Planejamento patrimonial e sucessório para além da pandemia | Análise
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Planejamento patrimonial e sucessório para além da pandemia

Rafael Flores, sócio do Jordan Cury Advogados

1 de June de 2021 8h

Sem dúvida alguma a pandemia da Covid-19 impactou o mundo de diversas formas, sendo a mais triste de todas o falecimento de inúmeras pessoas em todo o globo. No Brasil, não foi diferente, tendo milhares de famílias perdido seus entes queridos para o vírus que assola a humanidade desde o fim de 2019.

Nesse cenário o medo tornou-se uma constante e muitas pessoas, talvez pela primeira vez, pararam para refletir com maior seriedade sobre a finitude da vida. Essa reflexão provocou mudanças na forma pela qual as pessoas lidam com certos assuntos, desde as relações familiares intensificadas pela quarentena, até mesmo a forma de lidar com os negócios e, consequentemente, a continuidade destes.

Nesse ponto, a soma das reflexões sobre a finitude da vida e a necessidade de continuidade dos negócios poderia ser apontada como um dos fatores que teria levado a um aumento na procura por testamentos e planejamentos patrimoniais, inclusive de pessoas cada vez mais jovens e que usualmente não se preocupavam com esse tipo de questão.

Conforme veiculado em algumas mídias no final de 2020, com base em levantamento de dados divulgados pelo Colégio Notarial do Brasil, entre abril e julho do ano passado houve um crescimento de 134% no número de testamentos registrados em cartórios de notas em todo Brasil, equivalente a 1.249 testamentos. Um levantamento mais recente do Colégio Notarial do Brasil do Rio de Janeiro, apontou que, no segundo semestre de 2020, teriam sido feitos 10 mil novas solicitações, representando aumento de 45% em relação ao primeiro semestre do mesmo ano.

Assim como muitas outras perguntas que fazemos se certos comportamentos pandêmicos vieram para ficar, nos indagamos aqui se essa mudança no perfil do público dos serviços jurídicos de planejamento patrimonial e sucessório é de ocasião ou permanente.

Obviamente, não pretendemos e tampouco acreditamos que seja possível responder com precisão essa questão, visto que o comportamento humano depende de inúmeros fatores e que diversas áreas do conhecimento humano se dedicam ao entendimento de como e o porquê de as pessoas agirem dessa ou daquela maneira, adotando comportamentos enviesados.

Contudo, o momento pandêmico levantou essa importante preocupação que visa antever problemas na sucessão, divisão de bens e até mesmo a liquidez dos ativos das empresas, em virtude do despreparo dos herdeiros ou do não interesse dos filhos de levar adiante o legado da família. Sem deixar de mencionar os possíveis conflitos que podem sair do âmbito empresarial, afetar stakeholders, e chegar também às relações familiares.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras tem um perfil familiar, representando 65% do PIB nacional, e sendo capaz de empregar 75% dos trabalhadores no país. Mesmo diante de tamanha representatividade no empresariado nacional, as companhias não estão preparadas para passar o bastão para os sucessores. Os resultados do estudo Family Business Survey 2021, da PricewaterhouseCoopers (PwC), apontam que apenas 24% dos respondentes brasileiros afirmam ter um plano de sucessão em vigor robusto, documentado e comunicado.

Antecipar cenários futuros, além de garantir a continuidade dos negócios, a proteção do patrimônio familiar, também é visto como uma economia financeira e com benefícios tributários, pois é possível reduzir o impacto no pagamento de tributos, como o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações, Imposto de Renda sobre Ganho de Capital, e se antecipar a uma possível regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, já previsto na Constituição brasileira, porém não implementado e, inclusive, com a estruturação de empresa holding ou offshore como ferramenta de planejamento tributário e sucessório.

Da mesma forma em que se pensa em um seguro de vida ou previdência, faria sentido desde cedo se pensar nas consequências para a família e os negócios na eventual falta. Costumamos dizer que os planejamentos patrimoniais nunca são definitivos, devendo ser revisitados com alguma periodicidade para ajustes e adequações ao momento de vida e objetivos a serem alcançados.

Se tivesse que apostar, acabaria tentado a dizer que a maior parte dessa mudança de perfil decorre de uma situação momentânea, fortemente baseada no medo que o tabu morte desperta no ser humano, fazendo em muitos casos com que se atue na vida em chaves diferentes dos comportamentos usuais. Nesse raciocínio, a mudança no perfil seria pontual e tenderia a voltar ao perfil anterior mais sênior no caso de estabilização da situação pandêmica. Portanto, não há razões para deixar para se pensar no assunto apenas na senioridade da vida, até porque, sendo apenas realistas, esta fase da vida pode vir a nunca chegar.

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