A sociedade contemporânea está imersa em um cenário de intensa conectividade, no qual a informação circula com velocidade sem precedentes e as fronteiras entre o espaço público e o privado se tornam cada vez mais tênues. Nesse contexto, a internet e, especialmente, as redes sociais, desempenham um papel central na formação de opiniões, na difusão de discursos e na mobilização social. Questões antes restritas aos meios tradicionais de comunicação ou ao ambiente jurídico passaram a ser discutidas em tempo real por milhões de usuários, promovendo uma nova dinâmica de interação entre os indivíduos e as instituições. Essa transformação digital impacta diretamente a forma como os cidadãos compreendem, questionam e até mesmo participam de processos jurídicos, tornando o debate público mais acessível, porém mais suscetível à desinformação e ao julgamento precipitado.
Vivemos em uma era em que as redes sociais se consolidaram como importantes ferramentas de comunicação, influenciando não apenas as relações interpessoais, mas também o modo como a sociedade se posiciona diante de questões jurídicas. A possibilidade de mobilizar opiniões, gerar repercussão e até mesmo pressionar decisões judiciais revela o imenso poder dessas plataformas. No entanto, esse poder exige responsabilidade.
O uso indevido das redes sociais para mobilização judicial pode comprometer a imparcialidade do Judiciário, afetar a integridade do devido processo legal e alimentar uma cultura de julgamentos antecipados, muitas vezes baseados em informações incompletas ou distorcidas. A ideia de que "o tribunal da internet" pode substituir as instâncias formais de justiça é perigosa e pode gerar danos irreversíveis, não apenas para as partes envolvidas, mas também para a credibilidade das instituições jurídicas.
Quando processos são expostos fora do ambiente jurídico, especialmente por meio de narrativas sensacionalistas, emocionais ou distorcidas, cria-se um ambiente de julgamento paralelo que pressiona os operadores do Direito. Essa pressão, mesmo que informal, pode influenciar a condução do processo, afetar a serenidade dos magistrados e, em casos extremos, até interferir no resultado da decisão judicial. Casos como o do julgamento do incêndio da Boate Kiss e os processos envolvendo influenciadores digitais evidenciam como a opinião pública, amplificada pelas redes, tende a antecipar condenações ou absolvições antes mesmo da análise integral dos autos. Essa antecipação compromete o princípio da presunção de inocência e o direito à ampla defesa, pilares essenciais do devido processo legal.
Além disso, a viralização de informações fora de contexto, a disseminação de fake news sobre o andamento de processos ou a publicação de dados sigilosos podem colocar em risco a integridade do sistema de justiça. Em tempos de comunicação instantânea, um simples tuíte ou vídeo pode provocar efeitos irreversíveis, gerando linchamentos virtuais, ameaças a testemunhas e desestabilização emocional das partes envolvidas. O juiz, embora protegido por garantias constitucionais como a vitaliciedade e a independência funcional, não está completamente imune à pressão social, sobretudo em processos de grande repercussão midiática. Nesse contexto, é fundamental reforçar os mecanismos institucionais de proteção à imparcialidade e promover a educação digital da população quanto aos limites éticos e legais do uso das redes sociais no acompanhamento de casos judiciais. A credibilidade da Justiça depende, em grande medida, da sua capacidade de decidir com base em provas e na lei e não sob o peso das opiniões que ecoam nas redes.
Por outro lado, não se pode negar que as redes sociais democratizaram o acesso à informação e ampliaram os canais de participação social. Esse aspecto positivo, porém, não elimina a necessidade de reflexão ética sobre os limites dessa comunicação, especialmente quando se trata de temas que envolvem direitos fundamentais e garantias constitucionais.
Plataformas como Instagram, YouTube, TikTok e Twitter têm sido utilizadas por advogados, juízes, professores e influenciadores jurídicos para traduzir temas complexos do Direito em uma linguagem acessível ao público. Iniciativas como vídeos explicativos sobre direitos do consumidor, orientações sobre violência doméstica ou direitos trabalhistas têm alcançado milhões de pessoas, muitas das quais não teriam acesso fácil a esse conhecimento por meios tradicionais. Além disso, movimentos sociais como "#JustiçaPorMarielle" mostraram como a mobilização online pode trazer à tona casos antes invisibilizados, pressionando por investigações e mudanças institucionais. Esses exemplos demonstram que, quando bem utilizadas, as redes sociais funcionam como ferramentas potentes de cidadania e empoderamento jurídico.
Diante desse cenário, o desafio que se impõe aos profissionais do Direito e à sociedade como um todo é o de construir uma cultura digital pautada pela responsabilidade, pelo respeito à presunção de inocência e pela valorização dos mecanismos formais de justiça. O incentivo à checagem de fatos, o respeito ao sigilo processual e a compreensão dos limites entre opinião e acusação são atitudes que devem ser incorporadas ao cotidiano digital dos cidadãos. Mais do que nunca, é preciso compreender que a comunicação jurídica nas redes sociais deve ser orientada não apenas pela liberdade de expressão, mas também pelos princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito.
Tainá Pereira dos Santos, é Analista Jurídica no escritório Parada Advogados. Atua na área da Qualidade, integrando a equipe de Combate à Litigância Abusiva, com foco na garantia da excelência e experiência diferenciada para o cliente.
Jéssica Aparecida Rescigno de Franca -Coordenadora Jurídica do Banco BMG, pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital pela FGV. Membro permanente da Comissão de Direito
Bancário da OAB/SP.
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