Um dos atuais desafios para os órgãos de fiscalização e controle é realizar um processo regulatório que seja capaz de gerar posturas colaborativas nos agentes e ao mesmo tempo fomentar a inovação dos produtos e serviços postos à disposição de consumidores e usuários. No Brasil, muito se discute sobre o papel do Estado como regulador e isso está diretamente ligado à atividade de organização dos mercados e atividades econômicas. Sobre o tema o senso comum, em regra, decreta a falta de punição como solução.
Um exemplo típico está na forma como os órgãos ambientais conduzem a fiscalização das infrações. É fato que existe um aparente contexto de esvaziamento das ferramentas e respostas fiscalizatórias, o que, em tese, permitiria o aumento das infrações e serviria até de incentivo para a prática de crimes ambientais. Por outro lado, o que se propõe como solução seria a implementação do que se denomina "Comando e Controle": método pautado na prescrição-punição, ou seja, uma vez constatada a infração, segue a multa.
Não se pode esperar que apenas a punição seja capaz de induzir as melhores condutas. Na verdade, ela é apenas uma ferramenta, dentre várias outras. O insucesso do método de comando e controle é algo bem consolidado, analisado e documentado (exemplo de análise está no Acórdão 1970/2017 do Tribunal de Contas da União, que verificou que uma parcela ínfima das multas aplicadas por agências regulatórias é de fato recolhida). Ficou evidente que a judicialização é a tônica da resposta ao punitivismo do Estado.
É natural que seja assim quando a intervenção estatal em determinada atividade econômica se dá pelo viés exclusivo da punição, especialmente quando há assimetria de informação. O que provavelmente ocorrerá, neste caso, é o desenvolvimento de condutas oportunistas. O agente de mercado passará a adotar posturas calculistas, fazendo uma operação racional na qual pesará os benefícios capturados pela prática da infração, o risco de ser apanhado e qual seria o valor da multa que teria que pagar. Provavelmente, ele considerará até o tempo que levaria o efetivo desembolso em eventual sanção financeira.
Quando se está em mercados que muitas vezes atuam nas margens da legalidade, a estratégia de Comando e Controle é bastante ineficaz, pois a multa passa a ser um mero pedaço de papel e, mesmo que isso venha a causar óbices operacionais para pessoas jurídicas constituídas que precisam estar aderentes a mínimos contornos de legalidade (como ter certidões negativas), será sempre possível utilizar de uma sociedade empresária até o limite de sua viabilidade formal e depois substituir sua representação por outra, muitas vezes em nome de terceiros.
Mas mesmo em mercados muito profissionais e bem regulados, como telefonia, petróleo e gás, energia elétrica, mercado financeiro, não parece ser o Comando e Controle a vanguarda em termos de regulação. Outros métodos vêm ganhando espaço, especificamente o da Regulação Responsiva. Trata-se de uma metodologia que supera o Comando e Controle, e faz isso justamente porque não abandona a ferramenta da punição, mas, diferentemente da técnica estritamente punitiva, ela encampa outros meios de indução de comportamentos desejáveis.
A regulação responsiva é persuasiva e atenta às características do mercado regulado, observa o comportamento dos agentes e, principalmente, é "consequencialista". Ela é orientada pela finalidade pública que se pretende alcançar a partir de um processo participativo com todos os stakeholders, definindo quais devem ser os resultados pretendidos, o que pode estar na universalização do serviço, na sua modicidade, na satisfação do usuário, na inovação, entre outros. Afinal, gestão pública com eficiência é gestão feita com planejamento, controle e monitoramento, pautada em fatos e dados e que alcança resultados benéficos aos interessados.
O regulador deve então ter ao seu dispor uma margem de deliberação, a fim de que as decisões empreendidas sejam economicamente eficientes e alcancem os resultados de forma mais simples e menos onerosa possível.
Com este propósito, a regulação responsiva funciona a partir da ilustração de duas pirâmides, uma voltada às sanções, outra, aos incentivos, possibilitado o trânsito entre uma e outra. O objetivo é fomentar nos agentes de mercado comportamentos aderentes à regulação e, sobretudo, condutas colaborativas.
Assim, o agente colaborador pode ter em sua fiscalização um tratamento diferenciado, e ao invés de receber uma multa por identificação de uma infração, pode ter a concessão de um prazo para correção e resolução do problema perante terceiros atingidos. Se certificada a sua conformidade em alto nível, pode ser premiado com méritos de qualidade que afetarão a sua reputação positivamente.
Já aquele outro agente inicialmente arredio ao processo, mas que tempestivamente resolve aderir e colaborar, pode ter, discricionariamente, reduzida a penalidade, ou mesmo vê-la revogada, a depender do contexto fático e das motivações do Regulador, que devem ser sempre transparentes e justificadas.
Por outro lado, aos agentes completamente refratários à regulação, estão reservadas punições paulatinamente mais gravosas, multas muito pesadas, mas decorrentes de um processo no qual o esforço do Regulador em obter a adequação consentida se mostre suficiente e adequado, mas não apenas multas são utilizadas, em casos extremos o agente infrator precisa ser desabilitado do jogo. Caso se trate de concessão pública, deve poder ser aplicada a caducidade, por exemplo. Em situações ainda mais extremas, e se este for o caso, como a propósito é comum em matéria de meio ambiente, a regulação deve dar tratamento criminal ao infrator, mas para isso é necessária uma coordenação com outros entes estatais, especificamente Polícia e Ministério Público.
Várias agências reguladoras, como a Anatel, estão em processo de mudança de método e adotando a regulação responsiva. E isso é muito oportuno, pois atualmente empresariar é quase sinônimo de se conduzir de modo disruptivo, e o preceito não vale apenas para as startups, todas as empresas estão em franco processo de digitalização, processo que vai desde o front-end onde o cliente interage com a solução de aquisição do produto ou serviço e passa pelos canais de atendimento de pós-venda, gestão financeira, modulação do produto final, enfim em todos (ou quase todos) os processos empresariais.
Inclusive, há empresas que atuam apenas virtualmente, onde os pagamentos não são aceitos em dinheiro e onde não há sequer atendimento humano ou telefônico. Ou seja, tudo se resolve no aplicativo. E aparentemente estas empresas têm tido êxito no nível de satisfação de seus usuários, exemplos não faltam. Mas diante deste contexto como poderíamos enquadrar estas empresas da nova economia no eixo da regulação? Como tratar uma empresa de streaming que não dispõe de um atendimento telefônico? Multá-la? Proibi-la de operar?
Por outro lado, e se as empresas reguladas, constituídas no Brasil, que empregam milhares de pessoas e recolhem altas cargas de impostos aqui, resolvem abrir concorrência a estes novos players? Elas vão ter que cumprir normas que não estão alcançando as suas concorrentes? Deverão ser multadas, enquanto as outras atuam por baixo dos radares do regulador?
Estas são provocações que por outra via agregam razões para a necessidade da implantação de métodos de regulação mais atualizados, que sejam paritários e moduláveis. E os departamentos jurídicos e escritórios de advocacia devem acompanhar este processo e colaborar para que o resultado não seja fruto de imposições do Estado a partir de conceitos que não passam de desejos e não guardam relação com o que é possível e eficiente ou, pior, que se chame de Regulação Responsiva algo que no fundo é o velho Comando e Controle.