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Análise

Penas longas não diminuem a criminalidade

Por Luiz Marcello de Almeida Pereira, mestre em Direito Constitucional e professor univesitário

29 de September de 2022 11h58

Temos um problema enorme de segurança pública no Brasil. Afeta pesadamente os setores de turismo e lazer, mas também tem impacto nos serviços, em geral, porque diminuem a demanda por muitos deles. Além do impacto sobre consumidores, a insegurança requere que qualquer negócio instalado no país considere a contratação de segurança privada em seus estabelecimentos. A Confederação Nacional de Comércio estimou a perda de receita de 1,8% para o trade turístico no Rio de Janeiro, a cada 10% de aumento na criminalidade. Não há motivo para deixar de extrapolar os números para o restante do país.

Por isso mesmo, empresários e administradores que sofrem com a insegurança, em suas vidas pessoais e nos seus negócios, muitas vezes são vítimas de ilusões a respeito das políticas de segurança pública. Uma dessas ilusões são as propostas de aumento de pena. Agora, durante as eleições, o discurso é bastante popular e angaria votos e apoios, mas é apenas mais uma falácia.

O National Institute of Justice é órgão do equivalente americano ao nosso Ministério da Justiça. Faz pesquisas sobre segurança interna, crime e assuntos de Justiça. Seu lema é "Fortalecer a ciência. Avançar a justiça". Pesquisa e desenvolve certezas a respeito da atuação do Estado contra o crime (polícias, Judiciário, responsáveis pela acusação judicial de criminosos e outros profissionais). Forma, assim, bases científicas para auxiliar na construção social de segurança para os cidadãos. Uma dessas bases é que a certeza de ser pego tem impacto largamente superior à elevação de penas. Outra é que o aumento do tempo em penitenciárias pouco faz para deter os criminosos.

O psicólogo e economista comportamental Dan Ariely ilustra o assunto comparando dois cenários. No bolsão de estacionamento por zona azul "A", o valor da multa por estacionar sem pagar é de 5 dólares, mas a fiscalização está presente 10 vezes por dia. No bolsão "B" a multa é de 100 dólares e a fiscalização acontece uma vez por semana. Claro que as condições são extremas, tanto nos valores quanto na periodicidade do policiamento. A frequência de pessoas estacionando sem pagar o parquímetro, entretanto, é gigantescamente maior no bolsão "B". A sanção, mesmo enorme, não diminui o "delito" porque o ambiente gera enorme impunidade.

Mas o Congresso Nacional todo ano cria tipos criminais (o total já está perto dos 1.700), como também sempre aumenta a lista de crimes hediondos, cujas penas são cumpridas com maior rigor. O motivo é a "legislação simbólica", termo popularizado pelo jurista Marcelo Neves.

Para aumentar, na cabeça do criminoso, a certeza de que será pego, o Estado precisa investir na investigação dos crimes, em inteligência policial, laboratórios, tecnologias de rastreio de valores, bem como treinamento de profissionais em todos os órgãos e entidades. Ou seja, investir na Polícia Civil e no Ministério Público.

Aumentar pena significa simplesmente mudar uma lei. Na cabeça dos cidadãos fica a impressão de que os políticos envolvidos estão fazendo alguma coisa. Há um efeito simbólico importante na criação dessas leis, porque a ação transparece cuidado com a segurança. Há um aumento de apoio a esses políticos e a essas políticas públicas, mesmo que os resultados sejam pífios.

Luiz é advogado, e atua há mais de vinte anos como professor de Direito Constitucional e História do Direito. Atualmente leciona na Universidade Estácio de Sá. É bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Marília (UNIMAR).

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