Após 30 anos de carreira, 25 deles em grandes empresas, resolvi ter chegado o momento de ter o meu próprio escritório. Havia oportunidades em outras empresas, mas, tendo em vista algumas cláusulas contratuais que me restringiam trabalhar em certos setores da indústria, além de contratos de prestação de serviços que se apresentaram rapidamente, achei que a hora certa havia chegado.
Procurei amigos advogados bem sucedidos e tracei um plano: falar com os escritórios que tivessem uma filosofia de trabalho alinhada com a minha, sendo um de tamanho grande e um médio. Pensei comigo mesmo que escritório pequeno, seria melhor montar o meu. Sempre tive muita preocupação com cultura organizacional, processos internos, teamplay, alinhamento de ideias e, acima de tudo, estratégia de crescimento e legado que pudesse me orgulhar. Reputação.
Um grande amigo, advogado ímpar, me fez uma proposta tentadora: "Clovis, como faço somente o contencioso, montaremos em conjunto um escritório. Todos os casos não contenciosos passarei ao seu escritório, e aqueles contenciosos que você receber, você passa para mim. E acordaremos finders’fees". Tive um pouco de receio. Eu seria o único advogado consultivo e precisaria de apoio. Em pouco tempo, sabia, teria de crescer. Além disso, senti uma insegurança e me veio a pergunta: quem é Clovis Torres no cenário jurídico?
Quando estamos dentro de uma grande empresa, nosso dia a dia não nos permite trabalhar naquelas matérias que gostamos mais e temos maior familiaridade. Minha carreira, naquilo que eu mais me identificava, foi dirigida ao Direito Societário, Governança, Operações Financeiras, incluindo Project Finance - foram 4 anos na International Finance Corporation - IFC, em Washington, D.C., nos Estados Unidos - e M&A. Passados 15 anos no setor minerário, havendo participado ativamente das discussões que culminaram no novo Código Brasileiro de Mineração, adicionei Direito Minerário ao meu rol de expertises.
Mas tratei profundamente de licenciamento ambiental, direitos indígenas e povos tradicionais, tributário, penal, comércio exterior, trabalhista etc. Ou seja, atuei na maior parte da minha vida profissional como um advogado generalista. E quanto mais crescia nas organizações onde trabalhei, mais generalista me tornava.
Pois bem. Após perceber que o grande e o médio escritórios não eram o que buscava naquele momento, decidi unir-me a dois ex-sócios do tempo em que trabalhei em um grande escritório brasileiro. Sentamos, estabelecemos as nossas golden rules e partimos para a formação do escritório. Meus sócios já tinham forte reputação formada em suas áreas de atuação. Eu não. Minha reputação era de bom gestor de departamento e fazedor de negócios, não exclusivamente jurídico. Ou seja, eu era um executivo jurídico com visão generalista e ninguém sabia que, muitas vezes, tocava projetos diretamente para não deixar de me atualizar com as áreas que mais gostava do Direito. Mas talvez não fosse suficiente.
Na maioria dos escritórios de tamanhos grande e médio, os advogados praticam áreas específicas, tentando mais e mais desenvolver produtos em suas áreas para apresentar a seus clientes. Não há tempo ou mesmo vontade de abrir o leque para outras práticas - na sua maioria já tomadas por outras áreas do mesmo escritório. Ou seja, cada um na sua!
Meus sócios e eu tínhamos algumas premissas básicas. Uma delas, extremamente importante para mim dado o tempo em que trabalhei em empresas, dizia respeito aos times que montaríamos para atender aos nossos clientes. Os sócios sempre teriam de trabalhar. Nada de ir a uma reunião de captação e desaparecer, colocando advogados jovens em nosso lugar na hora de executar o trabalho. Segundo, nada de times grandes demais. Em reuniões, o máximo de 3 advogados é permitido. Qualquer coisa além disso é exceção. Temos de buscar o que há de melhor em tecnologia para oferecer a nossos clientes. Em suma, escritório de advocacia é um negócio como qualquer outro e não deve ser tratado com um produto artesanal.
Muitos amigos, advogados de empresas, me perguntam e arriscam a resposta sobre o que foi mais difícil em minha mudança de advogado interno para advogado externo em escritório de advocacia. Quase todos acham que é a chamada originação, ou seja, trazer clientes e casos, afinal nas empresas o trabalho corre atrás do advogado interno, enquanto nos escritórios, o advogado corre atrás do trabalho. Esse não foi o meu problema.
Difícil mesmo foi me reposicionar para o mercado e clientes. Em que sou bom, onde agrego mais ao meu cliente, como usar toda a experiência em fazer negócios para ajudar o meu cliente, conquistar a sua confiança para que espere mais de mim do que interpretar leis, minutar contratos e negociá-los, enfim, voltar um pouco no tempo e, com humildade, deixar o meu trabalho falar mais do que as minhas palavras. Há excelentes advogados no Brasil, concorrência ferrenha mesmo. Mas há poucos que conhecem ou se esforcem para conhecer o negócio dos clientes, sem o que, entendo eu, o advogado externo não consegue lhes prestar o melhor serviço.
Para finalizar, em minha experiência, a mudança de uma empresa para um escritório de advocacia traz para o advogado uma nova realidade. Não só no trabalho em si, mas na vivência com profissionais onde a hierarquia não tem tanta relevância, altamente especializados em uma área, concorrência um tanto nociva entre escritórios em virtude de certa comoditização do trabalho e guerra de preços para "levar o caso" etc. Por outro lado, o Direito é o Core Business e todas as oportunidades estão disponíveis aos advogados que se destacam, o que não ocorre em empresas, onde há limite de cargos e as promoções tendem a ser mais demoradas, desmotivando, na maioria da vezes, os mais jovens que cada vez mais tem pressa para crescer.