessoal do achado Meyer Advogados

30 de September 17h28

Os escritórios de advocacia, assim como todas as organizações, refletem as dinâmicas e desafios da sociedade contemporânea. Entre os temas que vêm ganhando relevância, a saúde mental desponta como prioridade inadiável. Mais do que identificar problemas, este artigo busca promover uma reflexão construtiva, sobre como o ambiente jurídico pode apoiar seus profissionais, valorizando a corresponsabilidade entre indivíduos e instituições.

Panorama da saúde mental no Brasil

Os dados nacionais trazem sinais de alerta. Em 2025, a OMS aponta o Brasil como o país mais ansioso do mundo, com uma média de 9,3% da população diagnosticada com transtorno de ansiedade. Segundo o mesmo órgão, somos o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo maior índice no continente americano ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

Segundo pesquisa do Instituto Ipsos de 2021, 75% dos brasileiros apontavam a saúde mental como preocupação pessoal; entre eles, mais da metade não sabia como buscar ajuda.  Outra pesquisa, "Panorama da Saúde Mental" (Instituto Cactus & Atlas Intel), revelou que apenas 5% da população brasileira está em acompanhamento contínuo de psicoterapia, embora cerca de 16% façam uso de psicoativos.

Complementarmente, constatou‐se na mesma pesquisa que durante a pandemia 29,33% dos brasileiros entrevistados procuraram ajuda profissional por questões de saúde mental, já 34,2% relataram que gostariam de ter tido suporte psicológico, mas não buscaram.

Diagnóstico massificado e tratamento adequado

Há também um risco contemporâneo: a massificação de diagnósticos superficiais ou genéricos. Embora uma média de 75% dos brasileiros apresente sintomas de ansiedade ou depressão, apenas uma minoria está em tratamento adequado, psicoterapia contínua ou acompanhamento multidisciplinar. Enquanto outros dependem sobretudo de medicação. Os dados já citados mostram que 5% da população está em psicoterapia contínua, mas 16% usam psicoativos, o que sugere que muitos podem receber apenas tratamento farmacológico por conta própria sem suporte psicoterapêutico adequado.

Outro ponto importante são os diagnósticos não supervisionados. Por exemplo, o diagnóstico de síndrome de Burnout, segundo o Ministério da Saúde, deve ser realizado por um profissional especialista (psiquiatra ou psicólogo) após análise clínica do paciente.

De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, essa análise clínica deve excluir todas as outras possibilidades de transtornos que não sejam relacionados ao trabalho, o que pode levar no mínimo de 10 a 12 sessões. E, se necessário, visita do profissional ao local de trabalho para apoio ao diagnóstico. Um diagnóstico feito de maneira inadequada resulta em um tratamento não efetivo e, consequentemente, piora dos sintomas, surgimento de novos e agravamento do quadro clínico e qualidade de vida do indivíduo.

Individualidade e Inclusão

Cada pessoa estabelece uma relação singular com o trabalho, influenciada por sua história, necessidades e recursos internos. A pirâmide de Maslow ajuda a compreender como necessidades básicas, como segurança e pertencimento, são pré-requisitos para que indivíduos atinjam autorrealização. Já a psicanálise, a partir das contribuições de Freud e Lacan, lembra que a subjetividade e o inconsciente moldam nossa forma de lidar com expectativas e responsabilidades. Isso significa que não há fórmulas universais para adequação de um ambiente ideal de trabalho, visto que cada pessoa em um escritório arquiteta — consciente ou não — uma relação com o trabalho que pode ser conflituosa ou saudável.

Além disso, há o desafio da inclusão: pessoas de diferentes gêneros, classe, raça, orientação sexual, com diferentes trajetórias de vida, com mais ou menos acesso a recursos externos e diferentes estilos de vida. Todas essas variáveis influenciam como cada indivíduo sente o ambiente, sua saúde mental, e o risco de adoecer.

Particularidades do ambiente jurídico

A advocacia é uma atividade que demanda conhecimento especializado e, naturalmente, necessita de profissionais de alta performance, focados em prazos e atenção a detalhes. Tais características, somadas à pressão por resultados, podem gerar níveis de estresse elevados.

No entanto, é importante destacar que os escritórios, ao reconhecerem esses desafios, têm também a oportunidade de se posicionar como aliados no cuidado com seus profissionais, investindo em benefícios e incentivando o autocuidado, resultando em maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, gerando assim melhores desempenhos e sustentabilidade do negócio.

Atenção coletiva com sensibilidade individual

Dado esse panorama, o papel dos escritórios não pode se limitar a ações pontuais e genéricas. É necessário conciliar ações coletivas com atenção individualizada, além de um olhar realista sobre o ambiente, desenvolvendo programas e ações que sejam possíveis e que façam correlação de responsabilidade individual e institucional.

