Reforma do Código Civil: Novas regras para (re)negociar contratos empresariais desequilibrados | Análise
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Reforma do Código Civil: Novas regras para (re)negociar contratos empresariais desequilibrados

Por Letícia Bürger e Edgard Roland, advogados do Duarte Tonetti Advogados

9 de December 16h34

O debate sobre a Reforma do Código Civil, intensificado com a tramitação do Projeto de Lei nº 4/2025 no Congresso Nacional, propõe mudanças relevantes para os contratos empresariais. De acordo com o Projeto, quando fatos imprevisíveis tornarem a execução de um contrato excessivamente onerosa, a parte prejudicada poderá escolher entre revisar ou extinguir o contrato. A medida busca reduzir litígios e dar maior previsibilidade às relações comerciais.

O Projeto determina que a revisão deve se limitar ao necessário para eliminar ou mitigar a onerosidade excessiva, respeitando a boa-fé e a alocação de riscos, evitando impor sacrifício desproporcional a qualquer das partes. Cabe notar que as alterações propostas não se aplicarão a contratos que seguem o Código de Defesa do Consumidor.

Pela redação proposta, o art. 478 do Código Civil passaria a distinguir o risco habitual do negócio daquilo que foge completamente do esperado, onde se nota a majoração de custos ou o esvaziamento de receitas. Trata-se de reconhecer a "imprevisibilidade" como elemento essencial para se pleitear uma revisão ou extinção: o evento não poderia ser razoavelmente previsto por agentes experientes naquele ramo de atuação, ou seja, não basta uma mera variação esperada de preços de custos ou insumos.

O art. 479, por sua vez, autorizaria o credor, diante de pedido de revisão, a requerer a resolução do contrato, caso demonstre que a revisão seria inadequada ou inviável. A lógica é simples: não faz sentido reequilibrar um contrato cujo custo de adequação superaria o benefício de sua manutenção.

Para finalizar os artigos do Projeto aqui analisados, o art. 480 incentivaria a utilização, já crescente, de cláusulas de renegociação, obrigando as partes a instaurarem tratativas quando surgirem eventos supervenientes relevantes. Se a negociação fracassar, permanece a possibilidade de judicialização. O objetivo é fortalecer soluções extrajudiciais e reduzir a litigiosidade.

Um exemplo ajuda a ilustrar o alcance da mudança. Imagine uma indústria de cosméticos que firma contrato anual, a preço fixo, para fornecer kits mensais de creme facial a uma rede varejista. Três meses depois, ocorre uma elevação abrupta no preço de um insumo importado. Com cláusula de renegociação, as partes iniciam tratativas para readequar o fornecimento. Se não houver acordo, a fabricante pode pedir revisão judicial, e o varejista, por sua vez, requerer a resolução, devendo comprovar que a revisão imporia sacrifício excessivo ou frustração da finalidade do contrato.

Os reflexos dessas pretendidas alterações são expressivos. As empresas poderão revisar seus instrumentos contratuais, para que sejam previstas cláusulas claras de renegociação e critérios objetivos para identificar desequilíbrios. Em processos judiciais, espera-se um aumento das discussões probatórias e periciais, com o intuito de se comprovar a alegada onerosidade excessiva e o cenário de imprevisibilidade, ou a inexistência dessas situações, o que exigirá assessoria técnica para demonstrar variações de mercado, impactos financeiros e boa-fé nas tentativas de reajustes contratuais.

Em síntese, a reforma do Código Civil pretende estimular uma abordagem mais técnica e preventiva às relações empresariais, reduzindo decisões imprevisíveis e fortalecendo a cultura de gestão contratual estratégica. Caso as tentativas de renegociação falhem, o papel do Judiciário deve ser restrito ao necessário para restabelecer o equilíbrio contratual, evitando reescrever integralmente as obrigações pactuadas.

O que sua empresa pode fazer diante desse quadro? A recomendação mais segura é a de atualizar os contratos, para incluir procedimentos de renegociação, e reforçar a atenção sobre a gestão contratual. Se a renegociação falhar ou já houver litígio, deve-se estruturar uma estratégia contenciosa, que preserve as evidências das tratativas e dos impactos econômicos, visando à resolução da disputa.

Letícia Bürger é advogada no Duarte Tonetti Advogados, especialista em Processo Civil e em Família e Sucessões, mestranda em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional.
Edgard Roland é advogado no Duarte Tonetti Advogados e mestre em Direito e Inovação.

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