Quem não mudar, será engolido — inclusive os grandes | Análise
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Quem não mudar, será engolido — inclusive os grandes

Por Paulo Christiano Sobral, sócio do Urbano Vitalino Advogados e CEO da NeuroLaw

1 de July 13h41

O mercado jurídico vive uma disrupção silenciosa, mas profunda. A Inteligência Artificial Generativa não é mais promessa de longo prazo: ela já começa a ser realidade em tarefas antes exclusivamente humanas — redação jurídica, análise documental, elaboração de minutas, revisão de contratos e até interpretação estratégica de processos.

Mas enquanto a tecnologia avança, a estrutura de muitos grandes escritórios continua presa ao passado.

A queda progressiva do valor unitário dos honorários — especialmente no contencioso — é um sintoma claro de que o modelo tradicional de produção começa a perder sua efetividade. Ainda que o faturamento global dos grandes escritórios permaneça estável ou até em crescimento, as margens de contribuição por ato praticado seguem em declínio, pressionadas por contratos fixos, ausência de reajuste e um novo tipo de comparação: o cliente que se pergunta se a máquina já não faz melhor.

Neste contexto, muitos atribuem à IA a responsabilidade por essa compressão de preços. Mas essa é uma leitura rasa. O valor pago por uma contestação, por exemplo, não se refere apenas à peça em si, mas à assunção do risco, à entrada processual com responsabilidade patrimonial dos sócios, à capacidade de gestão em escala e ao acompanhamento jurídico qualificado ao longo do tempo. Reduzir tudo isso à redação de texto é subestimar a complexidade da advocacia.

Contudo, há um ponto inegável: a IA Generativa vai redistribuir o poder no mercado jurídico. E os mais preparados para absorver essa tecnologia com velocidade, agilidade e foco operacional não são, necessariamente, os maiores.

Escritórios menores, menos burocratizados e mais habitados por profissionais nativos digitais, tendem a reagir com maior flexibilidade. São eles que estão desenvolvendo fluxos onde agentes autônomos de IA tomam decisões, redigem peças, analisam dados processuais e interagem com plataformas — muitas vezes sem a supervisão humana direta. E tudo isso sem depender de projetos com escopos rígidos, orçamentos travados ou aprovações múltiplas em comitês.

Enquanto isso, muitos grandes escritórios enfrentam um desafio interno pouco comentado: a fragmentação da unicidade estratégica. Departamentos como RH, Financeiro, Marketing e Business Development, essenciais para a gestão moderna, muitas vezes operam como feudos autônomos, desconectados da lógica de produtividade jurídica e da velocidade que a tecnologia exige. O jurídico, nesse arranjo, torna-se dependente da área meio para inovar — e a inovação se perde entre o planejamento anual e as métricas de curto prazo.

Alguns grandes, é verdade, têm Labs e comitês de inovação. Mas muitos deles, embora bem-intencionados, acabam capturados pela operação cotidiana. A falta de autonomia, de investimento de risco e de liberdade criativa faz com que sejam mais apêndices institucionais do que verdadeiras alavancas de transformação.

Isso não significa que o tamanho, por si só, seja um problema. O que se coloca em xeque é o modelo de gestão baseado em hierarquias lineares, pouco integradas, que foram moldadas para uma era industrial — e não para uma era cognitiva, de dados, automação e inteligência distribuída.

A pergunta, então, não é se os grandes vão desaparecer. É: quem, dentre eles, será capaz de mudar sua cultura antes que o mercado mude por eles?

Porque há um movimento claro em curso: o cliente já mudou. Ele já compara tempo de resposta. Já questiona o custo da mão de obra. Já exige eficiência, previsibilidade, dados. E, sim, já está testando IA — às vezes antes do próprio escritório contratado.

Na biologia, as espécies que sobrevivem não são as mais fortes, mas as que melhor se adaptam. Na advocacia, não será diferente.

Paulo Christiano Sobral é advogado e Administrador, Sócio do Urbano Vitalino Advogados, CEO da empresa de tecnologia NeuroLaw, especialista em Inteligência Artificial para negócios pelo MIT, mestre em administração, LLM em Direito Digital, especialista em Estratégia, Marketing, Finanças, Economia e Negócios.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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