Esse é o caminho que estamos trilhando no Machado Meyer. Oferecemos atendimento gratuito de psicoterapia e consultas com psiquiatra, além de treinamentos de saúde mental para lideranças e estudantes, voltados ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Também estruturamos um programa de gestão de saúde em três pilares — físico, social e emocional — com apoio especializado do RH para casos de saúde mental, conduzidos de forma técnica e confidencial. Complementam essas ações palestras e cursos voltados a todos os colaboradores.

Em 2019, implantamos um programa de gestão de saúde com pilares voltados à saúde física, social e emocional. O programa teve origem na necessidade de acompanhar a saúde das pessoas de maneira preventiva e não somente em casos críticos ou através de algum sintoma que poderia cascatear em doenças, além de nos ajudar a normalizar conversas sobre saúde, especialmente a mental.

Depois do lançamento do programa e da pandemia, ao analisarmos os indicadores do programa que são acompanhados periodicamente, foi identificada a necessidade de expansão da equipe, com a contratação de uma profissional especializada em saúde mental corporativa. Essa iniciativa possibilitou que conseguíssemos gerenciar de maneira eficaz e estratégica questões relacionadas ao bem-estar físico, social e emocional de nossos profissionais, impactando diretamente na produtividade, satisfação e retenção de nossos talentos.

Passamos a desenvolver programas adaptados às necessidades específicas do escritório e nossos profissionais, implementar e acompanhar políticas relacionadas à saúde ocupacional e de gestão de crises, garantindo que sejam claras e eficazes. Identificamos e antecipamos riscos, como doenças crônicas ou problemas mentais que possam surgir. Monitoramos e acompanhamos constantemente a eficiência dos programas, além de realizar atendimentos personalizados e avaliar evolução de quadro clínico.

Apoiamos a sustentabilidade de longo prazo do negócio, incentivando práticas responsáveis e equipes saudáveis, produtivas e engajadas. Otimizamos a gestão de custos com saúde, muitas vezes reduzindo-os por meio de direcionamentos mais assertivos e prevenção de afastamentos, pois acreditamos que prevenir frequentemente é mais econômico do que tratar doenças

Usamos indicadores como exames ocupacionais, comitês de saúde, avaliações de desempenho, pesquisas de cultura, eNPS, lNPS, entrevistas de desligamento e dados do canal de denúncias para orientar ações e planejar o futuro. Aprendemos que medir aspectos "intangíveis" também é essencial, pois pesquisas isoladas nem sempre refletem a realidade. Por isso, cruzamos informações cuidadosamente e mantemos proximidade com pessoas, lideranças, áreas e Business Partners de RH para compreender melhor a realidade.

Baseamos nossas práticas em métricas técnicas do CRP, CRM, OMS e outros órgãos. Além disso, a internalização da área de gestão de saúde traz diversos benefícios, especialmente no apoio aos líderes na condução dos casos. Com essa proximidade, é possível enfrentar os desafios individuais de cada situação e traçar estratégias personalizadas conforme a demanda.

É indispensável o olhar técnico sobre o tema, uma vez que vendemos serviços jurídicos e o capital intelectual sempre será estratégico para o nosso negócio, ou seja, buscar um ambiente seguro e saudável é necessário para sustentação das nossas pessoas e consequentemente do negócio.

Nosso objetivo é preparar mais pessoas e aproximar a gestão de saúde das áreas de negócio, reforçando o cuidado com a saúde. Anualmente, elaboramos um planejamento estratégico com análises detalhadas da nossa população e do mercado, visando dar continuidade aos programas existentes, manter seus bons resultados e criar novas frentes, sempre atentos a mudanças inesperadas de rota.

Não se trata de ver a saúde mental como obstáculo ao desempenho jurídico, mas como elemento central do desempenho sustentável. Escritórios que negligenciam saúde mental correm riscos, como turnover alto, absenteísmo, desgaste profissional, falhas técnicas, crise reputacional e produtividade baixa.

Por outro lado, ao reconhecer os problemas, apoiar e direcionar os profissionais de maneira efetiva, criando ambientes seguros que respeitam diversidade, inclusão e singularidades, os escritórios podem colher benefícios duradouros, como equipes mais coesas, motivação, inovação, alta performance, qualidade, satisfação profissional, boa reputação e retenção de talentos.

O convite, portanto, é que as organizações jurídicas assumam papel ativo nesse movimento: não como responsáveis, mas como parceiras dos profissionais em sua jornada de desenvolvimento humano e profissional.

Beatriz Alli - Diretora de Recursos Humanos do Machado Meyer Advogados

Rafaela Baraçal - Especialista de Gestão de Saúde do Machado Meyer 

Fernanda Sgroi - Gerente de Remuneração, Benefícios, Analytics, Gestão de Saúde e Administração de Pessoal do Machado Meyer Advogados

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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