Pretos no Direito - A busca pelo espaço dos pretos na advocacia | Análise
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Pretos no Direito - A busca pelo espaço dos pretos na advocacia

Por Felipe César Lourenço, advogado do Stocche Forbes Advogados

21 de October de 2021 8h

A escassa presença de advogadas e advogados negros nos principais escritórios de advocacia do país e nos departamentos jurídicos das grandes empresas é uma realidade. O censo realizado pelo Centro de Estudos da Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, em 2018, apresenta bem este panorama ao indicar que, à época, apenas 1% dos membros dos nove escritórios que participaram do levantamento eram negros.

Infelizmente, não há muitos censos sobre o tema, mas basta uma rápida visita aos portais dos grandes escritórios para verificar que, infelizmente, há pouquíssimos negros. O quadro se agrava ainda mais quando procuramos negros em cargos executivos destes escritórios. Essa realidade, no entanto, se inverte quando analisamos a composição étnica dos profissionais responsáveis pela segurança, limpeza, zeladoria e outras ocupações que exigem pouca qualificação.

A posição historicamente adotada para encarar essa triste realidade foi a normalização, tanto por parte das instituições quanto dos profissionais. Muitos advogados negros que, apesar das dificuldades, conseguiram quebrar a barreira do racismo que sustenta essa desigualdade, acabavam aceitando-a, alguns por um sentimento de impotência outros seduzidos pelo falacioso discurso da meritocracia.

Por sorte, os tempos mudaram e o inconformismo tem tomado o lugar da normalização até então predominante.

Consequentemente, a preocupação com a desigualdade racial tem sido cada vez mais presente entre os gestores dos grandes escritórios. Isso pode ser comprovado por meio do levantamento realizado pela Análise Advocacia Diversidade e Inclusão, divulgado em agosto pela Análise Editorial, no qual constatou-se que 42% dos escritórios de advocacia ouvidos possuem programa de diversidade e inclusão, dos quais 91% têm foco na questão étnico-racial. A própria criação da Aliança Jurídica Pela Equidade Racial - que hoje conta com a participação de doze dos maiores escritórios de advocacia brasileiros - também é um exemplo dessa movimentação institucional.

Do lado dos profissionais não é diferente. Um levantamento recente, realizado pelo DataFolha entre advogados, divulgado em junho, indicou que apenas 40% são a favor de cotas raciais, enquanto 58% são contrários. No entanto, um recorte geracional deste estudo indica que, dentre os entrevistados de 18 a 34 anos, 53% são favoráveis às cotas raciais, o que demonstra que há um desejo maior de mudança dentre a nova geração de advogados.

Esse movimento crescente de inconformismo foi o que motivou, em junho de 2020, a criação do Pretos no Direito. A partir de minha vivência em grandes escritório e empresas, verifiquei que muitas das queixas dos profissionais de recursos humanos que buscavam pessoas pretas para os seus processos seletivos era o fato de não receberem currículos destes profissionais. Com isso, tive a ideia de criar um e-mail para receber e reunir o currículo dessas pessoas e criar um banco de dados de currículos, colocando-o à disposição de recrutadores. Assim, nasceu o projeto Pretos no Direito, como um acervo de currículos de advogados, bacharéis e estagiários negros.

A iniciativa, felizmente, tomou uma proporção muito maior do que a esperada, tendo recebido a adesão e o apoio de diversas pessoas e instituições. Para facilitar a comunicação, foi criado um perfil de Instagram que hoje conta com mais de 2.500 seguidores. Do e-mail, a plataforma passou para um formulário de cadastro cujos dados eram transferidos para uma planilha de banco de dados acessível a todos os interessados.

Hoje, a plataforma evoluiu para um portal com duas categorias de cadastro: um de profissionais e outro reservado para os escritórios e empresas. No primeiro, cadastram-se advogados, bacharéis e estagiários negros da área do Direito que estão buscando sua inserção ou recolocação no mercado de trabalho. No segundo, cadastram-se as instituições que buscam ter acesso aos perfis destes profissionais para seus processos seletivos internos. 

Atualmente, a plataforma possui mais de 120 perfis profissionais cadastrados. Não há qualquer intermediação no processo de recrutamento e seleção, o propósito é conectar recrutadores e candidatos negros.

Considerando o alcance das páginas do projeto nas redes sociais, por sugestão dos escritórios parceiros, o Pretos no Direito passou a também promover a divulgação de vagas em seus perfis, especialmente, no Instagram e Facebook. Em um primeiro momento, essa divulgação era feita de acordo com os materiais de divulgação apresentados pelos escritórios. Considerando, porém, que muitos dos escritórios parceiros não possuíam recursos para elaboração de materiais e padronização da aparência de anúncio das vagas, esta divulgação passou a ser feita em um modelo padrão do projeto.

Neste pouco mais de um ano de existência, diversos foram os desafios enfrentados. Com o crescimento do Pretos no Direito, logo nas primeiras semanas, percebi que não teria condições de cuidar sozinho do projeto e conciliá-lo às suas demais responsabilidades. Assim, convidei outros colegas para a missão: a advogada Fabiana Maluenda e os advogados Danilo Costa e Hallison Conrado, que prontamente toparam embarcar nessa iniciativa para ajudar com a rotina de tarefas que o projeto demanda. No início, o projeto também contou com a colaboração da advogada Ellen Deuter, mas que, em razão do seu mestrado na Alemanha, não pode continuar. Sem a colaboração de meus colegas, o projeto não teria conquistado o sucesso que conquistou - passando de um simples e-mail a um projeto estruturado com portal próprio e forte presença nas redes sociais.

O projeto ainda não conta com um canal específico de monitoramento e acompanhamento das contratações, mas frequentemente são recebidas mensagens de representantes de escritórios e empresas assim como de candidatos agradecendo a iniciativa e informando que encontraram profissionais ou foram contratados graças ao Pretos no Direito. Não tem nada mais gratificante do que saber que aquela pequena ideia está gerando resultados.

Outro fator essencial para o atual sucesso do Pretos no Direito, foi a ajuda recebida de profissionais parceiros de outras áreas não relacionadas ao Direito. Graças a estes parceiros foi possível construir a identidade visual do projeto, melhorar o posicionamento do Pretos no Direito nas redes sociais, bem como elaborar materiais de promoção. O portal é resultado do excelente trabalho pro bono do engenheiro de software Guilherme Assemany. Por tratar-se de um projeto independente e que atualmente é custeado com recursos dos próprios colaboradores, o apoio voluntário de parceiros é o que garante o seu funcionamento e desenvolvimento.

O atual objetivo do Pretos no Direito é consolidar e expandir a plataforma de conexão de profissionais e empresas e aumentar a base de inscritos, tanto do lado dos profissionais quanto do lado das instituições. O grande desafio tem sido alcançar profissionais negros de todas as regiões do Brasil e provenientes das mais diversas instituições de ensino.

Em uma visão de futuro, o Pretos no Direito pretende atuar em mais frentes para atingir sua missão institucional de inserir mais pretas e pretos nas carreiras jurídicas de grandes escritórios de advocacia e empresas, como na oferta treinamentos e capacitação dos profissionais, interação com as instituições para diálogo com os profissionais negros e difusão de práticas antidiscriminatórias, dentre outras.

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