Procuração em causa própria: os limites da transmissão de direitos | Análise
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Procuração em causa própria: os limites da transmissão de direitos

Por Haroldo Lourenço e Ana Guimarães, sócio fundador e advogada associada, respectivamente, do BLP Advogados

7 de September de 2023 8h

Um dos meios mais comuns de outorga de poderes é através do contrato de mandato, que se instrumentaliza por meio de procuração, dispondo este de natureza de negócio jurídico, sendo uma das espécies a procuração em causa própria (in rem suam ou in rem propriam), prevista no Código Civil em seu artigo 685, estabelecendo os limites da validade da transmissão de poderes.

Nesse sentido, em consonância com a Lei, o STJ¹ concluiu que a outorga de poderes por meio de procuração em causa própria não caracteriza título translativo de propriedade.

Em seu voto, a Ministra Relatora do recurso acima indicado, Nancy Andrighi, afirmou categoricamente que a outorga de poderes através do referido instrumento não tem o condão de transmitir o bem, consistindo apenas em representação de direito do transmitente, de maneira irrevogável.

A decisão é escorreita ao definir que o promitente comprador possui legitimidade mesmo após a outorga de poderes a terceiro, devendo ser refutada a tese de viabilidade de transferência de direitos creditícios, sobretudo em razão da natureza jurídica da procuração, sendo esta unilateral e independente, objetivando exclusivamente a transmissão do poder de representar.

Impende ressaltar que para dispor sobre determinado bem, o instrumento de procuração não é meio conveniente para ceder o domínio, cabendo para tal situação, a escritura pública de compra e venda.

A procuração em causa própria, portanto, não altera a posição do promitente comprador, apenas confere poderes ao outorgado, exercendo exclusivamente manifesta vontade do outorgante, permanecendo este titular de direitos com relação ao contrato objeto da procuração.

A celeuma é aprioristicamente simples, contudo, não se pode olvidar que a outorga de procuração em causa própria, em razão da irrevogabilidade e irretratabilidade inerentes do instrumento, implicaria necessariamente em transferir os direitos de forma definitiva, concretizando a transmissão da propriedade.

Em termos práticos, por esse entendimento, a irrevogabilidade investe poderes ao outorgado, permitindo a este que persiga seus direitos ante a transferência mediante mandato. Noutros termos, a cláusula de irrevogabilidade atribuiria ao outorgado os poderes decorrentes do instrumento procuratório.

Nota-se, portanto, que o Ministros² que defendem essa corrente, sustenta que a referida procuração garante ao outorgado a dispensa na prestação de contas, tal qual determina a Lei, bem como agir em nome próprio.

Apesar de ainda haver forte polarização no que concerne ao assunto ora debatido, o entendimento fora fixado pelo STJ conforme pontuado acima, prevalecendo a tese de que a simples outorga de poderes através da procuração em causa própria, não confere ao outorgado poderes que lhe permitam dispor do bem, não sendo passível de transferência o domínio da propriedade ao mandatário, sendo este meramente um representante de direitos do mandante.

¹RESP N. 1.962.366/DF, RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, JULGADO EM 14/2/2023, DJE DE 2/3/2023.

²REsp Nº 1.345.170 - RS, RELATOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, JULGADO EM 04/05/2021, DJE DE 16/06/2021.

Haroldo Lourenço é sócio fundador do BLP Advogados, 18 anos de experiência como advogado em litígios cíveis e imobiliários de pequena, média e grande complexidade, pós-doutor em Direito (UERJ), doutor e mestre em Direito Processual Civil (UNESA), pós-graduado em Processo Constitucional (UERJ) e Processo Civil (UFF), professor adjunto doutor na Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), professor convidado da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Ex-diretor jurídico e atualmente Coordenador da ABAMI (Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário). Membro da comissão de Direito Imobiliário do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), do Instituto Carioca de Processo Civil (ICPC), da Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Autor de diversos livros e artigos jurídicos.

Ana Guimarães é pós-graduada em Direito Processual Civil - IBMEC/RJ, pós-graduada em Gestão Jurídica - IBMEC/RJ, curso de Extensão em Contratos - FGV/RJ e com 8 anos de experiência em contencioso cível, com ampla experiência em Direito do Consumidor.

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