O Brasil vive um momento de mudança em direção à legalização do uso da cannabis. A atuação mais relevante no país, pelo menos por enquanto, é do Poder Judiciário que tem se sensibilizado cada vez mais através da concessão de habeas corpus individual para plantio da erva para fins medicinais.
Há um intenso debate sobre a legalização das drogas no Brasil. A discussão tem sido ampla e mostra que o assunto costuma produzir uma polarização entre os que defendem a proibição total e aqueles que propõem a legalização completa do consumo. Em ambos os polos, as reações vêm acompanhadas da radicalização sobre o posicionamento a ser tomado. O assunto é muito mais complexo do que se pensa.
O enfoque desse artigo não é a descriminalização do uso das drogas como um todo, mas sim um enfoque limitado ao plantio e uso da cannabis para fins medicinais. O PL 399/2015, que discute o plantio da cannabis e o seu uso medicinal foi pauta de votação recente na Câmara dos Deputados e no momento foi encaminhado ao Senado Federal. De forma geral, um dos argumentos utilizados pelos proponentes da legalização da maconha é o seu uso na cura de doenças.
Antes do PL 399/2015, já tínhamos algumas leis e regulamentações relacionadas ao tema, como por exemplo a Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006 - alterada pela Lei n° 13.840, de 5 de junho de 2019, atualmente em vigor) e a RDC 327/2019 emitida pela ANVISA. Contudo, não há autorização expressa do Poder Legislativo ou da ANVISA autorizando o plantio da cannabis para qualquer fim, mesmo que para uso medicinal. Inclusive, cabe lembrar que quando houve deliberação da RDC 327/2019, decidiu-se arquivar a proposta de regulamentação do plantio da cannabis para fins medicinais no Brasil.
O acesso passou a ser permitido no Brasil desde 2015, quando famílias pressionaram a ANVISA para ter o direito de acessar legalmente a cannabis medicinal. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde divulgou posição favorável ao uso terapêutico da planta. Hoje, milhares de pessoas já estão autorizadas em conjunto pelo judiciário e pela ANVISA a se tratar com cannabis medicinal no Brasil.
As autorizações vindas até o presente momento são para importação de derivados da cannabis. A RDC 327/2019 da ANVISA regulamenta a fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização, não sendo permitido apenas o plantio no Brasil. Correto dizer então que a produção de medicamento derivado da cannabis no Brasil não é proibida, contudo, a matéria prima não pode ser cultivada em solo brasileiro, tendo que ser importada de outros países.
Em abril de 2021 foi autorizada a produção de dois novos produtos à base de cannabis. Segundo o site do governo, os produtos aprovados são "soluções de uso oral à base de canabidiol nas concentrações de 17,18 mg/mL e 34,36 mg/mL, com até 0,2% de THC e, portanto, deverão ser prescritos por meio de receituário tipo B." Apesar dos significativos avanços mencionados, ainda cabe a pergunta: Por que a liberação da cannabis no Brasil é tão difícil?
A evolução sobre o tema ocorre a passos lentos. Corremos o risco de que o debate da legalização de drogas venha a ocultar as reais questões relacionadas com uma política de drogas racional e equilibrada. Podemos ficar anos num debate ideológico improdutivo, no qual as pessoas se posicionem a favor ou contra a legalização de uma droga específica com grande paixão e pouca informação.
Digamos que a pouca informação acompanhada do preconceito sobre o tema são os principais motivos pelos quais a legalização da cannabis ainda não ocorreu no país, fazendo com que fiquemos nesse debate improdutivo e polarizado, impedindo que as pessoas que realmente dependem da erva para o tratamento de saúde, tenham acesso ao produto.
A cannabis para uso terapêutico é tida como medicamento e tratamento alternativo a diversas doenças, como epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas, câncer, entre outras.
E quando falamos em liberação da cannabis no Brasil importante ter em mente que isso deve ser feito de forma equilibrada e paulatina, pois um tema é a liberação do plantio da erva, produção de medicamentos à base da cannabis e uso exclusivamente para fins medicinais. Outro tema diverso, é discutir a liberação da cannabis para fins recreativos, com plantio individual onde a fiscalização será impossível de ser fazer e, ao contrário do que é dito, não acabará com o tráfico de drogas.
Importante a liberação da cannabis para fins medicinais, com regulamentação de uso, quantidade, qualidade, ao que se denomina de liberação controlada. Aparentemente, o PL 399/2015 está exercendo essa função. Novamente, ao contrário do que está sendo veiculado, não há previsão de liberação do uso recreativo. O foco é facilitar a vida de pacientes que dependem do óleo da cannabis para tratamento, uma vez que o acesso é dificultado e os custos do óleo são inacessíveis, sem mencionar ainda a dificuldade em obtenção das autorizações e processos demasiadamente demorados.
A informação de qualidade é sempre a principal questão em qualquer debate. A partir do acesso à informação de qualidade, com dados concretos e científicos, o avanço do tema fica mais fácil.
O preconceito, se deixado de lado, já é um grande passo aliado a todas as informações já existentes sobre o tema. Sejamos então mais bem informados e livres de preconceitos para que possamos debater sobre a liberação da cannabis no Brasil e avançar de forma mais rápida sobre o assunto e, consequentemente, possibilitar que as pessoas que realmente dependem de avanços legislativos e científicos tenham uma melhor qualidade de vida.